O impacto do conflito entre Israel e o Irão já se faz sentir na aviação mundial, com o crescente aumento das zonas interditas ou restritas ao tráfego aéreo civil - as denominadas no-fly zones. Os constrangimentos visam, sobretudo, as rotas com destino ao Golfo Pérsico e ao sudoeste e sudeste asiático, regiões que já se encontravam parcialmente limitadas devido ao encerramento do espaço aéreo russo. A escalada da guerra, que ganhou novos contornos com a ofensiva militar dos Estados Unidos ao Irão, na madrugada do passado domingo, levou várias companhias aéreas europeias, americanas e asiáticas a reagir através do cancelamento e da redução de voos para o Médio Oriente. Por cá, não é expectável que a aviação nacional seja impactada. “No caso português, este efeito imediato é muito reduzido, uma vez que nem a TAP nem a Azores Airlines, nem nenhuma companhia baseada em Portugal opera voos regulares para os países mais afetados. De Portugal, apenas o aeroporto de Lisboa conta com ligações diretas para a região e todas elas são efetuadas por companhias estrangeiras”, explica ao DN Pedro Castro, especialista em aviação. A única rota operada entre Portugal e Telavive, a partir de Lisboa, foi suspensa pela israelita El Al. Já os restantes voos que ligam a capital portuguesa ao Médio Oriente - Abu Dhabi, Doha e Dubai, operados pela Ethiad Airways, Qatar Airways e Emirates, respetivamente - continuam operacionais e não se sabe, para já, se serão interrompidos. O DN contactou as transportadoras aéreas, mas não obteve esclarecimentos até ao fecho desta edição. .Aumento do preço do petróleo é ameaça .Os efeitos colaterais do adensar das hostilidades entre Israel e o Irão poderão, por outro lado, chegar ao setor da aviação pela via indireta do aumento dos preços do petróleo, um cenário potenciado com a entrada de Washington no conflito. A Associação das Companhias Aéreas em Portugal (RENA) considera que este quadro geopolítico “preocupante” afeta não só a confiança dos passageiros como os aspetos operacionais das transportadoras. “Será um dos impactos óbvios. O encerramento do Estreito de Ormuz, do qual dependem muitos fornecimentos globais de petróleo, pode levar a subidas na casa das duas décimas e isso é preocupante”, refere António Moura Portugal, diretor executivo da RENA. Os gastos com o jet fuel representam cerca de 30% da fatura de custos operacionais das companhias aéreas e as flutuações de preços do petróleo podem traduzir-se num aumento da fatura. Ainda assim, as transportadoras salvaguardam-se com os contratos de hedging, uma estratégia financeira que lhes permite fixar antecipadamente o preço de parte do combustível que irão consumir num determinado período, protegendo-se contra aumentos inesperados - e que são negociados em períodos de 12 e 24 meses. Desta forma, não é esperado que as consequências destas subidas sejam imediatas. “As companhias que tiverem pouca cobertura segura em 2025 enfrentarão maiores pressões sobre a sua rentabilidade, especialmente se competirem diretamente com transportadoras que beneficiam de contratos mais favoráveis porque não poderão aumentar as tarifas tão facilmente. A Ryanair surge, neste contexto, como uma das mais bem posicionadas: tem poucos voos para a região afetada, tem uma política de hedging para 2025 que lhe é favorável e um modelo de negócio baseado em voos intra-europeus com tarifas médias reduzidas (cerca de 45 euros por segmento), tornando-a mais resiliente perante qualquer cenário: o atual ou um pior”, explica Pedro Castro.O também diretor da SkyExpert, empresa de consultoria de transporte aéreo, aeroportos e turismo, descarta uma eventual transferência destes custos para o passageiros através do aumento das tarifas dos bilhetes. “Há companhias que vão aguentar os primeiros aumentos devido ao hedging e outras que irão absorver os aumentos aceitando reduzir a rentabilidade dos voos por causa da retração da procura em caso de aumento das tarifas. Estas situações irão limitar as companhias que só têm como solução aumentar o preço”, justifica. António Moura Portugal afina pelo mesmo diapasão e sustenta que as políticas de hedging garantem estabilidade ao setor neste contexto. “Não antecipo grandes problemas no médio-prazo. Se o conflito se estender, aí sim. É normal que quando houver a renegociação destes contratos de combustível que possam existir repercussões”, traça o representante das companhias aéreas em Portugal. Por fim, para Pedro Castro existe ainda outro desafio na aviação nacional que respeita à crescente dificuldade de operar para a Ásia e, agora, para o Golfo Pérsico que, defende, em conjunto com os sinais de desaceleração da procura nos Estados Unidos, deverá levar as companhias aéreas europeias de longo curso a apostar na América Latina e em África. “Estas são precisamente as regiões para onde a TAP voa, mas onde enfrenta desde finais de 2024 uma crescente concorrência, tendência que se está a agravar em 2025. A Azores Airlines, por seu lado, encontra-se numa posição muito vulnerável devido a uma forte concentração da sua capacidade nos Estados Unidos, sem alternativas de mercado com escala comparável, o que poderá deixá-la exposta a uma nova situação de falência técnica, caso se mantenha a trajetória de défice operacional”, acrescenta. .Qual a importância estratégica do Estreito de Ormuz? Por ali passa 20% do comércio mundial de petróleo e gás