A crise inflacionista que teve início no arranque de 2022 fez aumentar os preços dos bens essenciais bastante acima da atualização registada ao nível dos salários médios da economia e até do Salário Mínimo Nacional (SMN) até ao final do ano passado.A perda de poder de compra imposta pela inflação muito elevada afeta sobretudo o consumo de um leque extenso de bens essenciais, mas também serviços ligados ao turismo e restauração, cujo custo subiu muito mais face ao ritmo dos rendimentos salariais.O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou ontem, segunda-feira, que a inflação parece estar a estabilizar na casa dos 3%, talvez menos, embora na reta final de 2024 se tenha assistido a uma aceleração motivada por um novo agravamento nos preços dos alimentos e da energia.Mas, em retrospetiva, desde o começo da crise inflacionista (no início de 2022, agravada pela guerra contra a Ucrânia), a perda de poder de compra está longe de ser revertida para milhões de pessoas, sobretudo na compra de bens mais essenciais, um fenómeno que afeta sempre mais as famílias com menores rendimentos, que, naturalmente, têm de dedicar uma maior proporção dos seus salários (e pensões) à aquisição desse tipo de bens.Só para se ter um termo de referência, sabe-se, por exemplo, que o salário mínimo (bruto) aumentou 23% entre 2021 e 2024 (de 665 euros mensais para 820 euros), segundo dados do Governo. Em Portugal, mais de 830 mil pessoas recebem o mínimo.E, de acordo com o INE (que usa dados também do governo, da Declaração Mensal de Remunerações da Segurança Social e da Relação Contributiva da Caixa Geral de Aposentações), o salário médio bruto da economia (privado e público) subiu 16% desde final de 2021 até ao terceiro trimestre do ano passado.A remuneração média bruta portuguesa rondaria os 1570 euros mensais, segundo cálculos do DN aos dados relativos aos primeiros nove meses de 2024, divulgados pelo INE.Ontem, o instituto revelou que embora a inflação geral tenha aliviado, ela esconde uma realidade muito heterogénea.Por exemplo, nem o salário mínimo, nem o médio, conseguiram acompanhar, até agora, a subida aguda dos preços do grupo "produtos alimentares e bebidas não alcoólicas", onde a inflação desde o final de 2021 disparou mais de 26%. Bem acima do aumento acumulado do SMN e muito mais ainda da subida do salário médio.Olhando com mais detalhe para os alimentos, percebe-se como a crise inflacionista ainda continua a pesar nos orçamento de muitas famílias à luz do que foi a evolução mais geral dos salários.O preço do importante trio "leite, queijo e ovos" aumentou 32% nestes três anos que vão até ao final de 2024, a carne custa mais 29%, os produtos hortícolas custam mais 28%, o preço do pão subiu quase 27%. Tudo bastante acima da dinâmica verificada nos indicadores salariais já referidos.Ainda nos bens essenciais é de notar que também não houve reversão da perda de poder de compra quando se trata de bens e serviços como "eletricidade, gás e outros combustíveis" já que este grupo sofreu um agravamento de preços superior a 23% desde 2021.Fora dos bens essenciais, mas de elevada importância nas escolhas da maioria dos portugueses, o INE mostra que, nos últimos três anos, é muito mais caro ir a restaurantes e cafés. Aqui, os preços médios subiram mais de 24%, acima dos salários, portanto.Os pacotes de férias ("férias organizadas") estão hoje 28% mais caros do que no final de 2021 e os serviços de alojamento turístico são os campeões da inflação no período analisado: estão 38% mais caros, mostram as contas do DN baseadas nos dados oficiais do INE, divulgados esta segunda-feira."Em 2024, o Índice de Preços no Consumidor (IPC) registou uma variação média anual de 2,4%, taxa inferior à registada no conjunto do ano 2023 (4,3%)", mas "excluindo do IPC a energia e os bens alimentares não transformados", a taxa de variação média é maior. "Situou-se em 2,5% (5% no ano anterior)", resume o INE no destaque sobre a inflação divulgado esta segunda-feira."A taxa de variação homóloga do IPC total evidenciou uma relativa estabilidade ao longo do ano, registando o valor mínimo de 1,9% em agosto e um máximo de 3% em dezembro, o que contrasta com a desaceleração significativa verificada em 2023."O INE nota que nas classes de bens com "maiores contribuições positivas para a variação homóloga do IPC, destacam-se a dos bens alimentares e bebidas não alcoólicas, da habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis e dos restaurantes e hotéis".Em sentido contrário, estão mais baratos os "acessórios para o lar", o grupo "equipamento doméstico e manutenção da habitação" e o duo "vestuário e calçado".