A viragem do ano vai marcar a entrada numa nova era para a defesa nacional e europeia, à medida que a ameaça militar russa se intensifica e que a aliança com os Estados Unidos se degrada. Um volume gigantesco e inédito de dinheiro para investir em defesa e segurança vai entrar em Portugal já a partir de 2026, num total de 5,8 mil milhões de euros. Mas a chuva de milhões sem precedentes está já a fazer soar alertas sobre a necessidade de reforçar os mecanismos de transparência e prevenção da corrupção, tanto na UE como em Portugal, num setor que tem um nível de risco particularmente elevado, devido aos montantes em causa e ao sigilo militar. E, agora mais do que nunca, porque face à invocada ‘urgência’ de capacitação militar europeia, as contratações ao abrigo deste instrumento financeiro ficam isentas dos procedimentos habituais, como o concurso público internacional.“Obviamente que traz preocupações sobre o risco de corrupção a entrada de um volume financeiro desta envergadura, que só tem algum paralelo com o PRR”, disse o presidente do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), José Mouraz Lopes, em declarações ao DN. Por isso, garante que, embora o plano de atividades de 2026 daquele organismo ainda não esteja publicado, “o setor da defesa será seguramente uma prioridade”. Até porque, no passado, aquisições militares neste setor foram alvo de ilegalidades várias, com um processo ainda em julgamento, lembrou aquele juís conselheiro.Portugal é classificado como tendo um risco elevado de corrupção neste setor no último Government Defense Integrity Index, de 2024, relativo a 2020, lembrou Tiago Rosa Gaspar, diretor executivo da Transparência Internacional Portugal, em declarações ao DN. “Nas questões relativas à contratação de pessoal o risco é moderado, mas alto no plano financeiro”, explicou aquele responsável. A propósito, Tiago Rosa Gaspar saúda a legislação sobre lobying, porque permite, justamente, maior transparência.Mas o que pode o Menac fazer concretamente para precaver esse risco? “Pode fazer ações de fiscalização e começar por pedir às entidades que apresentem os seus planos de prevenção de risco de corrupção e solicitar que identifiquem alguns detalhes das aquisições”, explicou Mouraz Lopes.Essa é, de resto, uma preocupação transversal a outros países europeus. Nas últimas semanas ocorreram reuniões entre organismos congéneres ao Menac de Itália, França e Grécia, em que se ponderou a criação de uma entidade de controle destas agências. “Vamos avançar com ações conjuntas e concertadas a nível europeu”, revelou.Sobre a ideia de se criar uma subcomissão parlamentar de acompanhamento a este programa, dentro da Comissão de Defesa, o presidente do Menac mostrou-se favorável. “Acho que todas as medidas que reforcem o controle e transparência são importantes, e essa teria a legitimidade da Assembleia da República”, considerou. Mas o pedido apresentado nesse sentido pelo PS foi, no entanto, chumbado pelo PSD e CDS, com abstenção do Chega.Do lado do Governo, quando o ministro da Defesa, Nuno Melo, anunciou este mês que o SAFE vai permitir um investimento “histórico” nas Forças Armadas portuguesas, “o maior de uma só vez”, também revelou que será criada uma estrutura para fiscalizar a execução dos contratos, a ser aprovada em Conselho de Ministros, dotada de poder e autonomia. Porque, disse, "transparência e escrutínio são essenciais neste plano".Mas ainda a candidatura nacional não foi validada por Bruxelas – aguarda-se para janeiro _ e já há queixas da Oposição de falta de transparência por parte do gabinete do ministro. Em causa está a constituição do grupo de trabalho que terá já selecionado e escolhido alguns dos equipamentos a adquirir. “O processo de candidatura ao fundo é opaco, não se conhecem os especialistas que fazem parte do grupo de trabalho que orientou a decisão”, disse Luís Dias, o deputado socialista da comissão parlamentar de Defesa, em declarações ao DN.Em causa estão vários equipamentos, sendo que a maior fatia deverá privilegiar a Marinha, com novas fragatas. Segundo o ministro, para o exército está prevista a aquisição de veículos médios e ligeiros de combate e para a Força Aérea vão ser adquiridos satélites e drones. Reiterando que o critério de escolha foi racional, Nuno Melo divulgou apenas a origem das empresas que foram escolhidas para fornecerem Portugal: Itália, França, Finlândia, Alemanha, Espanha e Bélgica.O ministro sublinhou ainda que para as opções tomadas foram consideradas contrapartidas que tivessem em conta o "retorno para a economia e o envolvimento da indústria nacional". E deu como exemplo, no caso da Marinha, um investimento em equipamentos, infraestruturas e formação de pessoal para o Arsenal do Alfeite para assegurar a manutenção durante o ciclo de vida das novas fragatas. A isto soma-se a criação de uma fábrica de munições; de uma unidade industrial para produção e manutenção de veículos blindados; e de uma unidade de produção de satélites.Mas as explicações não satisfazem o PS, tendo em conta que, no caso português, o SAFE é um empréstimo a 15 anos, que vai penhorar o erário público por um período que deverá abranger mais do que um governo . O deputado Luís Dias critica ainda alguns défices de informação:” tinhamos o plano de cumprir um investimento em defesa de 2% do PIB este ano e não sabemos se ele foi aplicado ou não, assim como também não conhecemos o plano para investir 5% do PIB em defesa até 2035”.