Casca de mexilhão ou extratos de pinheiro dão origem a novos biomateriais

Casca de mexilhão ou extratos de pinheiro dão origem a novos biomateriais

Há uma nova geração de materiais em desenvolvimento no âmbito do PRR, e alguns estão já a chegar ao mercado. É o caso de couros estabilizados com recurso a extratos vegetais ou borras de café.
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As primeiras inovações da BioShoes4All, a agenda mobilizadora do calçado, estão já a ser apresentadas em feiras internacionais. Embora só termine no final do ano, e haja ainda muito desenvolvimento em curso, há já uma nova geração de produtos, como couros, solas, palmilhas e outros componentes, que integram materiais como casca de arroz ou de mexilhão, caroços de azeitona, podas de videira ou algas, entre outras. O objetivo é a produção de produtos “leves e apelativos”, mas com “poucos materiais diferentes para potenciar a sua produção ágil e posterior reciclagem”.

Num investimento de 62 milhões de euros, o BioShoes4All é apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e envolve 70 parceiros, entre 20 entidades do sistema científico e 50 empresas. De acordo com a coordenadora da agenda, o BioShoes- 4All “é o maior projeto de sempre da indústria portuguesa de calçado e o maior investimento em investigação, desenvolvimento, inovação e capacitação realizado num curto espaço de tempo, tornado possível pelo programa português de Recuperação e Resiliência e pelo Next Generation EU”.

Ao DN, Maria José Ferreira destaca a preocupação em envolver empresas “representativas de toda a cadeia, todas orientadas para concretizar uma mudança radical ao nível da sustentabilidade dos materiais, produtos químicos, processos de fabrico, modelos de negócio e produtos finais de calçado e marroquinaria”.

O Inegi - Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto ou o Polo de Inovação em Engenharia de Polímeros são alguns dos parceiros, a par dos centros tecnológicos do têxtil e vestuário e do calçado. Ao nível empresarial, tudo está representado, desde a indústria dos curtumes, aos fabricantes de calçado e marroquinaria, passando pelos materiais e componentes, produtos químicos, biorrecursos e até o retalho, representado pela Sonae.

E para que serve a introdução de cascas de mexilhão ou de sílica nos novos materiais? O objetivo é sempre adicionar novas funcionalidades, como resistência ao desgaste ou ao escorregamento, entre outros. Nelson Maciel Pinto, investigador do PIEP e gestor do projeto CSBio, um dos muitos no seio do BioShoes4All, explica que o objetivo é criar solas de calçado de segurança, com “aderência multidirecional superior aos produtos existentes no mercado”, uma neces- sidade da Procalçado, que calça profissionais de saúde, indústria e restauração com a marca Wock.

A equipa procurou reutilizar todos os biomateriais que fossem compatíveis com o material atualmente usado em calçado de segurança, sendo que a casca de mexilhão triturada e a sílica, obtida a partir da queima da casca de arroz, são os dois biomateriais que apresentam “melhores características mecânicas”.

Renato Reis, responsável pela área de extrusão, composição e materiais avançados do PIEP, explica, por seu turno, que as conchas de moluscos bivalves são fontes biológicas de carbonato de cálcio, material tradicionalmente já utilizado nos polímeros, mas retirado de minas. O recurso ao carbonato de cálcio a partir das conchas de bivalves aproveita e valoriza um desperdício alimentar. O resultado final está ainda em testes e validação.

Já em fase de comercialização estão as solas da Atlanta, de Felgueiras, desenvolvidas através da aplicação do biomimetismo à indústria. Um projeto que envolveu, também, o PIEP e o Centro Tecnológico de Calçado de Portugal (CTCP), tendo por objetivo reduzir o peso e otimizar o amortecimento da sola, por um lado, e aumentar a sua aderência, por outro. Além disso, pretendeu o desenvolvimento de biopolímeros e novas formulações que resultem em melhorias na pegada de carbono do produto.

A biomimética é uma área da ciência que procura inspirar-se na natureza para desenvolver novas tecnologias e soluções. As solas desenvolvidas procuraram mimetizar, por exemplo, os tecidos do miocárdio, as teias das aranhas, ou os favos de mel das abelhas, assegurando funcionalidade como uma dissipação maximizada de energia, um aumento de resistência à compressão, ou maior absorção do impacto.

A nível dos couros, explica por seu turno Maria José Ferreira, há muito já feito, no que toca à redução do consumo de água e de químicos no processo de curtimento, recorrendo a extratos vegetais, da casca de pinheiro ou das borras de café, para a estabilização das peles. Por outro lado, e numa lógica de desperdício zero, transversal ao BioShoes4All, estão também a ser usados desperdícios de peles que são triturados e dissolvidos, reintroduzindo-os no processo de curtimento. O projeto contribuiu ainda para a implementação na Europa dos primeiros sistemas para produção de componentes e de calçado em materiais termoplásticos expandidos e recicláveis, por via da injeção de azoto no processo de fabrico.que está já a ser feito por duas empresas de componentes: a Aloft e a Procalçado.

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