Bruxelas cedeu à indústria automóvel europeia, que se queixa de estar em “risco de morte” pela agressividade da concorrência chinesa. E adiou as metas da eletrificação previstas para este ano, prometendo rever também as que traçou para 2035, data para a qual tinha fixado o fim do fabrico de veículos a combustão no espaço europeu.Como parte do tratamento para o estado crítico do setor, a Comissão vai também incentivar a construção do utilitário elétrico europeu, quando a quota de mercado dos elétricos de passageiros na UE-27 ainda não vai além dos 15%, anunciou a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen.Em causa estão sérias alegações de que as marcas europeias podem ser simplesmente atiradas para fora do campeonato mundial do mercado elétrico se não for seguida uma via mais gradual para a transição elétrica e o fim da era a combustão. "Existe o risco de o futuro mapa da indústria automóvel mundial ser desenhado sem a Europa", afirmou a chefe da indústria da UE, Stéphane Séjourné.A decisão da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, colocar o pé no travão deu-se na sequência de três reuniões de crise com a indústria automóvel, ao longo deste ano, que apelidou de Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Indústria Automóvel, a última das quais no final da semana.Desse diálogo saiu uma nova visão mais consensual de que as fichas não devem ser já colocadas todas na mesma solução, leia-se modo elétrico, mas que este deve coexistir por enquanto com o modo híbrido plug-in e também com combustíveis menos poluentes, os chamados biocombustíveis, que emitem menos gases com efeitos de estufa. Para este consenso terá contrubuído também o clima de guerra comercial que se instalou entre os principais blocos económicos, com os Estados Unidos a imporem tarifas à importação e a fragilizarem ainda mais a produção europeia, em desvantagem concorrencial no modo elétrico. Antes disso, já a UE havia ameaçado aumentar as taxas à importação de carros chineses com acusações de subsidiação estatal pelo governo chinês à produção local.Parecendo assumir que os incentivos colocados ao serviço da transição energética também terão ficado algo aquém do desejável Von Der Leyen anunciou, no seu discurso do Estado da Nação, uma nova iniciativa que vai apoiar a indústria europeia a desenvolver um automóvel e-car “europeu, pequeno e económico”. A iniciativa Small, Affordable Cars (carros pequenos e acessíveis) é uma maneira de correr atrás do prejuízo e tentar jogar com as mesmas armas da concorrência, quando ainda não se conseguiram massificar na Europa carros elétricos abaixo dos 20 mil euros.Ursula von der Leyen quer o e-car “construído aqui na Europa, com cadeias de abastecimento europeias”. Isto porque, sublinhou a responsável, “não podemos deixar que a China e outros conquistem este mercado”. Até porque representa uma fatia muito importante da economia europeia e muitos milhões de postos de trabalho. Mas para a presidente da Comissão Europeia, não há dúvidas:“aconteça o que acontecer, o futuro é eléctrico”.As exigências da indústriaA poderosa Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA) fez algumas exigências fundamentais. A primeira delas é recalibrar os objetivos de redução das emissões de CO2. Isto porque a adoção generalizada no mercado de massas ainda não aconteceu (a quota de mercado dos automóveis de passageiros elétricos na UE-27 era de 15,6% e de 9% para as carrinhas). “E não acontecerá se não acelerarmos as infraestruturas e não baixarmos o custo total da aquisição. Em maio de 2025, os fabricantes tinham lançado quase 290 novos modelos e investido centenas de milhares de milhões em transformação. Mas os governos e as entidades reguladoras não investiram nem exigiram níveis suficientes de infraestruturas e de modernização das redes, e os incentivos continuaram a ser inconsistentes. Consequência: os objetivos regulamentares já não são exequíveis”, considera a porta-voz da ACEA Camille Lamarque.A segunda exigência é reforçar as condições favoráveis e “tornar a compra de veículos elétricos mais atrativa através de incentivos consistentes, tributação mais justa e custos de carregamento mais baixos, bem como um acesso mais fácil às cidades”. Isto ao memo tempo que “a Europa deve acelerar as infraestruturas de carregamento e de reabastecimento, especialmente para os veículos pesados, modernizando simultaneamente as redes e reformando os mercados da energia para fazer baixar os preços da eletricidade”.Entre as reivindicações da indústria está ainda a defesa da neutralidade tecnológica: “Embora os veículos elétricos venham a dominar a transição, não podem satisfazer todas as necessidades de transporte. Os híbridos plug-in, as pilhas de combustível de hidrogénio, os motores de combustão interna alimentados por combustíveis renováveis e outras soluções continuam a ser vitais. Manter múltiplas tecnologias em cima da mesa alargaria a escolha dos consumidores, aceleraria a descarbonização da frota existente e sustentaria os pontos fortes da Europa em termos industriais e de exportação”, sustenta ainda a ACEA.