Os bancos centrais de Alemanha e França estão a concertar posições e a pedir urgentemente mais união na Europa e medidas que defendam o comércio "livre e justo" e o crescimento de forma a contrariar ao máximo o esperado efeito destrutivo das políticas tarifárias e outras entretanto já prometidas por Donald Trump, que toma posse em janeiro que vem..Numa iniciativa pouco comum e num registo de "alerta", os governadores dos dois maiores bancos centrais da Europa e fundadores da Zona Euro, o alemão Joachim Nagel (presidente do Bundebank) e o francês François Villeroy de Galhau (presidente do Banque de France) decidiram fazer uma comunicação conjunta sobre o que fazer perante as ameaças do Presidente-eleito dos Estados Unidos, tendo os dois subido ao palco do Congresso Bancário Europeu, um evento anual e muito exclusivo do sector (com banqueiros centrais e os colegas do sector privado), que decorreu esta sexta-feira, em Frankfurt.."O resultado das eleições nos Estados Unidos da América [EUA] deverá, obviamente, servir como mais um sinal de alerta", atirou o banqueiro central gaulês.."A futura política económica dos EUA é ainda incerta nos detalhes, mas não na direção provável: mais tarifas, mais défices orçamentais, menos regulação, incluindo no sector financeiro" e "isto significa mais riscos para a economia global: mais inflação – especialmente nos EUA –, mais volatilidade financeira, menos comércio e, portanto, menos crescimento, inclusive para a Europa", atirou Villeroy de Galhau.."O Joachim e eu acreditamos, no entanto, que a Europa ainda tem as alavancas para dominar o seu destino económico e dar mais força ao crescimento: por isso fazemos hoje este apelo comum", acrescentou o alto responsável francês..Para Nagel, que está à frente do todo-poderoso Bundesbank, o banco central alemão, o que tem mais peso no Banco Central Europeu (BCE), "as implicações económicas da mudança de administração nos EUA", caso se tornem realidade, vão ser "prejudiciais" e "podem ir muito para além da esfera financeira".."Não podemos excluir a possibilidade de a próxima administração dos EUA impor uma tarifa geral sobre todos os bens importados, isto em cima de tarifas adicionais, especificamente sobre as importações procedentes da China. Afinal, isso foi anunciado repetidamente durante a campanha eleitoral", acenou o presidente do Bundesbank.."A aplicação dessas tarifas [anunciadas por Trump] vai reacender os conflitos comerciais internacionais e prejudicar ainda mais a nossa ordem multilateral" e isso combinado "com outras medidas pode infligir perdas significativas ao Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos e dos restantes países". Para Nagel, o efeito final seria um novo "aumento da inflação – em ambos os lados do Atlântico"..Para o economista alemão, "neste ambiente, a Europa deve agir de forma prudente", mas acarinhar e defender "o sistema comercial multilateral e baseado em regras e acordos comerciais que são benéficos para todos".."O comércio não é um jogo de soma zero. Se todos se especializarem naquilo que fazem melhor, todos os lados poderão vencer", concluiu o chefe do Bundesbank..Estas iniciativa dos dois banqueiros centrais pode causar alguma estranheza: os bancos centrais são "independentes", emitem e fazem regulamente considerações e decisões políticas, sendo as mais normais e recorrentes as que pedem mais reformas estruturais e mais consolidação orçamental e disciplina financeira aos governo.."Os nossos valores estão ameaçados pelos populistas".Normalmente, os banqueiros centrais não se atiram para tão longe, como sugerir mais músculo, ação e concertação aos governos europeus, sobretudo em temas mais pantanosos e dados a nacionalismos, como a política comercial..François Villeroy de Galhau teve assim necessidade de explicar a razão desta comunicação.."No mundo atual, onde os choques de oferta são decisivos e cada vez mais frequentes, a promoção de políticas estruturais é ainda mais essencial e no interesse da estabilidade de preços".."Como banqueiros centrais, não somos nós os decisores aqui, porque isso cabe aos governos. Mas é nosso dever ajudar a manter as reformas no centro do debate, tanto mais que as autoridades políticas estão atualmente frequentemente enfraquecidas, uma vez que estão, infelizmente, mais sujeitas a fortes pressões internas e de curto prazo"..Quanto a isso, Nagel foi mais concreto. "Os regimes autocráticos não desapareceram ganharam força e influência", dando o exemplo do "terrível ataque da Rússia à Ucrânia"..Mas, pior, "também nas democracias, os nossos valores liberais estão a revelar-se vulneráveis e ameaçados pelos populistas" e, na opinião do banqueiro, "a União Europeia tornou-se um bode expiatório comum para esses populistas"..Do outro lado do oceano, "os resultados das recentes eleições nos EUA podem desafiar seriamente a Europa", sendo certo que "o modelo europeu de prosperidade está sob uma pressão cada vez maior", continuou o francês.."Por isso, o Joachim Nagel e eu queremos lançar agora este apelo comum", disse Galhau, terminando com uma frase de Konrad Adenauer, chanceler alemão de 1949 a 1963: "Quando toda a gente pensa que é o fim, é quando temos de começar".