O número de reclamações dos clientes bancários caiu 16% entre 2023 e 2024, um “bom indicador do que se está a passar no mercado”, considera o Banco de Portugal (BdP), que esta quarta-feira apresentou o Relatório de Supervisão Comportamental relativo a 2024. O documento revela que no ano passado chegaram ao supervisor 22 542 reclamações, na sua grande maioria relativas a depósitos bancários e a crédito aos consumidores. As reclamações relativas a crédito hipotecário e habitação ocupam o terceiro lugar do pódio das reclamações, mas registam a queda mais expressiva relativamente a 2023: quase metade.De todas as reclamações recebidas e encerradas pelo BdP, 88% continham irregularidades – supervisionadas pela instituição. As restantes 12% foram entretanto resolvidas, maioritariamente de forma voluntária pela instituição financeira a que dizem respeito. Apenas 4,1% não foram solucionadas – o que terá levado a uma ação punitória por parte do supervisor.No ano passado, as instituições devolveram 22 milhões de euros aos clientes de comissões e juros indevidamente cobrados, uma subida expressiva relativamente ao ano anterior, mas que se justifica porque uma instituição em particular foi obrigada a devolver cerca de 15 milhões de euros, por uma situação relativa a contratos de crédito imobiliário e ao consumidor, onde se previa que em caso de mora do consumidor, este perdia o direito a bonificação. Excluindo esse 'outlier', esclarece o BdP, o valor até ficou abaixo dos anos anteriores. Quanto à instituição em causa, foi determinada a retirada da cláusula em questão e, naturalmente, a devolução do dinheiro aos clientes.As reclamações relativas à Central de Responsabilidade de Créditos (CRC) – comummente conhecida como 'lista negra do Banco de Portugal – caíram também cerca de 50%. Isto porque, esclarece o BdP, muitas das reclamações se prendiam com o atraso na regularização da situação dos clientes na CRC. O BdP esclarece que, em conjunto com as instituições, foram traçadas algumas estratégias para conseguir agilizar essa atualização, o que se refletiu numa redução efetiva das situações reportadas.No mesmo sentido, o supervisor acredita que a alteração da legislação relativa à informação pré-contratual e contratual nos créditos à habitação e cartões de crédito ajudou a que o número de reclamações também caísse porque, efetivamente, houve problemas que deixaram de acontecer.Fraude bancária cai, reclamações com depósitos sobeO Banco de Portugal dá ainda conta de que as fraudes bancárias escorregaram 31,91% em 2024, face ao ano anterior, na sequência dos esforços “significativos no sentido de assegurar um reforço dos mecanismos de autenticação de operações realizadas remotamente pelos clientes bancários”, lê-se no Relatório. Isto porque a maioria das fraudes acontece no acesso às plataformas digitais das instituições, que foram aconselhadas a usar autenticações fortes – como seja a de dois fatores – para garantir mais segurança aos clientes.As contas e depósito à ordem continuam a ser o principal alvo de reclamações por parte dos clientes, nomeadamente no que tem que ver com movimentações de conta, denúncias ou resoluções de contrato e acessos a produtos e serviço e nestes houve até um ligeiro aumento: 3,4%. Em particular, as reclamações relacionadas com a abertura e encerramento de conta, alteração de titularidade e a prestação informação contratual e pré-contratual. “É expectável assistir a um decréscimo do número de reclamações apresentadas nesta sede, em 2025, por força das medidas adotadas pelo Banco de Portugal, nomeadamente o esforço de clarificação dos regimes legais e regulamentares aplicáveis, mas também pela intervenção mais preventiva, focada na correção dos procedimentos internos das instituições, para mitigar a probabilidade de novas ocorrências”, diz o regulador.O BdP garante que está a tentar, internamente e junto das instituições que supervisiona, transformar a comunicação, para que esta se possa tornar cada vez mais clara, transparente e acessível aos clientes.Entre as instituições com mais reclamações por parte dos clientes, sobressaem o Banco CTT – créditos à habitação; o Younited, no que se prende com crédito aos consumidores e o BAI Europa no que concerne às contas de depósito à ordem. O facto de estas instituições serem, ao longo dos anos, das que mais recebem reclamações, uma tendência que parece não conseguir inverter-se, não preocupa particularmente o Banco de Portugal, que explica que esta evolução pode acontecer por várias razões: por uma questão de quota de mercado – ou seja, quem tem mais créditos também é mais passível de receber mais reclamações; e também porque nem sempre as reclamações são repetidas. Ou seja, a instituição liderada por Mário Centeno afasta um cenário de não funcionamento das inspeções e ações que intenta regularmente.Bem pelo contrário, aliás. O BdP acredita que a quebra das reclamações – e também das infrações efetivamente registadas – se prende com a atuação cada vez mais holística e focada na prevenção que a instituição tem adotado, sobretudo nos últimos dois anos. O supervisor revela que alterou alguns procedimentos e que tenta agora resolver as questões mais passíveis de criar entropia com as instituições, a montante da existência do problema. Ou seja, diz a instituição que tentou perceber o que estava na génese de alguns dos mais comuns problemas que repetidamente eram identificados e que, essa análise mais aprofundada e estruturada permite uma melhor e mais eficiente intervenção.Nota ainda o supervisor que, não raras vezes, as infrações registadas resultavam de falhas na interpretação da lei, ou de áreas em que a própria legalidade ficava muito sujeita a interpretações pela inexistência de diretivas claras. Assim, foram também reforçadas as ações de comunicação junto das instituições, através de inspeções e também de cartas-circulares que pretendem ajudar às boas-práticas do setor. E que, não sendo comunicações normativas, têm, afirma o BdP, resultado naquilo que é a alteração de comportamento das instituições, o que se reflete nestes indicadores melhorados, agora divulgados no Relatório.Intermediários de CréditoO crescimento dos intermediários de crédito tem estado na mira do Banco de Portugal que passou a integrar no seu espetro de supervisão este sub-setor de atividade. Havia, no final de 2024, em Portugal, 5893 intermediários de crédito registados do BdP, mais 1,2% que no ano anterior. Foram revogadas as autorizações a 136 operadores, por falta de cumprimento dos requisitos de acesso à atividade.Em cima da mesa está também uma proposta de alteração legislativa a ser apresentada pelo Banco de Portugal – assim que houver Executivo. Isto porque o regime jurídico que enquadra a atividade é de 2017. E, segundo o documento do Banco de Portugal, das 298 inspeções levadas a cabo em instituições de intermediação de crédito, 280 detetaram irregularidades. No mesmo sentido, foram instaurados 419 processos de contradordenação a 417 entidades. Entre as maiores peocupações estão as ações de publicidade feitas por estas insituições. “A ausência dos elementos informativos exigidos, tais como, como a categoria de intermediário de crédito, os serviços autorizados ou os mutuantes com quem tem contrato de vinculação” são das violações mais recorrentes, bem como “a apresentação da informação obrigatória em condições que não asseguram a sua legibilidade” ou “a utilização de expressões suscetíveis de criar confusão entre a prestação de serviços de intermediação de crédito e a atividade de concessão de crédito”.O BdP admite, porém, que muitas das infrações se deveram a desconhecimento da legislação e diz que está empenhado em adotar mais medidas que ajudem a, em conjunto com os operadores, conseguir aumentar a transparência do setor e a relação destes com os clientes. No mesmo sentido, quer continuar a apostar na formação e informação junto das instituições bancárias precisamente para aumentar a clareza da comunicação para com os clientes.Quanto aos chamados finfluencers, ou seja, os influenciadores digitais que cada vez mais falam de finanças, incorrendo muitas vezes em informação incorreta, o supervisor não se manifesta, uma vez que não estará dentro do seu escopo de atuação e que não há muita margem de atuação em termos legislativos. No entanto, sabe o Dinheiro Vivo, a instituição olha com preocupação para o problema e está a estudar de que forma pode tentar mitigar os efeitos que, muitas vezes, esta comunicação menos correta tem na vida dos consumidores.