O setor social é um dos que mais está a ser prejudicado com os atrasos do Estado no pagamento do reembolso dos investimentos feitos ao abrigo do PRR (Programa de Recuperação e Resiliência) e também no reembolso do IVA, devido aos investimentos sociais isentos ou com taxa reduzida.De norte a sul, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) queixam-se já de sérios problemas de tesouraria gerados por estes atrasos que chegaram a superar dois anos. Em causa estão entidades sem fins lucrativos, como misericórdias e centros sociais, com valências em áreas da infância e da terceira idade, entre outras, que nunca têm muito dinheiro disponível e cuja demora dos reembolsos tem um impacto muito negativo. O premiado Centro Social Vale do Homem, em Braga, é um desses exemplos. “Estivemos 18 meses à espera da comparticipação de uma obra”, disse o presidente do CSVH, Jorge Pereira, ao DN. Mas o reembolso respeitante ao IVA ainda não chegou e são 6% de 2 milhões de euros, acusa o responsável, que diz ter faturas por pagar desde novembro de 2022. Por pagar está igualmente o reembolso relativo ao investimento de 2,3 milhões de euros feito na construção e equipamento do Clube dos Pequenos, uma creche inovadora com horário alargado e serviço de baby sitting que funciona sete dias por semana. Este projeto, inaugurado em Janeiro, tem prevista uma comparticipação de 800 mil euros do PRR, e aguarda um reembolso de 500 mil euros em IVA. “Estamos há quatro meses à espera que a plataforma da Autoridade Tributária valide as faturas para irem a pagamento”, diz o empreendedor social. Ao que tudo indica é aqui que reside o problema. A instituição admite estar a ter problemas de tesouraria. “Vemo-nos obrigados a usar contas caucionadas ou a recorrer ao crédito bancário, com custos acrescidos”, diz.O problema, garante o presidente do CSVH, é partilhado por várias instituições congéneres. Estima-se que cerca de mil entidades estejam a sofrer do mesmo problema, havendo quem já quem tenha aberto um processo judicial contra a Autoridade Tributária. O veredito é confirmado pelo presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, que, em declarações ao DN, admitiu dificuldades nos reembolsos do PRR. “Aqui há uns meses todas se queixavam, mas parece que no último mês na região de Lisboa já terão começado a receber algumas”, disse Manuel Lemos.Já na zona Norte, Jorge Pereira mantém que o panorama de atraso no reembolso do IVA é geral: “nem um cêntimo foi pago”. “Ninguém responde: da comissão de acompanhamento dizem que é com as Finanças, outros que é com a segurança social”.O asssunto também suscitou a intervenção do PS, num requerimento recente à Assembleia da República, referindo a existência de “cerca de mil instituições do setor social que aguardam há meses ser ressarcidas das quantias em dívida por parte da Segurança Social, nomeadamente no que respeita às candidaturas aprovadas relativas às viaturas elétricas”. A mesma ausência de esclarecimento comprovou o DN nas tentativas de contacto com os gabinetes de imprensa da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e do Ministério das Finanças, com pedidos de informação pendentes. A entidade responsável pelo acompanhamento do PRR não respondeu às questões sobre as razões do atraso e remeteu as relativas às IPSS para a Segurança Social. Este ministério não respondeu e as Finanças também não se pronunciaram formalmente sobre o motivo dos atrasos. Ao DN, a assessoria de imprensa das Finanças disse que “as questões devem ser colocadas à estrutura de missão, visto que à AT só compete confirmar os dados relativos aos montantes a transferir, mas quem faz o pagamento é a estrutura de missão”.Em causa estará, entre outras possíveis causas, um problema com a plataforma eletrónica para a submissão de pedidos de pagamento, que não é inédito, segundo os promotores de projetos financiados pelo PRR. O primeiro passo tem início com esta plataforma da Autoridade Tributária, que tem de validar as faturas para posteriormente a Segurança Social aceitar o pagamento. Mas quando a plataforma deteta um problema, esta já não permite a submissão de mais faturas.