Vacinas atrasadas são um barril de pólvora social e potenciam falências
Os atrasos na entrega de vacinas podem estar a formar verdadeiros barris de pólvora, que arriscam destruir o tecido social e a retoma das economias, inclusivamente as mais desenvolvidas, alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI), que vê riscos negativos muito ameaçadores. Mais desemprego, desigualdades, falências e revolta social.
Ontem, na atualização do panorama económico mundial (edição intercalar do seu outlook), o FMI tocou vários alarmes.
Apesar de o seu cenário base para 2021 ser uma retoma (mais forte nos EUA do que na zona euro, por exemplo), disse que a incerteza que paira sobre as várias economias é "tremenda" e que a retoma, mesmo que aconteça, será muito desigual consoante os países e as regiões, mesmo dentro de espaços como a zona euro, observou Gita Gopinath, a economista-chefe do FMI.
Economias baseadas em turismo enfrentam tempos "particularmente difíceis", referiu. É muito o caso de Portugal.
No novo outlook, a instituição enumera riscos positivos, claro, que radicam no sucesso das vacinas e no regresso gradual à normalidade. Mas o FMI diz que tem mais dúvidas do que certezas.
Do lado das ameaças, dos riscos negativos, o Fundo diz que o crescimento pode ser mais fraco "se os surtos de vírus (incluindo de novas variantes) se mostrarem difíceis de conter".
Neste cenário, "infeções e mortes aumentam rapidamente antes que as vacinas estejam amplamente disponíveis". Além disso, a repetição de novas vagas da pandemia vai requerer "mais distanciamento voluntário ou confinamentos mais fortes do que os previstos".
Este "progresso mais lento" nos tratamentos contra o vírus "pode diminuir a esperança de uma saída relativamente rápida da pandemia e enfraquecer a confiança" dos agentes económicos.
O FMI alerta "especificamente" para "atrasos no lançamento" ou no fornecimento das vacinas, para um clima de "hesitação generalizada que pode dificultar a aceitação da vacina", ou para o risco de as vacinas poderem dar "imunidades mais curtas do que o previsto".
Neste cenário, o FMI teme "a intensificação da agitação social, devido ao aumento das desigualdades [sociais] e ao acesso desigual a vacinas e tratamentos". Isto "pode complicar ainda mais a recuperação".
Além disso, se os governos tiram apoios de política antes do tempo, antes que a retoma esteja enraizada, "as falências de empresas viáveis, mas sem liquidez, podem aumentar, levando a mais destruição de emprego e de rendimentos".
Saída da zona euro desta crise é incerta e se acontecer será a mais fraca de sempre
De resto, mesmo no cenário de base, em que os riscos não são nem muito bons, nem muito maus, a zona euro regista uma das piores saídas de sempre da recessão. Depois de uma quebra de 7,2% em 2020, a área da moeda única só repõe de forma parcial os estragos este ano: recupera 4,2%, menos do que se previa em outubro (5,2%).
A nível mundial, a economia caiu numa recessão histórica em 2020, mas a situação acabou por ser menos má face ao que se julgava, afirmou ontem o FMI.
"Os exportadores de petróleo e as economias baseadas no turismo enfrentam perspetivas particularmente difíceis, considerando uma esperada lenta normalização das viagens internacionais e as perspetivas moderadas para os preços do petróleo", alerta o FMI. Portugal é considerado um país muito dependente do turismo.
Na atualização do panorama económico mundial, a recessão global de 2020 acabou por ser 0,9 pontos percentuais mais suave do que se esperava em outubro. Acabou por decair 3,5%. "As recuperações foram mais fortes em várias regiões durante o segundo semestre", diz o FMI.
Foi o caso de Portugal, onde o embate foi menor porque o verão até correu razoavelmente bem. Houve alguma recuperação no turismo, por exemplo.
A contração do produto interno bruto (PIB) da zona euro ficou em 7,2% em 2020, a quebra dos Estados Unidos foi metade disso, cerca de 3,4%.
2021 mais difícil na zona euro do que se antecipava em outubro
Os EUA devem crescer mais 2 pontos percentuais, atingindo uma expansão de 5,1%. A zona euro leva um corte de 1 ponto na taxa prevista de crescimento, avançando 4,2%. Fica curto, tendo em conta a pesada recessão do ano passado.
As quatro grandes economias europeias são afetadas, especialmente Itália e Espanha. A revisão em baixa da zona euro em 2021 "reflete o abrandamento observado na atividade no final de 2020, que deve continuar no início de 2021 num contexto de aumento de infeções e de novos confinamentos", observa o FMI.
Atrasos nas vacinas já são uma realidade
A AstraZeneca está em guerra aberta com a Europa (Comissão Europeia), com Bruxelas a acusar a farmacêutica de não estar a cumprir o contrato. A AstraZeneca diz que não vai conseguir entregar as doses combinadas de vacinas contra a covid-19.
A Pfizer, outro dos fornecedores, também está a entregar menos doses que o planeado, o que estará a travar o ritmo da vacinação na Europa.
Em cima disto, as mutações do coronavírus. Já há pelo menos três variantes a circular.