Tribunal de Contas Europeu vem a Portugal preocupado com "escassez" na produção de lítio
A produção de baterias elétricas para o setor automóvel e outras formas de mobilidade baseadas nesta tecnologia recebeu nos últimos anos um "financiamento público significativo" e vai continuar a receber, mas o Tribunal de Contas Europeu (TCE), numa nota divulgada esta semana, diz que tem dúvidas sobre se este dinheiro todo produzirá os efeitos inovadores sustentáveis desejados e profusamente anunciados pelos políticos europeus.
O Tribunal europeu diz a Europa tem quase 2 mil milhões de euros em apoios para esta indústria. Mas, em Portugal, campeão no volume de reservas de lítio, os grande projetos estão parados em tribunal e enfrentam forte oposição das populações e do poder local, por exemplo.
Assim, não menos importante, os juízes têm muitas dúvidas sobre se existe acesso e capacidade de exploração de lítio e outros metais necessários em quantidade suficiente para fazer tantas baterias (e veículos elétricos) como se promete e prevê atualmente.
Temem a "escassez" destes recursos sem os quais, dizem, todo o megaplano europeu pode cair por terra ou ficar dependente da disponibilidade desses metais fora da Europa.
Com tantos receios todos no dossiê, os juízes do TCE revelaram, na terça-feira, que vão enviar uma missão a Portugal e a outros países europeus com reservas de lítio e projetos relevantes na área para avaliar o estado da situação.
E, ato contínuo, tentar sensibilizar, políticos, populações e a sociedade civil sobre a importância destes recursos e destas indústrias para o futuro da Europa.
O caso delicado de Portugal
Recorde-se que Portugal tem das maiores reservas conhecidas de lítio do mundo (oitavas maiores do globo, segundo algumas fontes do mercado, e maiores da Europa, segundo o TCE), mas levanta problema e riscos ambientais, de destruição da natureza, contaminação de águas, de inviabilização de atividades como turismo e agricultura.
O potencial económico do lítio levou a várias iniciativas concretas para tentar licenciar e avançar com projetos de mineração.
Problema: esses avanços do governo nos estudos de impacto ambiental e na concessão de licenças e de várias empresas internacionais e nacionais (como a Galp) embateram numa forte resistência e contestação por parte das comunidades locais de várias regiões no interior do país (veja-se o caso de Trás-os-Montes, onde estão localizadas algumas das maiores reservas do metal).
Entretanto, por causa do potencial destrutivo e ambiental, várias providências cautelares deram entrada nos tribunais nacionais no sentido de parar os planos de exploração do mineral. Muitas estão, de facto, paradas. Por isso, Portugal produz pouco lítio, quase nada, tendo em conta a grande dimensão das reservas conhecidas.
Tribunal Europeu preocupado
O TCE diz que está preocupado com tudo isto e revelou agora que vai fazer uma grande auditoria ao uso de um valor assinalável em fundos públicos para investir em lítio, baterias e carros elétricos e tentar, claro, perceber se esses gastos financiados pelos contribuintes estão a dar resultados à altura.
O caso de Portugal vai ser especialmente tido em conta, como referido. "O TCE vai visitar a Alemanha, Espanha, França, Polónia, Suécia (países que estão a executar os projetos relacionados com baterias que receberam os maiores financiamentos da UE) e Portugal (o país da Europa com as maiores reservas conhecidas de lítio)", revela a instituição.
Como referido, o coletivo de juízes sediado no Luxemburgo tem, por exemplo, sérias dúvidas sobre se há lítio e outros metais relacionados em quantidades suficientes na mão dos europeus para gerar o "boom" que está a ser prometido na produção de baterias elétricas (para tornar a Europa no segundo maior produtor do mundo, a seguir à China, daqui a três anos, em 2025) e assim emancipar a União Europeia da dependência energética face a geografias problemáticas.
Este repto tornou-se mais evidente e agudo nos últimos dois meses na sequência da guerra da Rússia contra a Ucrânia, que pôs a nu a elevada fragilidade e dependência da Europa (sobretudo da Alemanha e vários países do leste europeu) relativamente ao gás e petróleo russos.
"O esforço da Europa para se tornar uma grande produtora mundial de baterias vai estar sob a lupa do Tribunal de Contas Europeu", diz fonte oficial.
Assim, o TCE iniciou "uma auditoria para descobrir se a Comissão Europeia tem sido eficaz a desenvolver o processo de produção de baterias na União Europeia (UE) para o tornar sustentável e competitivo a nível mundial".
"A auditoria vai também esclarecer se o financiamento da UE permitiu aos projetos apoiados nos Estados-membros obterem bons resultados", isto numa altura em que o discurso oficial político e da indústria europeia "prevê um rápido aumento da produção de baterias na UE até 2025, que a tornará o segundo maior produtor mundial, atrás da China."
Um projeto ambicioso para tão pouco lítio
O TCE recorda que "para alcançar a neutralidade climática até 2050, a Comissão apontou o desenvolvimento e a produção sustentável de baterias como um imperativo estratégico da UE", "concedeu um financiamento significativo a este domínio e prevê mantê-lo no futuro".
Além disso, "estima-se que, em 2025, a produção europeia de baterias seja quase dez vezes maior do que em 2020", que possa criar "800 mil postos de trabalho" e gerar valor acrescentado de "250 mil milhões de euros por ano".
Ora, uma expansão tão rápida assim "deve-se sobretudo ao aumento da procura de veículos elétricos", observa o TCE. Mas para a alcançar, "a UE terá de obter um acesso estável a matérias-primas".
Os juízes aceitam que "a Comissão tentou diminuir estes riscos, concentrando-se na obtenção sustentável de matérias-primas, na diversificação do abastecimento e na resiliência do processo de produção".
Para isso, "entre 2014 e 2020, a União concedeu pelo menos 1,25 mil milhões de euros em subsídios a projetos relacionados com baterias e outros 500 milhões de euros em garantias de empréstimos".
"O Horizonte Europa, o principal programa de investigação e inovação da UE, reservou 925 milhões de euros neste domínio para o período de 2021-2027. Alguns planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR) incluem também objetivos e metas relacionados com baterias", observa o coletivo de juízes baseado no Luxemburgo.
Não é o caso do PRR português, que é omisso a apoios à investigação ou à produção de baterias com base em lítio.
"O aumento da produção sustentável de baterias na União vai facilitar a sua transição para uma energia limpa", que "é essencial para a competitividade da indústria automóvel e para reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros", mas há coisas que parecem não bater certo, sinaliza ainda o TCE.
O Tribunal diz que os objetivos tão ambiciosos anunciados pelos políticos na produção de baterias elétricas, fabrico e comercialização de veículos automóveis e correspondente criação de riqueza e de empregos parecem não bater totalmente certo com alguns aspetos.
Escassez de lítio, cobalto e níquel made in Europa
Primeiro, o TCE nota que, para obter esse sucesso, "a UE terá de obter um acesso estável a matérias-primas". No entanto, o que se sabe hoje é que "materiais essenciais como o lítio, o cobalto e o níquel não são produzidos em quantidades suficientes na União para cobrir esse aumento esperado da procura futura" por carros e baterias do futuro.
Ou seja, existe mesmo "um risco de escassez [desses metais raros], agravado pela guerra na Ucrânia, que também vai afetar a produção de baterias da UE e a sua autonomia estratégica".
"As baterias são muito importantes para que a UE seja um grande ator industrial e líder na transição para uma energia limpa. Também são relevantes para a sua autonomia estratégica", defendeu Annemie Turtelboom, membro do TCE responsável pela auditoria.
"Vamos avaliar se a UE está a promover um boom de baterias na Europa e um processo de produção competitivo e sustentável", insistiu a conselheira.