Só em maio haverá reforço dos apoios sociais

Diplomas que o governo quer travar entram hoje em vigor. Constitucional deve dar razão a António Costa na violação da lei-travão.
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O reforço dos apoios sociais aos trabalhadores independentes e sócios-gerentes só vai ser pago em maio e não este mês, apesar de o prazo das candidaturas relativas a março só terminar no dia 12, ou seja, na próxima segunda-feira.

"A Segurança Social vai implementar estas alterações, com a consequente adaptação do sistema informático, o que implicará mudanças estruturais. Estas mudanças terão impacto no mês de referência de abril, que é pago em maio", referiu fonte oficial do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) em resposta ao Dinheiro Vivo.

Os pedidos referentes a março já estão a decorrer e os diplomas só entram em vigor hoje, depois de publicados em Diário da República e, portanto, aplicam-se as regras de março. Em causa está o apoio à redução de atividade de trabalhadores independentes e sócios-gerentes que, com as alterações à fórmula de cálculo, passa a considerar o rendimento médio mensualizado de 2019 e não o do ano passado, quando já o país estava em plena pandemia, e os rendimentos em princípio mais baixos. O governo estima uma despesa adicional de cerca de 40 milhões por mês.

O deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro, um dos autores das alterações, rejeita esta explicação que já tinha sido sinalizada pela ministra Ana Mendes Godinho na audição parlamentar na terça-feira. "Se o pagamento de abril for feito com as regras antigas, em maio pode fazer o acerto com retroativos dos dias do mês anterior", sugere o dirigente bloquista.

Mas o deputado BE vê outro risco ao adiar a aplicação da lei. "A haver este atraso, o reforço dos apoios só se aplicaria aos trabalhadores com atividades suspensas: turismo, cultura e eventos, por exemplo", lembrando que as próximas fases do desconfinamento avançam a partir do dia 19 deste mês: restaurantes e cafés com clientes no interior, lojas e centros comerciais abertos, cinemas, teatros, entre outras atividades.

Há outra dúvida que ainda está por esclarecer relacionada com as atividades parcialmente suspensas, faltando saber se podem aplicar-se as regras do lay-off simplificado.
Sem devolução

Na resposta ao Dinheiro Vivo, o MTSSS garante que a "Segurança Social aplicará a legislação aprovada pelo parlamento nos exatos termos em que foi aprovada", mas o governo vai tentar travar os diplomas com o pedido de fiscalização sucessiva junto do Tribunal Constitucional (TC).

O primeiro-ministro aponta a violação da lei-travão que impede os deputados de aumentarem a despesa ou reduzirem a receita em plena execução orçamental e o pedido ao TC deve ser bem-sucedido. "A lei-travão tal como está prevista é cega sobre se há folga orçamental e impede qualquer iniciativa que tenha como objetivo a redução da receita ou o aumento da despesa e acho que deve aplicar-se tal como está em vigor", defende a especialista em finanças públicas e direito constitucional, Maria d"Oliveira Martins. Esta norma constitucional pretende ser também um travão contra populismos. "O objetivo é evitar défices inesperados que terão de ser cobertos com dívida porque não ficou prevista receita e travar qualquer excesso populista. É uma tentação ser popular prejudicando as finanças públicas", sublinha a professora da Universidade Católica.

Quanto ao risco de os beneficiários terem de devolver o montante recebido, Maria d"Oliveira Martins acredita que tal não vai acontecer: "A Constituição prevê um mecanismo de limitação de efeitos de inconstitucionalidade e sendo feito o uso deste mecanismo permite ao TC salvaguardar a situação de quem já recebeu os apoios sociais. Baseado no quem tem sido o entendimento é expectável que queira fazer uso desta faculdade", diz.

Esta especialista acrescenta ainda que "o que está em causa é a segurança jurídica dos cidadãos que confiam no apoio que lhes é legalmente concedido e vão orientando a sua vida em função do que recebem", sublinha.

Esta especialista acrescenta ainda que "o que está em causa é a segurança jurídica dos cidadãos que confiam no apoio que lhes é legalmente concedido e vão orientando a sua vida em função do que recebem", sublinha.

Além do apoio extraordinário à redução da atividade económica dos trabalhadores, os deputados também aprovaram outras alterações com efeitos orçamentais. No caso do apoio excecional à família, está em causa alargar o direito ao apoio criado para os pais com filhos menores de 12 anos durante o encerramento das escolas e aumentar o valor para os trabalhadores independentes.

Mas com a reaberturas das escolas esta alteração deixa de ter efeitos para já, podendo aplicar-se caso haja um retrocesso no plano de desconfinamento. No terceiro caso, o diploma aprovado pelos deputados pretende reforçar o poder dos hospitais na contratação de pessoal e na gestão mais flexível de horários, podendo trabalhar 42 horas em vez das 35 horas semanais, recebendo mais 37% da remuneração base. Esta possibilidade já estava prevista no caso dos assistentes e enfermeiros, mas é alargada aos técnicos superiores nas áreas de diagnóstico e terapêutica, aos técnicos superiores de saúde, aos assistentes técnicos e aos assistentes operacionais.

Lei-travão. Já existe desde o século XIX, do tempo da monarquia constitucional no reinado de D. Luís I e foi importada para a atual Constituição em 1976. "A primeira vez que surgiu foi em 1870 e depois foram aprovadas várias leis com o objetivo de travar as iniciativas parlamentares ao arrepio do que era a execução orçamental", refere Maria d"Oliveira Martins. Trata-se de "uma inibição de iniciativas legislativas que atrapalham a execução", sublinha.

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