O quadro legislativo que regula atualmente os contratos de arrendamento anteriores a 1990 "é um novelo que não se consegue desenrolar". A expressão é de António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), que está a aconselhar os associados a aguardar que o Ministério da Habitação clarifique os critérios para o aumento das designadas rendas antigas e as compensações aos senhorios por mais de dez anos de congelamento de rendas. O gabinete liderado por Marina Gonçalves já confirmou que estes 151 620 contratos podem ser alvo de uma atualização de 6,94% no próximo ano, coeficiente que corresponde à inflação média dos últimos 12 meses, sem habitação, registada em agosto. Mas os senhorios consideram o valor insuficiente e dizem que a legislação tem contradições. Na semana passada, a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) enviou um ofício ao ministério a pedir esclarecimentos, mas ainda não teve resposta, adiantou Diana Ralha, diretora da ALP..O tempo urge. Até ao fim de novembro, os senhorios têm de enviar uma carta aos inquilinos a notificar o valor do aumento em 2024. A principal dúvida prende-se com o articulado legislativo que emanou do programa Mais Habitação e em particular o artigo 35. A Lei n.º 56/2023, que aprova um conjunto de medidas no âmbito da habitação e procede a diversas alterações legislativas, diz logo no capítulo inicial que procede "à definição de mecanismos de proteção dos inquilinos com contratos de arrendamento anteriores a 1990 e à garantia da justa compensação do senhorio". No artigo 35, determina que se proceda "à definição das medidas fiscais, incluindo isenção de IRS e de IMI, dos montantes e dos limites da compensação a atribuir ao senhorio e da renda a fixar para o arrendatário a aplicar a partir de 2024"..Como lembram os senhorios, as compensações deveriam emanar das conclusões do relatório sobre o mercado das rendas antigas, pedido no ano passado pelo Governo que, entre outras matérias, visava identificar o número de contratos existentes e quantos desses inquilinos viviam em condições de carência económica. O estudo, que deveria ter sido concluído em março, mas que foi alvo de uma prorrogação por mais dois meses, ainda não é conhecido. Segundo Diana Ralha, o Ministério da Habitação chegou a ter em mãos uma primeira versão, mas "não estava capaz". "O relatório está em modo secreto", ironiza por sua vez António Frias Marques..Os proprietários não estão dispostos a esquecer o congelamento em mais de uma década destas rendas e exigem compensações. Como sublinha Diana Ralha, estes contratos podem ser atualizados pelo coeficiente apurado pelo Instituto Nacional de Estatística, mas "que não seja só pelos 6,94%. Estamos a falar de rendas de 20 e 50 euros, de mais de 150 mil casas, 16% do mercado de arrendamento. Os senhorios não são a Santa Casa da Misericórdia. Ficou estabelecido que iriam ser compensados". A responsável lembra ainda que estes contratos convivem com rendas de mais de mil euros. "É um mercado dual", afirma..A ALP questionou a tutela se no caso de avançarem com o aumento definido por lei seriam impedidos de fazer qualquer outra atualização no decorrer de 2024, como prevê o artigo 35 da lei Mais Habitação. António Frias Marques admite também que "as normas não são claras" e, por isso, "estamos a aconselhar os associados a aguardar pela clarificação para não darmos passos em falso. Recomendamos que se inibam de aplicar o coeficiente". Segundo fonte oficial do Ministério da Habitação, o estudo está concluído, mas não vai ser divulgado, estando para breve a apresentação das medidas de compensação aos senhorios..Os proprietários defendem que estas rendas devem ser atualizadas em 1/15 avos do valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel, como ficou estabelecido no Novo Regime de Arrendamento Urbano. António Frias Marques dá um exemplo: "Num imóvel com um VPT de 100 mil euros, a renda anual pode ir até 6700 euros, cerca de 560 euros por mês". Na sua opinião, "é uma renda justa. Só com estes valores se pode aplicar o coeficiente". Como sublinha, "há cerca de 200 mil casas com rendas inferiores a 150 euros. Isso não é sequer o valor atual de um quarto". O responsável lembra que para situações de arrendatários com carência económica estava prevista a criação de um subsídio de renda. Este apoio nunca saiu do papel. Diana Ralha aponta ainda que o valor das rendas no programa de arrendamento acessível lançado pelo Governo é bem superior ao dos contratos anteriores a 1990. "Os proprietários estão a substituir o Estado", diz..Sónia Santos Pereira é jornalista do Dinheiro Vivo