Sem "justa causa" CEO da TAP poderá levar mais de 1,5 milhões de euros

Advogados defendem que a destituição por justa causa do governo "origina a cessação imediata do mandato sem direito a qualquer indemnização". Mas argumento pode não se provar.
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A viagem de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja a bordo da TAP está prestes a chegar ao fim. A ordem de aterragem foi dada pelo governo, mas avizinha-se ainda alguma turbulência nos próximos tempos até que o processo esteja concluído.

Afinal, a CEO e o chairman da companhia têm direito a alguma indemnização do Estado ou vão sair de mãos a abanar? A gestora francesa irá, ou não, avançar para a Justiça? As dúvidas imperam num cenário desconhecido, em que os contratos de presidente da administração e executiva continuam em segredo. O ministro das Finanças anunciou, nesta semana, a exoneração dos dois gestores, no seguimento das conclusões da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre a polémica indemnização de meio milhão de euros paga a Alexandra Reis. "Não haverá pagamento de indemnizações", assegurou Fernando Medina, antecipando porém que "serão pagas as compensações devidas no âmbito da lei".

O advogado António Garcia Pereira, ouvido pelo DN/Dinheiro Vivo, diz que nem Christine Ourmières-Widener nem Manuel Beja são trabalhadores da TAP, estando sob o estatuto do gestor público (EGP) e, tendo os respetivos mandatos cessado por justa causa, "não há lugar a qualquer espécie de indemnização". "Seguramente não terão direito a quaisquer remunerações. A destituição fundamentada origina a cessação imediata do mandato sem o pagamento de um tostão, não há qualquer dúvida", atesta numa primeira leitura. O jurista defende que existiram "graves e repetidas violações da lei e dos estatutos da empresa", desde logo por ter mentido à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), dando conta de que Alexandra Reis saíra da TAP por iniciativa própria. Mas a opinião jurídica não é unânime.

Pedro da Quitéria Faria assume que o executivo socialista vá invocar "a violação grave por ação ou omissão da lei ou dos estatutos da empresa", uma das cláusulas do EGP que prevê demissão de gestor público. Mas admite que a CEO pode contestar a justa causa. Se os argumentos do governo caírem, poderá receber mais de 1,5 milhões, equivalente a três anos até fim do mandato. O advogado esclarece que há agora procedimentos a seguir. Depois da fundamentação e comunicação da decisão, há a audiência prévia aos gestores e só depois pode a demissão avançar.

Haverá direito a bónus?
É outra das perguntas em cima da mesa. A líder da transportadora, que assumiu funções em junho de 2021, e que aufere uma remuneração bruta anual de 504 mil euros, confirmou, em janeiro, no Parlamento, ter contratualmente direito a receber um bónus em 2025, caso o plano de reestruturação viesse a ser totalmente cumprido. O Jornal Económico avançou que este prémio poderia chegar aos três milhões de euros, mas o contrato entre governo e CEO não estaria válido, por não ter sido ratificado em assembleia-geral.

Em reação, o ministro das Infraestruturas garantiu que o Estado iria cumprir o acordado, "por ser pessoa de bem". As linhas que cosem o acordo entre as partes são dúbias, mas os advogados ouvidos pelos DN/Dinheiro Vivo apontam para a nulidade deste entendimento.

"Vejo com dificuldade que a CEO tenha direito ao bónus porque estamos no âmbito de uma demissão por justa causa. Não tendo cumprido o mandato também não acredito que tenha cumprido os objetivos para ter direito ao bónus", avança Pedro da Quitéria Faria. Garcia Pereira concorda que o acordo é nulo. "O governo não tem de pagar nada, salvo se se tiver comprometido de outra forma. Os prémios de desempenho estão normalmente condicionados ao cumprimento adequado dos objetivos e do mandato e isso não se passa aqui", refere.

Também não são conhecidas em detalhe as metas definidas neste documento, que dariam à presidente executiva um cheque de recompensa pelo cumprimento dos objetivos. Melhorar as contas da companhia será um dos fatores, mas António Garcia Pereira alerta que a análise terá de ser mais lata. "Os lucros não podem justificar as várias ações de gestão danosa da CEO, como a perda de milhões na conversão de dois aviões em cargueiros, ou os milhões pagos em indemnizações a passageiros por cancelamentos de voos, devido à má gestão", exemplifica.

CEO ameaça ir a Tribunal
No contraditório ao parecer da IGF, Ourmières-Widener garante que irá "retirar todas as consequências legais" ao "comportamento discriminatório" de que foi alvo na auditoria por ter sido a única visada a não ter sido ouvida pessoalmente. É expectável que a gestora também conteste em tribunal a exoneração por justa causa, atirando para a SRS Legal a responsabilidade da decisão referente à indemnização de Alexandra Reis, bem como ao governo.

A gestora frisou nas declarações à IGF que, "não sendo jurista", seguiu os conselhos jurídicos dos advogados da companhia e garantiu que o governo esteve sempre "ao corrente das negociações mantidas". Pedro da Quitéria Faria assume que este pode ser um dos argumentos da sua defesa, indicando que "não foi através da CEO que existiu qualquer violação grave". E frisa: "Se a justa causa for dada como não provada terão de lhe ser pagas as remunerações até ao final do seu mandato" bem como o possível bónus. António Garcia Pereira defende que a imputação de responsabilidades aos advogados não retira peso ao cumprimento das funções enquanto presidente executiva. "A responsabilidade última é sempre do gestor", aponta. Já sobre o conhecimento do governo das negociações, refere que este "não a iliba, poderá, sim, chamar mais responsáveis ao caso".

Christine Ourmières-Widener prepara-se agora para arrumar a casa e deixar a TAP nas próximas semanas, deixando o lugar vago para o sucessor, o presidente da SATA. Fonte ligada à companhia adiantou ao DN/Dinheiro Vivo que Luís Rodrigues irá iniciar funções no início de abril. Mas, ainda neste mês, serão conhecidos os resultados da transportadora. Resta saber se Christine fica até lá para dar a conhecer os lucros da companhia em 2022.

jornalista do Dinheiro Vivo

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