Portugal tem conseguido reduzir o défice público, mantendo-o, desde 2022, em níveis próximos de 0% do Produto Interno Bruto (PIB) - 0,4% no ano passado, uma meta igual para este e novo corte para 0,2% no ano que vem. No entanto, a Comissão Europeia (CE) não desarma relativamente às pressões que existem na despesa pública, sobretudo nos salários dos funcionários públicos e outros empregados da Administração Pública, como empresas do Estado..Na avaliação mais abrangente aos Programas de Estabilidade (no caso dos países da zona euro) e de convergência (fora da zona euro) relativos a 2023, Bruxelas mostra-se insatisfeita com uma suposta maior transmissão da inflação à massa salarial pública em quatro países e Portugal é um deles..A CE explica que estaria menos preocupada se Portugal não estivesse no grupo dos países "com desequilíbrios" orçamentais e num dos lugares cimeiros em termos de peso da dívida pública, que continua acima dos 100% do PIB. Segundo o Pacto de Estabilidade, cujas regras que impõem uma disciplina financeira muito estrita vão regressar em pleno no ano que vem, devia ser no máximo de 60%..Na primeira ronda de avaliações sob o chapéu do Semestre Europeu, que ocorreu em maio, o problema já tinha sido referido, mas na avaliação consolidada agora revelada, surge a comparação europeia.."A inflação elevada exerceu uma pressão que contribui para o aumento das despesas públicas em vários Estados-membros. Tal deve-se, nomeadamente, a aumentos dos salários do setor público, onde se destacam os exemplos de países como Bélgica, Polónia, Portugal e Eslováquia", diz a Comissão..O aviso tem especial peso para os países da zona euro (só a Polónia está fora), porque sobre esses recaem mais duramente as exigências de disciplina do Pacto de Estabilidade..Mas não são apenas os salários dos funcionários públicos que acompanharam a inflação. O incómodo de Bruxelas também se estende aos mais idosos e aposentados. Diz que o efeito inflação também se propagou às reformas, tendo levado a "aumentos das pensões de velhice ou de outras prestações sociais, em países como, por exemplo, Bélgica, Bulgária, Itália, Grécia, Polónia, Portugal e Espanha"..Portugal aparece nos dois grupos e a Comissão considera que "alguns destes aumentos devem-se a medidas discricionárias por parte dos governos, enquanto outros são impulsionados por canais mais automáticos, como a indexação das pensões à inflação, normalmente com um desfasamento de um ano"..Ambos os fenómenos aconteceram em Portugal. Já este ano, em abril, o governo avançou com o "aumento salarial extraordinário" dos salários públicos, atribuindo uma subida de 1% com retroativos a janeiro.."Este adicional de 1% junta-se à atualização garantida no início do ano, o que faz com que a média de aumentos da função pública passe a ser de 4,6%", diz fonte oficial do governo..Ainda nos salários, o executivo decidiu também aumentar o subsídio de alimentação dos funcionários, "tendo o seu valor subido de 5,20 euros/dia para seis euros/dia". "Este aumento acontece com efeitos retroativos a janeiro de 2023 e é uma forma de aumentar o rendimento dos trabalhadores da Administração Pública.".No caso das pensões, o governo decidiu dar "um aumento intercalar no valor de 3,57%, em vigor desde o início de julho", uma parte apenas do que está previsto na lei.."Somando este aumento intercalar com o já concretizado desde janeiro, no segundo semestre do ano, as pensões estarão atualizadas, relativamente a dezembro de 2022, ao valor que resulta da Lei de Bases da Segurança Social", disse o primeiro-ministro, António Costa, em abril, quando anunciou a medida..As regras para a atualização de pensões em 2023 "determinam que o aumento corresponde ao valor da inflação de 2022 mais o adicional do PIB acima de 2%", explica o governo..Foi o que aconteceu em 2022, no chamado primeiro momento da crise inflacionista: os preços dispararam com o início da guerra da Rússia contra a Ucrânia e insuflaram a faturação de muitos ramos da economia, levando a um aumento substancial do PIB que, agora, passado mais de um ano de conflito, se está a esvair..A economia está a aterrar e as dificuldades das famílias emergiram com força na sequência da subida muito severa das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE), por exemplo..Antes disto, no final do ano passado, o governo tinha aprovado o apoio extraordinário de 240 euros dirigido a famílias que recebem prestações mínimas ou que beneficiem da tarifa social da eletricidade, abrangendo cerca de um milhão de lares "vulneráveis", segundo o executivo..De acordo com os dados mais recentes da CE, Portugal nem tem o maior peso dos salários públicos no PIB da Europa. Mas está claramente acima da média e é por isso que a Comissão insiste nas críticas que endereça ao referido grupo de quatro países cujo orçamento para salários se mostrou mais sensível à inflação elevada..O peso da massa salarial pública portuguesa rondará atualmente os 10,2% do PIB e até está a descer face a 2021. Problema: a média da zona euro é 9,8%..Em 27 países da UE, Portugal aparece na posição 12 do ranking da CE relativo a 2023. Na UE, o maior peso salarial público é o da Dinamarca (14,5% do PIB). A Bélgica lidera na zona euro, com 12,9%. Os menores pesos da despesa com funcionários acontecem na Irlanda (5,5%) e Alemanha (7,8% do PIB)..Nas mais recentes previsões, a CE estima que o bolo salarial público da zona euro cresça 5% este ano, mas no caso de Portugal a subida anual projetada é de quase 9% em 2023, refletindo as referidas medidas que foram sendo anunciadas pelo governo de Costa e do ministro das Finanças, Fernando Medida, desde a apresentação do Orçamento do Estado (OE2023) em outubro e ao longo deste ano..No final deste ano, a Comissão calcula que Portugal deverá gastar 28 mil milhões de euros em salários públicos, mais 2,2 mil milhões do que em 2022..Mas neste novo balanço sobre os Programas de Estabilidade e a postura orçamental da zona euro, e já com os olhos postos na aplicação do Pacto de Estabilidade em 2024, a Comissão Europeia relembra que estão em vigor as recomendações do Conselho e que os países são tratados de forma "diferente" consoante "os níveis de dívida pública que apresentam"..Assim, "em 2023, os países com dívida elevada - Bélgica, Grécia, Espanha, França, Itália e Portugal -- devem assegurar uma política orçamental prudente, em especial, que limite o crescimento das despesas correntes primárias financiadas a nível nacional abaixo do crescimento do produto potencial a médio prazo", recorda a CE..Apesar do recado da CE, largas camadas da função pública continuam a reivindicar atualizações remuneratórias, de carreiras e melhores condições de trabalho, sobretudo em setores nevrálgicos como a saúde e a educação onde, dizem os sindicatos, a erosão no pessoal é grande e cada vez mais agravada pelo ritmo acelerado das aposentações. A escola pública é um dos setores mais afetados..Os dados do governo indicam que o número de funcionários público continua a manter uma tendência de subida, depois dos níveis mínimos atingidos em 2014, estava o país sob o ajustamento da troika e do governo PSD-CDS..Atualmente, a dimensão das administrações públicas atingiu o máximo de sempre em número de empregados. Segundo o último censo oficial do governo (Direção-Geral do Emprego Público), existem quase 746 mil funcionários em Portugal (primeiro trimestre deste ano), mais 0,6% do que há um ano..Leia mais em Dinheiro Vivo a sua marca de economia