Pensionistas vão perder mais de metade do salário
Cenário para 2070 é dos piores da Europa. Apenas 42,7% dos portugueses poupam para a reforma e só 13% têm planos individuais.
Quem se reformar daqui por 48 anos, em 2070, arrisca-se a perder mais de metade do seu salário na pensão que vier a receber, de acordo com um estudo conduzido pela Nova School of Business and Economics apresentado ontem durante a conferência anual da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Por exemplo, se, em 2070, um trabalhador com um ordenado de dois mil euros se aposentar só terá direito a 46% do seu último recibo de vencimento, ou seja, a 920 euros.
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As pensões atuais até estão próximas do valor do último salário recebido. Em 2019, a taxa de substituição do vencimento pela pensão era de 79%, segundo o mesmo estudo. Ou seja para um ordenado de dois mil euros, o trabalhador recebe 1580 euros de reforma. Mas daqui por 48 anos, as estimativas são bem mais negras e apontam para uma redução de 33 pontos, de 79% para 46%, a terceira maior quebra da Europa, logo atrás de Espanha e Letónia. Já o recuo da taxa de reposição na média da UE a 27 é de nove pontos entre 2022 e 2070.
No longo prazo, o Estado não conseguirá cobrir a diferença, que se irá acentuar à medida que os anos passam, entre salários e pensões. Isto significa que os descontos para a Segurança Social ou para a Caixa Geral de Aposentações, no caso dos funcionários públicos, não serão suficientes para pagar pensões equivalentes aos rendimentos dos trabalhadores. Perante estas projeções, coloca-se a questão de quanto é que os portugueses estão a poupar para as suas reformas e o panorama não é animador.
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Apenas 42,7% dos portugueses afirmam que guardam parte dos seus rendimentos para complementar a sua reforma, segundo um inquérito coordenado pela Universidade do Minho e apresentado também ontem na conferência anual da ASF. O maior incentivo para poupar para a reforma é a previsão de uma quebra nos rendimentos no futuro, com 54% dos inquiridos a indicar este motivo. 14% temem um agravamento das despesas com saúde; 12% pretendem amealhar para ter rendimento adicional para viajar ou para outras atividades de lazer; e 9% poupam para fazer face a um aumento dos custos com lares ou residências de idosos.
Analisando agora a aplicação das poupanças para as reformas, constata-se que apenas 13% dos portugueses optam por mecanismos complementares como os planos de poupança reforma (PPR). A maior parte (26%) dos inquiridos preferem investir em ações e 18% têm o dinheiro em depósitos a prazo, os quais, nos últimos anos, têm dado uma rentabilidade muito baixo por via das taxas de juro negativas. Situação que se mantém, apesar da subida vertiginosa das Euribor, porque a banca tem resistido a subir os juros nos depósitos ao contrário dos créditos.
Teixeira dos Santos defende benefícios fiscais para incentivar as empresas a criar planos de poupança para os trabalhadores.
Face à reduzida poupança para a reforma e à incapacidade do sistema público em assegurar prestações equivalentes aos salários, o antigo ministro das Finanças socialista, Fernando Teixeira dos Santos, defende a criação de planos de poupanças nas empresas para complementar a reforma dos trabalhadores. "A existência de um plano a nível empresarial, que enquadre as pessoas nesse pilar de poupança, é fundamental", afirmou o ex-governante durante a conferência anual da ASF. Para isso, sublinhou, "é preciso ver de que forma é possível gerar os melhores incentivos para que as empresas estejam predispostas para avançarem com este tipo de planos". Teixeira dos Santos notou que "há já uma perceção de que a taxa de substituição" do valor da reforma face ao último salário "não é de 100%". Porém, ressalvou que "ainda há muita gente que vive na ilusão" de que a pensão será igual ao ordenado. "Como a tendência demográfica é inescapável, a situação vai agravar-se e o fator de sustentabilidade no cálculo das pensões vai ter repercussões e isso pode ser um incentivo para que as pessoas acordem para a necessidade de pouparem mais para compensar uma pensão que será cada vez mais reduzida no decorrer do tempo", rematou.
Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo