Plastic Bank transforma lixo em dinheiro para os pobres

Dupla de canadianos criou o conceito de "plástico social": as pessoas recolhem lixo que trocam por produtos de que precisam. Empresa vende-o para marcas europeias reutilizarem
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Há cerca de cinco biliões de pedaços de plástico a boiarem nos oceanos e a maioria vem dos países mais pobres, onde não há infraestruturas de reciclagem ou de incineração. Perante este facto, David Katz e Shaun Frankson fundaram a empresa Plastic Bank para tentar resolver dois problemas de uma assentada: impedir que o plástico das lixeiras continue a chegar aos oceanos e criar um novo tipo de moeda para que populações inteiras saiam da pobreza extrema. E nada disto é caridade, porque o negócio dos empreendedores tem fins lucrativos.

"A Plastic Bank é a maior cadeia de lojas para os ultrapobres, onde tudo está disponível para vender em troca de dejetos de plástico: leite em pó, gasolina, minutos de telemóvel, wi-fi, propinas", revelou o canadiano David Katz, que esteve no evento IBM Think a explicar como a empresa usa blockchain nas suas operações. "Transferimos o valor para uma conta online e oferecemos inclusão financeira a quem nunca teve acesso a bancos", adiantou.

A empresa, que tem um staff de 25 pessoas, está focada em países onde a população é muito pobre e há enormes lixeiras ao ar livre. As primeiras lojas abriram no Haiti e nas Filipinas e há planos para a chegada à Etiópia e à Índia ainda este ano, com os olhos postos também no Brasil e na Indonésia.

Quando abre uma loja, a Plastic Bank incentiva a comunidade a recolher plástico das lixeiras e a usá-lo como moeda, trocando-o por créditos para comprar produtos ou recebendo o valor numa conta. Katz dá o exemplo de Lise Nasis, uma jovem mulher que sobreviveu ao terramoto no Haiti em 2010 mas ficou viúva com duas filhas pequenas a seu cargo. "Agora tem um rendimento fixo", aponta. Nas populações onde surge, a empresa torna--se uma espécie de centro comunitário, que incentiva à recolha de lixo em conjunto ao mesmo tempo que fornece uma solução monetária. "Dediquei a minha vida inteira a transformar plástico em moeda", afirma Katz.

Depois, vende o plástico recolhido a grandes marcas, quase todas europeias, que o reutilizam para os mais variados fins. Dois dos maiores clientes da Plastic Bank são a britânica Marks & Spencer e a alemã Henkel. "É na Europa que parece estar o poder de compra para os materiais que recolhemos", disse Katz ao DN. "Estamos mais envolvidos com empresas europeias do que com quaisquer outras. Vemos a Europa a liderar o caminho da sustentabilidade, o que é algo impulsionado pelos próprios europeus, que valorizam as marcas que reutilizam plástico", acrescentou.

Esta procura é muito forte em países como a Alemanha, pelo que a Plastic Bank abriu recentemente em Berlim o seu primeiro escritório europeu. Embora a recolha do plástico esteja focada em países emergentes, o consumo dos produtos que reutilizam esse plástico acontece nos mercados desenvolvidos. "A melhor forma de as pessoas se envolverem é exigirem às empresas que usem plástico social", afirma Katz. "Plástico social" é a certificação dada pela Plastic Bank a todo o lixo plástico que resulta em compensação económica para quem o recolhe e é posteriormente vendido a grandes empresas. A etiqueta pretende ajudar a guiar os consumidores que quiserem optar por marcas que incluem este tipo de plásticos nas suas embalagens, por exemplo.

A empresa tem uma aplicação e está neste momento a construir um índice de produtos que usam plástico social para guiar os consumidores de todo o mundo. "Digam às marcas que devem tomar conhecimento disto e usar materiais extraídos de lixo recolhido", pede Katz. "Sejam embaixadores."

O modelo de negócio da empresa introduz uma dinâmica que até agora não foi seguida pela maioria dos ativistas ambientais, focados na limpeza de praias e mares. Para Katz, esta abordagem não tem futuro. "Mesmo que todos os programas de limpeza e reciclagem tenham 100% de sucesso, será demasiado tarde", argumenta o empreendedor, sublinhando que o plástico já contaminou a nossa cadeia alimentar e é um dos grandes responsáveis pela extinção em massa de espécies marítimas.

"A última coisa que o mundo devia estar a fazer agora era a limpar os oceanos", declara, de forma mais ou menos provocadora. "É a mesma coisa que chegar a casa com uma fuga de água e pegar em baldes. Que tal se fechássemos a água?"

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