O pedido de reunião chegou por e-mail um ano antes do fim do contrato. Mas a distância estava longe de aliviar o novo fardo que Luís seria chamado a pagar. A renda de 632 euros cobrada desde 2014 por um apartamento T1 no centro de Lisboa tinha os dias contados. Novo valor: 800 euros. "Aquele período de um ano serviu para procurar um novo local para arrendar e até ponderar comprar uma casa. Dezenas de casas vistas e propostas feitas, não consegui reunir condições para a compra e acabei por ter de aceitar a nova renda", conta ao DN/Dinheiro Vivo..O caso está longe de ser inédito. Há arrendatários a serem confrontados com aumentos exponenciais, especialmente nas grandes áreas urbanas. E em Lisboa, conta Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, as rendas chegam a duplicar e triplicar de valor assim que os contratos terminam.."Há pessoas que pagavam rendas de 200 e 300 euros e agora estão a ser confrontadas com valores de 600 e 700 euros", referiu o representante ao DN/Dinheiro Vivo, lembrando que "não é só duplicar, há rendas neste momento a triplicar de valor no centro", muito à boleia do boom imobiliário e da pressão turística cada vez maior..As proporções podem escalar nos próximos dois anos, quando o período de transição do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) terminar, realça. Inicialmente, o travão à subida das rendas vigorou por cinco anos, de 2012 a 2017; no ano passado, um adiamento por mais três anos voltou a amparar os arrendatários até 2020 (e os arrendatários com mais de 65 anos ou com deficiência até 2022. "Mas, terminado o período transitório, o valor da renda a apurar será igual a 1/15 avos do valor patrimonial do imóvel. Uma renda que hoje está em 120 euros pode passar para 500 ou 600 euros à vontade", realça..As contas são fáceis de fazer: um imóvel com um valor patrimonial tributário (VPT) de cem mil euros pode ir até um máximo de 6700 euros de renda anual, o que coloca o valor mensal a pagar ao proprietário próximo dos 560 euros, realça..Quantos contratos estão em causa? "Neste momento serão um pouco mais de cem mil", admite Romão Lavadinho, lembrando que "a maioria destas pessoas é de idade avançada"..António Frias Marques, da Associação Nacional de Proprietários, admite que o fim do período de transição pode realmente levar a um aumento das rendas, mas realça que "a maioria destes inquilinos tem mais de 65 anos e rendimentos baixos [menos de cinco salários mínimos brutos] que a lei protege"..Não há, no entanto, números certos sobre quantas pessoas podem ser confrontadas com a subida - em 2012 eram 250 mil -, tal como também não existem dados sobre o número de despejos ou "convites" à saída de proprietários. Ainda assim, Romão Lavadinho diz que "a nível nacional a situação é grave porque, à medida que os contratos vão chegando ao fim, os proprietários ou aumentam a renda ou rescindem os contratos"..Em Lisboa, a câmara municipal está atenta ao fenómeno, que, em várias freguesias do centro histórico, ganhou escala com o crescimento do alojamento local. É por isso que a autarquia vai criar um mecanismo de apoio aos despejos e à habitação, que deverá estar operacional no início de maio..Ao DN/Dinheiro Vivo, fonte oficial da vereação da habitação admite que está a ser feito um levantamento sistemático dos problemas habitacionais da cidade, dando continuidade a um trabalho mais informal que já faziam com base em dados recolhidos pelas juntas de freguesia ou associações de moradores.