No início do século passado ia-se às praias de Espinho ou da Póvoa de Varzim para estar na pataqueira a jogar à batota. As expressões ficaram no idioma, mas as ações foram para sempre interditas. A 3 de dezembro de 1927, uma ditadura militar sem "clientela eleitoral" legalizava o jogo em Portugal, acabando com casas clandestinas, as "pataqueiras", e fixando as apostas de fortuna ou azar autorizadas - o "monte", ou a tal "batota", ficava de fora. Passados pouco mais de seis meses, a 1 de julho de 1928, entravam em funcionamento as primeiras explorações legais de jogo no país..Em 90 anos de jogo legal, que se assinalam neste domingo, muito mudou e pouco mudou. As populares roletas da sociedade balnear já contam pouco. O grosso das receitas do setor entra pela via das slot machines e, cada vez mais, pelas apostas online, legalizadas em 2015. Deixou de haver zonas temporárias de jogo e o mapa dos casinos entrou pela capital. Mas as concessões mantêm-se ainda hoje com um sistema de monopólios regionais e o jogo ficou para sempre associado ao turismo, com quase quatro quintos dos impostos cobrados a financiarem a máquina de promoção do país no exterior. A tributação aos casinos, que desde início ia até aos 50%, também pouco se alterou..As regras do jogo podem mudar dentro de ano e meio, ou pode ficar tudo como está. Em 2020 chegam ao fim as concessões nos casinos Estoril, Lisboa e Figueira da Foz, que representam mais de metade das receitas brutas do jogo em casino em Portugal (52% no ano passado). E apenas três anos mais tarde, em 2023, caducam os contratos do Algarve, Espinho, Póvoa de Varzim, e Madeira. Só os casinos dos Açores, Chaves e Troia, com concessões até 2033, deverão ficar fora dos novos concursos públicos para zonas de jogo de Portugal. Mas, até aqui, não há novidades a dar, dizem o Ministério da Economia e o Turismo de Portugal..O jogo em casino no país pertence ao Estado, que o cede para exploração a privados. O próximo concurso público será o primeiro a realizar-se em 20 anos, e acontecerá num momento de forte crescimento do turismo - potencialmente, atraindo novos concorrentes. No ano passado, a maior empresa do setor, a Estoril-Sol, viu aumentar os seus lucros em 86% para 13,88 milhões de euros - com fortes contributos do Casino Lisboa e do jogo online, mas resultados negativos na Póvoa..Programa atrasado.A Estoril-Sol voltará a concorrer pelos casinos que ganhou em 1984, mas continua à espera de conhecer o quadro das novas concessões. "Penso que já deveria estar concluído o respetivo caderno de encargos para o concurso público dessas concessões", diz o vice-presidente Mário Assis Ferreira ao Dinheiro Vivo. O executivo admite que o programa do concurso apenas seja conhecido nos primeiros meses de 2019..Jorge Godinho, especialista em Direito do Jogo Comparado, entende que o tempo até um novo concurso é já curto para mudar substancialmente o que existe. "Com o final das concessões a aproximar-se, a questão de saber o que fazer de seguida é premente e inadiável", defende. "É necessário começar por ter uma visão global e integrada do que se pretende para o setor dos jogos de fortuna ou azar em Portugal. Importa discutir se o modelo de 1927 se mantém ainda válido ou se há que fazer uma reforma de fundo.".Nos concursos realizados nas décadas anteriores, os cadernos de encargos das concessões a concurso terão começado a ser negociados com quatro anos de avanço. Agora o prazo é curto, o que poderá limitar a presença de novos interessados. Mário Assis Ferreira acredita que "tudo dependerá da avaliação do caderno de encargos da nova concessão quando o governo o vier a divulgar"..Mais receitas."Com o enorme dinamismo do setor do turismo em Portugal a que assistimos, poderão existir empresas interessadas em entrar no mercado, ou empresas que já cá estão e que quererão alargar a sua atividade e abrir novos casinos", diz Godinho. "Mas tudo depende dos condicionalismos legais e de saber se as condições concretas da exploração permitiriam um retorno a justificar o investimento.".No passado, os casinos portugueses realizaram 311,34 milhões de euros de receitas brutas, mais 5,2% que em 2016. Fora Troia, com uma quebra , todos os outros casinos aumentaram vendas de jogo, embora Póvoa e Figueira tenham tido subidas marginais - e a primeira apresentasse resultados negativos em função de contribuições mínimas devidas em imposto. A Madeira teve o casino que mais cresceu (8,4%) e Lisboa o que mais rendeu (83,8 milhões de euros)..Os primeiros casinos legais portugueses estavam, tal como prevê ainda a atual lei do jogo, obrigados a contrapartidas iniciais de investimento - em hotéis de luxo tipo Palace, por exemplo - e ao pagamento de imposto. As concessões eram então de 30 anos, com os primeiros 15 a obrigarem a contribuições de até 25% sobre os diferentes jogos e a segunda metade do contrato a impor uma taxa progressiva de até 50% consoante as receitas. Menos de um terço do valor ia para a receita geral do Estado. A maior parte ia para assistência pública, construir estradas e para promover as regiões de turismo do país.."Somatório de monopólios"."A visão do legislador de 1927 relativamente ao turismo vingou completamente", afirma José Pereira de Deus, autor de publicações sobre a história do jogo em Portugal. Já então se previa "como obrigações das concessionárias a propaganda das zonas de jogo no estrangeiro e as excursões de turismo, nacionais e internacionais, que as concessionárias iriam permitir com os investimentos"..As concessões de casinos são ainda as grandes financiadoras do Turismo de Portugal e das suas atividades, com 77,5% do imposto especial sobre o jogo a ir para os cofres do Turismo. Só 20% revertem para o Orçamento de Estado. Financiam ainda o Fundo de Fomento Cultural (10,3% das receitas próprias do fundo em 2016) e os municípios onde há casinos..Os impostos "são para a máquina do turismo funcionar, e para os investimentos turísticos no estrangeiro, para as campanhas a que assistimos diariamente - ainda agora com a [campanha] da onda na Nazaré em Nova Iorque", exemplifica Pereira de Deus..Para Assis Ferreira, esse é no entanto "um penoso mérito que pertence aos casinos portugueses". A Estoril-Sol e as restantes concessionárias têm vindo a contestar, sobretudo, a exigência de pagarem valores mínimos de imposto. Serão 45,35 milhões de euros pelo Estoril e Lisboa no próximo ano, e na Figueira, o que menos paga, serão 5,2 milhões..Em contrapartida, os casinos vivem há 90 anos protegidos nas zonas onde operam. É essa, segundo Jorge Godinho, a principal distinção do regime de jogo em casino em Portugal: "Não pode surgir um casino concorrente do outro lado da rua e num raio de muitos quilómetros, com o que na prática o sistema instituído em 1927, vigente, consiste num somatório de monopólios regionais."