A inflação elevada que já se está a manifestar e que deve acelerar nos próximos meses vai ter efeitos destrutivos nas contas públicas, sobretudo no próximo ano, diz o Conselho das Finanças Públicas (CFP) na "Análise da proposta de Orçamento do Estado para 2022" (OE2022), ontem divulgada..No curto prazo, a inflação dá uma espécie de alívio, sobretudo por via da receita fiscal e do facto de os salários dos funcionários públicos não ser atualizado com base nessa mais alta, o que serve de travão momentâneo à despesa pública.."Sendo 2022 o primeiro ano de um processo inflacionista não totalmente antecipado, o saldo orçamental tende a melhorar no muito curto prazo por via de vários mecanismos que, contudo, rapidamente se esgotam", observa a entidade presidida por Nazaré Costa Cabral, no novo estudo..Um dos efeitos fugazes reside na "reação automática da receita de IVA à subida do preço dos bens e serviços consumidos pelas famílias"..Outro efeito de curta duração advém "da não atualização dos escalões (não desdobrados) de IRS"..O "aumento predeterminado dos vencimentos dos funcionários públicos" também dá uma ajuda grande, mas só em 2022..Recorde-se que os funcionários tiveram um aumento de 0,9% decidido no ano passado com base numa previsão de inflação que, já se sabe, não é nada realista. As previsões mais recentes (do próprio governo) apontam para uma subida quatro vezes maior, para uma inflação média de 4% este ano, com tendência para ser ainda mais alta..O CFP diz ainda que "a aquisição de bens e serviços por parte da administração pública beneficia por algum tempo do preço de contratos fixados anteriormente", o que gera um efeito de poupança..Impacto gravoso em 2023.No entanto, a inflação atingirá as contas públicas em cheio mais à frente. "No médio prazo, a inflação irá necessariamente provocar uma pressão significativa na despesa pública", refere o CFP. São cinco os ataques previstos ao orçamento do ano que vem..Primeiro, o CFP refere que "o custo das novas colocações de dívida pública subirá", isto é, com mais inflação, as taxas de juro sobem, o que aliás já está acontecer há algum tempo. O endividamento fica mais caro e a fatura dos juros, que vai ao défice como despesa, tende a subir..A entidade avaliadora diz ainda que "a evolução das pensões em 2023 depende de uma fórmula legal que tem em conta o Índice de Preços no consumidor (IPC) e a evolução do Produto Interno Bruto (PIB)", pelo que a subida das reformas pode surgir com mais força no ano que vem, dependendo, é claro, da força da economia. Se a crise se agravar e em vez de crescimento houver estagnação ou mesmo uma nova recessão, o efeito pode não ser o referido..Outra via de transmissão é pelos salários públicos. "As negociações salariais serão pressionadas pela perda de poder de compra em 2022". Como referido, os funcionários tiveram um aumento de 0,9% a 1 de janeiro deste ano, mas a inflação média prevista para 2022 já vai em 4%. O descontentamento dos sindicatos tem-se revelado cada vez maior.."Os novos contratos de aquisição de bens e serviços refletirão preços necessariamente mais elevados", exercendo pressão em alta sobre os chamados consumos intermédios do Estado e restantes organismos públicos. O CFP recorda que "boa parte dos contratos de fornecimento de bens permanece indexada à taxa de inflação do ano anterior ou mesmo com um preço fixo" e que no ano que vem, se a indexação de mantiver, muitas compras ficarão automaticamente muito mais caras..Finalmente, "os concursos para investimentos suportados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) sofrerão o impacto, o que se pode traduzir num menor volume de investimento para os mesmos fundos", alerta o Conselho.."Todos estes efeitos vão criar pressões sobre o próximo Orçamento do Estado para 2023. A ausência do referido enquadramento plurianual dificultará ainda mais o seu processo de elaboração", avisa a mesma instituição..Em 2022, sete grandes riscos.São sete os perigos ou riscos de magnitude considerável e latentes que podem fazer descarrilar o plano do governo para reduzir o défice público (em contas nacionais) para 1,9% do produto interno bruto (PIB) no final deste ano e acelerar no corte do peso da dívida, enumera o Conselho..Em primeiro lugar, há a "incerteza sobre a duração e a escalada do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, cujas consequências poderão implicar um impacto de magnitude superior ao previsto pelo Governo nas medidas de mitigação que pretende implementar em 2022 ou determinar a adoção de medidas adicionais"..Outro perigo passa pelo "surgimento de novas variantes da covid-19 que, não obstante os progressos na vacinação e controlo da doença, poderão retardar a redução e eliminação das medidas relacionadas com a pandemia, penalizando a recuperação do equilíbrio orçamental"..A "ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica e ao choque geopolítico, nomeadamente linhas de crédito a empresas" também podem complicar a tarefa de Medina..O CFP avisa ainda para a "sobrestimação das poupanças e ganhos de eficiência a obter no âmbito do exercício de revisão de despesa [o chamado plano para cortar nas gorduras do Estado]"..As indemnizações devidas a concessionárias e subconcessionárias no âmbito de projetos de Parcerias Público-Privadas (PPP) podem "implicar uma despesa superior à considerada na proposta de OE2022"..Há ainda a possibilidade de "transferências adicionais para o Novo Banco", como aliás o próprio já aventou..E, por últimos, "a eventualidade de a TAP necessitar de apoios financeiros superiores aos considerados na proposta de OE2022"..Sem riscos negativos, Medina até podia chegar a um défice de 1,8% no final deste ano, calcula o CFP..jornalista do Dinheiro Vivo