Impacto económico da crise será "o mais violento" que já se viu nos seguros

José Galamba de Oliveira, presidente da APS, avisa que as seguradoras já estão a sentir os efeitos provocados pelo confinamento.
Publicado a
Atualizado a

"Uma coisa parece, desde já, certa: o impacto económico da pandemia covid-19 será, seguramente, o mais violento vivido pela nossa sociedade desde que há memória." É desta forma que José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), antevê o que as companhias têm pela frente. Galamba de Oliveira avisa que já estão a ser bem visíveis os efeitos da crise. "O impacto sente-se já nos contratos em vigor, com muitas pessoas e empresas a solicitar a suspensão de contratos, redução e alargamento dos prazos para pagamento de prémios", afirmou.

"Por outro lado, assiste-se igualmente a uma redução sensível na subscrição de novos seguros, que é mais evidente nuns ramos do que noutros. Finalmente, e considerando que a carteira de seguros tem uma base importante de renovação anual, estima-se que o impacto nesta componente será tanto maior quanto maior for o impacto na economia."

O presidente da APS, numa entrevista à edição de maio da revista da associação, destacou que "o fecho de empresas, o aumento do desemprego, as dificuldades de tesouraria das empresas e famílias, sentir-se-ão inevitavelmente na produção de seguro". Mas sublinhou que "é ainda prematuro quantificar a dimensão do impacto desta travagem da atividade económica no setor segurador. Somos um dos setores mais bem preparados para lidar com situações mais ou menos catastróficas", afirmou.

Galamba de Oliveira considera que "as medidas drásticas" adotadas pelos governos de diversos países "causam uma paragem geral das economias". "No mundo globalizado em que vivemos, e porque são medidas inéditas e nunca antes experimentadas, o seu impacto não é ainda mensurável - diria mesmo que podemos levar meses até termos uma perspetiva mais correta dos impactos, sejam eles económicos ou sociais."

Lucros ameaçados

À semelhança de outros setores - como o da banca e das empresas de crédito especializado -, para ajudar a minimizar o impacto da crise nos clientes, as seguradoras adotaram moratórias, suspenderam contratos e ajustaram prémios e coberturas. Também vão refletir-se nas apólices de seguro automóvel a diminuição de riscos de acidentes que ocorreu durante o confinamento. Mais recentemente, foi publicado um decreto-lei que serve de guia às seguradoras para ajudar os clientes afetados pela crise.

Nos mercados financeiros, os ativos de maior risco, como as ações, sofreram fortes desvalorizações, o que afetará carteiras de investimento das companhias de seguros e os seus lucros, que têm encontrado algum suporte na componente financeira.

A ASF - A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e o regulador europeu do setor pediram para que as seguradoras não distribuíssem dividendos e se preparassem melhor para as consequências da crise atual. Em Portugal, o setor emprega cerca de 10 150 trabalhadores, através de 73 companhias de seguros, e conta ainda com quase 17 mil mediadores, segundo dados da APS.

Sobre os resultados do setor esperados em 2020, Galamba de Oliveira mostrou-se cauteloso. "Neste momento de total imprevisibilidade sobre a evolução da epidemia de covid-19 e do seu impacto, quer na economia quer nos mercados, a única expectativa que se pode adiantar é, também, a da imprevisibilidade na dimensão da quebra nos resultados", disse.

As seguradoras em Portugal lucraram cerca de 344 milhões de euros em 2019, uma quebra de 26% face aos resultados do ano anterior. "Foi um ano muito difícil em que se assistiu uma quebra de 5,7% na produção total face à verificada em 2018, quebra essa com origem no ramo vida", explicou o presidente da APS. "O já longo período de baixas taxas de juros que presenciamos não permite uma oferta com rentabilidades atrativas o que, conjugado com a inexistência de estímulos à poupança, levou a uma queda na nova produção na ordem dos dois dígitos", adiantou.

Sobre o impacto das quedas das bolsas, salientou que "o exigente regime de solvência, definido pela Diretiva Comunitária de Solvência II, existe precisamente para poder acomodar situações de stress como a que vivemos e que, esperamos, possa ser temporária". E admitiu que "o setor entrou em 2020 com rácios de solvabilidade confortáveis, mas esta crise sanitária e económica provocou já quebras significativas nos mercados financeiros e traz, por isso, novos desafios ao setor".

Outras das consequências visíveis do confinamento foi a quebra registada no número de acidentes de viação. "O número de novos sinistros, quer do ramo automóvel, quer do ramo de acidentes de trabalho, mostrou uma quebra significativa", disse o presidente da APS. "Mas o custo médio dos sinistros, em contrapartida, vai aumentar devido às limitações que se verificaram no acesso aos prestadores de serviços das empresas de seguros", avisou. Isto porque, "por exemplo, um veículo pode demorar mais tempo a ser reparado porque muitas oficinas ou estiveram encerradas ou têm dificuldade em obter peças".

Apontou que também na área da assistência clínica "há dificuldades", com maiores custos para as seguradoras. Na área da saúde, também antecipa um aumento dos custos para o setor. "O que estamos a antecipar é que os custos venham a subir porque as pessoas estão a adiar tratamentos e idas aos hospitais e aos médicos, o que pode resultar num agravamento da sua situação clínica e, logo, mais custos no futuro", alertou.

Mas sublinhou que a crise também traz oportunidades para a área dos seguros e para os restantes setores. "Não ficará tudo como dantes. A história mostra-nos que estes eventos, mais ou menos disruptivos, as crises mais ou menos catastróficas abrem novas oportunidades para a sociedade", apontou. Para Galamba de Oliveira, "esta crise que estamos a viver abriu as portas à utilização massiva do mundo digital, seja através das ferramentas do teletrabalho, seja das compras online, seja até da própria divulgação da informação". A crise também "alertou-nos para as nossas próprias limitações, apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico a que assistimos". Acredita que "daremos um valor diferente à vida, às relações humanas, à solidariedade entre todos nós, e que necessitamos de trabalhar todos mais em conjunto na procura de soluções para preservar o nosso planeta".

Jornalista do Dinheiro Vivo

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt