Governo gastou indevidamente 1,7 milhões em publicidade institucional

Montante não estava contemplado nos 15 milhões de euros para compra antecipada de anúncios aos órgãos de comunicação social, no âmbito das medidas de apoio da covid-19, segundo uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças enviada ao Tribunal de Contas.
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O Governo gastou indevidamente 1,7 milhões de euros, no âmbito da compra antecipada de publicidade por 15 milhões de euros aos órgãos de comunicação social, no âmbito das medidas de apoio da pandemia da covid-19, segundo uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IFG) enviada ao Tribunal de Contas (TdC) e divulgada esta sexta-feira.

Dos 1,7 milhões, 1,1 milhões de euros nem sequer tiveram autorização do membro responsável pela tutela, que, na altura, era a então ministra da Cultura, Graça Fonseca.

Na auditoria da IGF, foram detetadas "despesas adicionais realizadas para contratação de serviços de agendamento e produção (1, 7 milhões de euros), que não estavam contempladas nos 15 milhões de euros do Decreto-lei n.º 20-A/2020 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 38-B/2020, dos quais 1,1 milhões de euros sem autorização do membro do Governo da tutela (atualmente em processo de ratificação)".

Os diplomas estabelecem que, dos 15 milhões de euros destinados aos "media", 11,3 milhões serão distribuídos pelos órgãos de âmbito nacional, dois milhões de euros irão para as publicações regionais e 1,7 milhões de euros serão para rádios regionais ou locais. Serão estes 1,7 milhões de euros que terão sido aplicados indevidamente ao serem canalizados para "agendamento e produção".

Nas conclusões da IGF, citadas pelo TdC, é ainda referido que, em julho de 2021, os órgãos de comunicação social deviam ao Estado 3,2 milhões de euros em publicidade institucional a troco da compra antecipada de 15 milhões de euros pelos cofres públicos.

Em 2020, o Governo aprovou a aquisição antecipada de anúncios por 15 milhões de euros, no âmbito da pandemia da covid-19, mas os órgãos de comunicação social só ficou nos 11,25 milhões de euros, pelo que existe "um crédito do Estado de 3,2 milhões de euros sobre os órgãos de comunicação", salienta a IGF.

Ao Dinheiro Vivo, o Tribunal de Contas esclarece que, "à data do relatório [16/07/2021], ainda havia 3,2 milhões de euros adiantados aos órgãos de comunicação social que não tinham sido convertidos em publicidade".

O relatório alerta ainda que que 56% do apoio foi dirigido a três grupos - Impresa, dona da SIC e Expresso; Media Capital, que detém a TVI e CNN; e Cofina, proprietária do CM, CMTV e Negócios - e conclui que não foi cumprida a quota mínima de 25% destinada aos meios regionais/locais.

A auditoria da IGF, realizada em 2021 e homologada em fevereiro de 2022 pelo Ministério das Finanças, já sob a liderança de Fernando Medina, salienta que foram distribuídos "11,25 milhões de euros por 13 órgãos de comunicação nacionais (entretanto reduzidos a oito) sem que tenha sido possível aferir os critérios subjacentes, incluindo uma concentração da medida de apoio em três grupos (com 56% do total atribuído)". O mesmo relatório destaca "a dificuldade em encontrar uma justificação para a não inclusão de 26 grupos económicos do setor potencialmente elegíveis; o crédito do Estado de 3,2 milhões de euros sobre os órgãos de comunicação, o não atingimento do limite mínimo de 25% de publicidade institucional contratada com órgãos de comunicação regionais/locais (pelo menos, à data de 16/07/2021) e a existência de alguns órgãos que incumpriram as inserções de publicidade institucional contratadas".

O Tribunal de Contas passa ainda a pente fino o cumprimento da Lei de Publicidade Institucional do Estado (LPIE), observando diferenças de valores relativas ao registo de despesa pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e pela Direção-Geral do Orçamento (DGO). Assim, a primeira instituição indica que, em 2018, o Estado gastou 1,3 mil milhões de euros, dos quais 310 milhões em meios regionais e locais, o que corresponde a 29% do total; em 2019, a despesa subiu para 3,4 mil milhões de euros (744 milhões ou 22% em "media" regionais e locais); em 2020, o investimento reportado à ERC totalizou dois mil milhões (647 milhões ou 32% em meios regionais e locais); e, em 2021, a despesa subiu para 12,5 mil milhões de euros, dos quais cerca de três mil milhões foram aplicados em órgãos regionais e locais, o que representa 25% do montante global.

Mas a DGO apresenta montantes bastante superiores, com exceção do exercício de 2021. Os registos da Direção-Geral do Orçamento apontam para gastos de 8,5 mil milhões em 2018, de 9,9 mil milhões em 2019, de 15 mil milhões em 2020 e de 12,1 mil milhões de euros em 2021.

O aumento significativo da despesa reportado pela DGO, em 2020, "decorre, essencialmente, das medidas implementadas pelo Governo relativas à pandemia da covid-19", sublinha o fiscalizador das contas públicas.

A instituição, liderada pelo juiz conselheiro, José Tavares, destaca, assim, "a divergência acentuada de dados, quer do universo de entidades, quer de investimento realizado", devido "a critérios distintos quanto à base de cálculo", pelo facto de "nem todas as entidades promotoras procederem à comunicação das respetivas campanhas de publicidade institucional à ERC e da inadequada contabilização, na rubrica orçamental referida, de despesas que não respeitam à publicidade institucional".

O TdC "concluiu que, apesar de a ERC ter desempenhado as funções de fiscalização e cumprimento dos deveres que lhe são cometidos pela LPIE, esse controlo ainda apresenta algumas insuficiências, que carecem de melhoria, ao nível da avaliação do risco, da informação, da comunicação e da monitorização das campanhas promovidas pelos destinatários da lei de forma a assegurar, com eficácia e eficiência, a fiscalização da execução de investimentos em publicidade institucional do Estado e a deteção de situações de incumprimento", de acordo com o relatório divulgado esta sexta-feira.

Decorridos cerca de sete anos da aplicação da Lei de Publicidade Institucional do Estado, "persistem em várias normas do seu articulado situações de difícil interpretação ou que condicionam a sua execução, com implicações em todas as fases do processo, nomeadamente no planeamento, na aquisição de serviços, na comunicação e transparência, no registo, na verificação e fiscalização e na avaliação de resultados".

Do exame dos processos de incumprimento remetidos pela ERC ao TdC, destacam-se "situações de incumprimento dos artigos 7.º e 8.º da LPIE, necessárias para efetuar o apuramento de eventuais responsabilidades financeiras". Em causa estão, nomeadamente, os deveres de comunicação à ERC até 15 dias depois da respetiva contratação e o cumprimento da quota mínima de 25% para os meios regionais e locais, quando a despesa é igual ou superior a 15 mil euros.

As entidades do Estado devem ainda respeitar a seguinte percentagem de afetação da despesa com publicidade institucional: 7% para imprensa; 6% para rádio; 6% para televisão; e 6% para meios digitais

Neste sentido, o TdC recomenda ao Governo e à Assembleia da República no sentido de: "ponderar a revisão da LPIE, designadamente a atualização de conceitos, uma adequada compatibilização entre normas e uma melhor definição do âmbito de aplicação, aspetos que não foram contemplados na recente Lei n.º 19/2023; estabelecer expressamente, na LPIE, a não sujeição das campanhas de publicidade institucional do Estado à taxa de exibição de 4%; clarificar a sujeição das universidades e institutos politécnicos e demais entidades reguladas pelo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) ao regime jurídico da LPIE; estabelecer a obrigatoriedade de os órgãos de comunicação social, através das respetivas associações do setor, comunicarem à ERC com periodicidade regular, as aquisições de espaços publicitários para a realização de Publicidade Institucional do Estado".

O TdC recomenda ainda à ERC que: "promova os ajustamentos e melhorias na sua plataforma para registo das campanhas de PIE e nos correspondentes manuais, de forma a torná-la uma ferramenta mais dinâmica e com procedimentos de carregamento de dados de fácil acesso e execução, permitindo fluidez na migração dos dados aquando da elaboração dos relatórios mensais e anuais; que não inclua no custo global da campanha", para efeitos das quotas mínimas para meios regionais/locais e por tipo de meio de transmissão (imprensa, rádio, televisão e digital), "a publicidade realizada fora dos órgãos de comunicação social, designadamente em outdoors, rede multibanco, redes sociais; e que instrua os processos de denúncia enviados ao TdC com o devido suporte documental, sempre que disponível, para eventual apuramento de responsabilidades financeiras".

jornalista do Dinheiro Vivo

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