Crise na energia com efeito dominó nos preços

A guerra levou a uma subida em flecha dos preços da energia, que se reflete nos preços de outros bens essenciais. Os bens alimentares vão ficar mais caros, mas as empresas de distribuição descartam um cenário de escassez de produtos nas prateleiras.
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Antes da invasão russa à Ucrânia a subida dos preços já era uma ameaça à economia. Desde então, a situação agravou-se e o pior ainda pode estar para vir, segundo as associações empresariais ouvidas pelo DN/Dinheiro Vivo. O balanço de um mês de guerra no preço de bens essenciais como a energia ou os alimentos é de subidas acentuadas. O petróleo valorizou 22,5% e o gás natural chegou a disparar 157%, arrastando o preço grossista da eletricidade e dos combustíveis para níveis recorde. Uma situação que tem levado várias empresas de distintos setores a temerem pela continuidade dos seus negócios. Nos bens alimentares, o agravamento médio dos preços poderá chegar aos 30%.

"A invasão da Ucrânia veio tornar dramático o que já era grave", explicou ao DN/Dinheiro Vivo António Saraiva. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) não tem dúvidas de que o impacto de natureza mais transversal, que afeta a generalidade das empresas, "diz respeito à escalada dos preços do gás natural (e, por arrasto, da eletricidade) e dos combustíveis". E revelou que "os aumentos dos custos da energia estão a tornar inviável a produção em muitas empresas. Algumas já suspenderam a atividade, outras reduziram-na para três ou quatro dias por semana".

O preço de referência do gás natural na Europa, que há um ano oscilava entre 15 e 20 euros, rondava os 70 euros dias antes do início da guerra e chegou a negociar mais de 200 euros por megawatt-hora (MWh) nos primeiros dias de março. Presentemente, os contratos de futuro com entregas em abril estão nos 108 euros. No mercado petrolífero, o barril de Brent, que há um ano já tinha recuperado dos mínimos do início da pandemia para regressar a valores em torno dos 65 dólares por barril, está agora perto dos 118 dólares. "Este quadro é particularmente preocupante para as empresas dos setores mais intensivos em energia, sobretudo a cerâmica e o vidro, mas também muitos outros, como a siderurgia, a fundição, o têxtil, o papel, a madeira, a química, o cimento, as indústrias extrativas", detalhou António Saraiva.

Mas os impactos da escalada do preço do petróleo e do gás não ficam por aqui. Os combustíveis também têm apanhado boleia nesta escalada, com o preço da gasolina a subir mais 6% desde o início do conflito para 1,975 euros por litro, tendo chegado mesmo a bater máximos históricos no dia 18 de março quando atingiu os 2,075 euros. O gasóleo sobe mais de 11%.

A guerra lançada por Putin veio agudizar a crise energética que já se fazia sentir e que, inevitavelmente, acabou por se refletir nos preços da eletricidade. Isto porque a produção de eletricidade ainda está muito dependente das centrais de ciclo combinado (gás natural), que fixam o preço de mercado do dia na maioria das vezes.

"A invasão da Ucrânia, com a influência direta nos preços de várias commodities, entre elas o gás e o petróleo, veio dar visibilidade mediática a uma crise energética que começou ainda em 2021 com incrementos de preços nos diferentes mercados europeus de gás e de eletricidade", relembrou Ricardo Nunes, presidente da associação que representa os comercializadores de energia em Portugal, a ACEMEL. "Se já estávamos num ponto de partida difícil nos mercados de energia, a invasão da Ucrânia veio ainda agonizar mais esta crise energética, e muito provavelmente teremos já no mês de março preços médios mensais que baterão todos os recordes de preço nas diferentes commodities", alertou.

Uma tendência que deverá também ser sentida na cotação do petróleo, principalmente numa altura em que está em cima da mesa o embargo à importação de gás russo pelos países europeus. "Naturalmente que o embargo, tanto ao crude como aos produtos refinados provenientes da Rússia, vai limitar a oferta e exercer pressão sobre os mercados, pelo que, até os sistemas se equilibrarem, através de produtos provenientes de outras origens e não existirem expectativas quanto ao final do conflito, não nos parece existirem condições, pelo menos para descidas significativas" do preço do petróleo, referiu João Reis, porta-voz da associação das petrolíferas (Apetro).
Alimentos podem aumentar 30%

A pesada fatura do conflito estende-se ainda aos bens alimentares e à escassez de algumas matérias-primas, como apontou António Saraiva. "Há setores afetados pela falta de fornecimentos de matérias-primas, como a metalurgia e a metalomecânica, muito dependentes do aço, do alumínio e do ferro, e as indústrias alimentares, dependentes de importações de cereais ou oleaginosas", acrescentou.

Só no último mês, o preço dos futuros do trigo subiu 30% para 11,39 dólares por alqueire e os futuros do milho mais de 10% para 7,56 dólares por alqueire. O aumento dos custos das matérias-primas, da energia e dos transportes, que já se estava a sentir antes da guerra, culminou, assim, na tempestade perfeita. "Se juntarmos o que se passou nos últimos meses com a guerra, poderemos estar, nos bens alimentares, com um aumento médio da ordem dos 30% para os próximos meses", apontou Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da associação que representa as empresas de distribuição (APED), relembrando que a inflação em fevereiro já estava nos 5%.

Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal CAP, aponta ainda que a invasão da Ucrânia pela Rússia "veio colocar mais pressão sob o setor agrícola" que já lidava "com o aumento sistemático dos custos com a energia, combustíveis e fatores de produção - com especial destaque para os adubos, fertilizantes e alimentação para os animais".

Olhando para este panorama, o presidente da CIP admite que o impacto se alastrará, "muito provavelmente, pelo efeito da paragem de fábricas clientes de empresas portuguesas. É todo um efeito em dominó, que se agravará nas próximas semanas, nos próximos dias, à medida que os stocks chegam ao fim e que as encomendas vão desaparecendo".

No entanto, no que toca à área alimentar, a APED afasta o cenário de rutura de stocks. "Os consumidores portugueses podem estar tranquilos pois, nesta altura, não há risco de escassez de produtos. Como a duração da guerra é ainda uma incógnita, serão necessárias medidas a nível nacional e europeu para proteger toda a cadeia de valor da distribuição, desde a produção nacional aos transportes, passando pelo apoio à produção e à indústria. É esse o nosso foco".

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