Concertação social. Salários, impostos, férias, créditos. Parceiros entregam lista longa ao governo

Empresas querem mais adiamentos do fisco e mudanças no regime de férias. Sindicatos pedem mais para salvar rendimento das famílias.
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Desta vez, sindicatos e patrões estão de acordo: as medidas já anunciadas pelo governo para responder ao impacto do coronavírus na economia portuguesa são manifestamente insuficientes. Será preciso muito mais para segurar as empresas e os empregos, mas também para garantir os direitos dos trabalhadores.

Se do lado dos sindicatos se pede o prolongamento dos apoios aos pais durante as férias da Páscoa, os patrões querem ajustes ao regime de marcação de férias dos colaboradores. Se as estruturas sindicais exigem salários sem penalização, as que representa as empresas falam no alargamento das moratórias fiscais a outros impostos. A lista é longa e diversificada, mas todos concordam no essencial: o governo tem de escalar os apoios a empresas e trabalhadores, com novos contributos para a mesa de negociações do Conselho Permanente de Concertação Social.

Os parceiros sociais reuniram-se na segunda-feira e prevê-se que voltem a discutir medidas de resposta à crise do novo coronavírus nesta quinta-feira, altura em que deverá já haver uma decisão do Presidente da República quanto ao cenário de colocar Portugal em estado de emergência.

Entretanto, os ministérios da Economia e das Finanças preparam um novo pacote de medidas de suporte à economia, a ser anunciado na manhã desta quarta-feira.

Nas contas já avançadas pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, o custo das medidas já adotadas poderá andar pela ordem dos dois mil milhões de euros por mês, entre transferências orçamentais e saídas dos cofres da Segurança Social. Há ainda 480 milhões de euros calculados em alívios de tesouraria das empresas já decididos, sem contar com o adiamento de pagamentos em IRC.

O que defende cada um dos parceiros

UGT

Para a UGT, a preocupação "de fundo" é que haja equilíbrio nas soluções encontradas e se olhe para os impactos nas famílias na mesma medida que se olha para o impacto nas empresas, explica Paula Bernardo, secretária-geral adjunta da central.

A central sindical defende que "a regra devia ser, tanto quanto possível, manter o rendimento das famílias". Em causa está o corte de um terço de salário quando os pais ficam em casa devido à suspensão das aulas ou em situações de redução do trabalho no mecanismo de emergência equiparado a lay-off. Sobre este regime, a UGT considera "fundamental, independentemente de se agilizarem alguns procedimentos, que se mantenha um quadro de garantias e que não haja uma utilização abusiva".

A central quer também que o governo repondere o impedimento de apoio salarial a trabalhadores com menores sem aulas quando um dos pais já está em teletrabalho. Além disso, a UGT pede números mais detalhados de utilização dos apoios e do impacto orçamental que têm "para que se possa fazer a monitorização e o ajustamento das propostas em função do que é a utilização e a aplicação".

CGTP

A CGTP continua a manifestar preocupação com a situação dos trabalhadores independentes, os chamados recibos verdes. Entende que estes devem ter direito a subsídio por assistência à família quando menores (filhos ou netos até 12 anos) fiquem doentes ou de quarentena. O apoio vale 65% do salário, e passará aos 100% apenas quando for promulgado o Orçamento do Estado. Também quer que fique claro que estes trabalhadores têm direito a 100% do valor do salário quando estejam eles próprios em quarentena.

Também para os recibos verdes, o apoio por quebra de atividade prevista (máximo de 438,81 euros) é visto como insuficiente. "Não se compreende que o apoio às empresas seja de tantos milhões e para os trabalhadores independentes (muitos dos quais são falsos independentes) de fale de limites ao nível do limiar de pobreza", defende a organização.

Para a Intersindical, além de haver apoios ao acompanhamento de menores com a suspensão das aulas, pelo menos até 30 de março (seguindo-se as férias da Páscoa), deve haver também apoio e faltas justificadas para quem tem de prestar assistência a pais em situação de dependência. E é visto como "inaceitável" que os apoios extraordinários precipitados com o fecho das escolas não sejam estendidos durante as férias.

Quanto ao regime de teletrabalho que tem vindo a ser adotado por muitas empresas, a CGTP alerta ainda que devem ser acauteladas as formalidades necessárias para evitar abusos.

Sobre o novo regime aproximado ao lay-off, no qual os trabalhadores ficam a receber 66% do salário (70% pago pela Segurança Social), a CGTP quer que a legislação de emergência já adotada remeta para as regras do Código do Trabalho e seja assegurado que não se trata apenas de uma redução salarial, com os trabalhadores a terem de continuar a prestar serviço, chamados a outras funções ou em férias.

"Tal como está, este apoio extraordinário às empresas em situação de crise empresarial aponta não para uma situação de lay off, simplificado ou não, mas muito simplesmente para uma situação de redução salarial, ou seja trata-se de dar apoio às empresas para reduzirem os salários dos seus trabalhadores, ainda com a possibilidade de imporem períodos de férias, mecanismos de flexibilidade de horários e mobilidade funcional alargada, tudo a pretexto da manutenção de contratos de trabalho", defende a CGTP.

Por fim, a estrutura mostra-se contra a isenção de contribuições para a Segurança Social pelas empresas, que poderá estender-se até sete meses neste mecanismo. Para a Inter, a Segurança Social não deve ser usada para apoiar empresas, pondo em causa a sustentabilidade do sistema de pensões. Além disso, diz, resulta num "duplo benefício recebido pelas empresas à custa de Segurança Social, nomeadamente para as empresas em situação de lay-off, uma vez que os salários dos seus trabalhadores já estão a ser parcialmente suportados pela Segurança Social".

Confederação Empresarial de Portugal

A CIP está entre as organizações que defendem o ajustamento "do regime de marcação e gozo das férias às necessidades específicas que a situação requer". O Código do Trabalho prevê que a imposição de férias unilateralmente só possa ser feita no período entre 1 de maio e 31 de outubro para a grande maioria das empresas, mas o novo regime de redução de trabalho adaptado das regras do lay-off limita a renovação de apoios à existência de gozo de férias pelos trabalhadores.

Além disso, a CIP quer que sejam alargados os critérios de elegibilidade às linhas de crédito abertas pelo governo para PME e que os juros cobrados sejam bonificados (neste momento, os bancos fixam as taxas sem bonificação, apenas com o intervalo de spreads a ser pré-determinado).

A CIP também quer que o Estado acelere "os pagamentos às empresas de todas as entidades públicas" e regularize "com particular urgência todos os que se encontram em atraso" e que sejam suspensos os prazos para o pagamento de todas as obrigações ao Fisco e Segurança Social.

No regime de lay-off adaptado já criado para o atual contexto, a CIP quer ainda que haja maior clarificação das obrigações do Estado, das empresas e dos trabalhadores.

Por fim, pede "medidas sobre as greves dos estivadores que decorrem no Porto de Lisboa e de Setúbal" e uma "definição clara do que se entende por serviços essenciais, incluindo o setor alimentar". Nestes setores, por exemplo, não há lugar à determinação unilateral de teletrabalho, de acordo com a legislação de emergência publicada até aqui.

Este pedido acabou por ser parcialmente atendido ainda ontem à noite, com o Conselho de Ministros a aprovar por via eletrónica uma Resolução reconhecendo "a necessidade de se proceder à requisição civil dos trabalhadores portuários em situação de greve".

Confederação de Comércio e Serviços de Portugal

É a mais longa lista de reivindicações produzidas pelos parceiros sociais. Após consultar os associados, a CCP junta quase três dezenas de propostas, que vão desde uma maior flexibilização ainda do regime de lay-off para atual crise, ao adiamento de mais obrigações fiscais e redução das contribuições sociais para quem tem funcionários em teletrabalho, ou mesmo adiamento de algumas atividades de supervisão financeira, suspensão de despejos e redução de rendas comerciais. A organização também alinha com a CIP no pedido de alterações ao regime de marcação de férias dos trabalhadores.

A CCP quer que não apenas as empresas com quebras de faturação mínimas de 40% devido à pandemia, mas todas as que tenham sido forçadas a encerrar por determinação administrativa tenham acesso ao lay-off simplificado.

Por outro lado, defende uma moratória nas contribuições para a Segurança Social (três a seis meses) para a generalidade das empresas, mesmo sem recurso ao mecanismo de lay-off.

A CCP também quer "flexibilizar o regime de marcação e gozo das férias às necessidades que a situação específica requer, ou seja permitir às empresas obrigar os trabalhadores a gozarem férias antecipadamente" e que os patrões possam não pagar o subsídio de férias no mesmo período em que estas vão ser gozadas.

A organização também se pronuncia sobre o apoio aos pais com filhos que tiveram aulas suspensas e defende que a Segurança Social deve suportar apoios durante o período das férias da Páscoa. Quer ainda um alargamento da medida a quem tem de acompanhar maiores dependentes ou é cuidador informal.

A CCP alerta para a necessidade de acautelar obrigações que vão ficar por cumprir, como exames da medicina no trabalho, e defende que as empresas devem ser dispensadas de envio de carta nos avisos de rescisão de trabalho.

Para a organização, também é preciso reforçar os valores de 200 e 60 milhões de euros das novas linhas de crédito já criadas, e assegurar nelas um período de carência do financiamento contratado.

No Fisco, a CCP pede uma moratória por um período não inferior a três meses no pagamento de todos os impostos devidos que se vençam após o dia 1 de abril, exceto as entregas relacionadas com retenções na fonte, além da isenção de taxas municipais para as empresas.

A organização insiste ainda na suspensão dos despejos no arrendamento comercial, pedindo ainda um período de carência de até quatro meses nas rendas e benefícios em IMI para proprietários que reduzam rendas.

Entre várias outras medidas, a CCP propõe ainda "adiar as atividades de supervisão financeira das várias entidades reguladoras, incluindo inspeções, mantendo apenas as que forem críticas para a estabilidade financeira do país e as datas dos reportes de supervisão a não ser os que as entidades de supervisão venham a definir como informações cruciais necessárias para monitorar de perto a situação financeira e prudencial do sistema financeiro e económico".

Por fim, sugere um desconto na Taxa Social Única para os negócios que aderiram ao teletrabalho, pedindo uma "bonificação, em sede do regime de contribuições da empresa por cada trabalhador em teletrabalho durante este período para que as empresas possam investir ainda mais do ponto de vista tecnológico nesta solução".

Confederação de Turismo de Portugal

Com o turismo parado em toda a Europa, este é o setor na linha da frente do impacto da atual crise. A CTP quer que os apoios já anunciados cheguem mais rapidamente e que a Autoridade Tributária acelere devoluções de IVA e adie o recebimento de mais impostos.

Nos contributos entregues ao governo, o Turismo pede a dilação do prazo de pelo menos 90 dias para pagamento de impostos (PEC/IRC e IVA) e a simplificação da devolução de IVA às empresas.

Além disso, a CTP quer ver acelerada também a devolução de créditos de imposto existentes a favor das empresas - não só de IVA como dos pagamentos especiais por conta.

A organização também quer a "desburocratização" da linha de crédito Covid-19 de 200 milhões de euros, com redução dos prazos que os bancos têm para aprovar o crédito (60 mais 20 dias adicionais, atualmente), que devem ser fixados consoante a dimensão das empresas.

A CTP também pede a "rápida efetivação da linha de crédito para microempresas do setor turístico no valor de 60 milhões de euros" e deixa um apelo para que o governo legisle o mais rapidamente possível sobre as medidas anunciadas "para que os seus efeitos cheguem em tempo útil às empresas".

Nota: Não foi possível obter, até ao fecho desta edição, a informação relativa aos contributos da Confederação dos Agricultores de Portugal.

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