Apoios não chegam às empresas. Falta informação e é preciso aliviar condições
As medidas que têm vindo a ser aprovadas pelo governo para fazer face aos efeitos da pandemia de covid-19 nas empresas não são as ideais, mas são as possíveis. Problema maior é o facto de muitos empresários não saberem o que existe em termos de novos instrumentos para a crise pandémica e como podem recorrer aos apoios criados. E os obstáculos que ainda deixam muitas sem acesso aos apoios. Razão pela qual Bruno Bobone defende que se abra as condições de acesso, bem como a criação de um gabinete de crise que ajude a gerir instrumentos e sobretudo a comunicação.
"O governo tem alguns limites aos apoios e ao dinheiro que pode usar no combate à crise, mas na comunicação tem de agir", defende o empresário e presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), que propõe a criação de um "gabinete de crise à semelhança do que se faz em tempos de guerra - que é comparável, como se tem dito, ao momento que vivemos -", em que envolvesse vários players e que "apoiasse o governo para validar as medidas de forma mais eficiente e se comprometesse com as soluções criadas, nomeadamente fazendo-as chegar de forma clara aos que delas precisam".
"Por exemplo, foram criadas linhas de crédito mas ninguém sabe quanto já foi entregue às empresas - e sabê-lo ajudaria os outros a procurar esses apoios." O empresário e líder da CCIP acredita que os bancos estão, maioritariamente, com a postura certa, empenhados em ajudar as empresas, mas sublinha que também estas têm de ter "capacidade para convencer os bancos" da sua viabilidade e assim ter acesso aos instrumentos disponibilizados. Isto, naturalmente, acreditando que, conforme é desejável, as condições se alargam de forma que a esmagadora maioria possa ser apoiada.
Questionadas pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa acerca da necessidade de recorrer às medidas de apoio lançadas pelo governo, a maioria das empresas (52,5%) indica que tem vontade de pedir o fracionamento do pagamento de impostos, 48,8% refere que vai diferir os pagamentos à segurança social, 40,1% considera vir a recorrer às linhas de crédito, e 38,3% indica que vai recorrer ao lay-off simplificado.
Percentagens que não são mais significativas - num contexto em que a esmagadora maioria (73,5%) sente um impacto negativo nas vendas no mercado interno e (cerca de 30%) externo, quase metade confirma problemas de tesouraria e um quarto teve quebras na mão-de-obra e no acesso às matérias-primas - por falta de informação quanto aos instrumentos a que podem recorrer e de que forma. Ainda mais quando a preocupação com a falta de liquidez é generalizada e 35,2% das empresas dizem não ter capacidade para resistir mais de 30 dias sem receber um apoio à tesouraria e 9,3% revela que já não conseguiu cumprir com as obrigações salariais e fiscais de março.
Bobone defende, por isso, que neste momento é especialmente importante controlar o que se passa e comunicar constantemente à população para lhe dar meios para o entender a cada momento e modificação, num contexto em que a realidade muda quase diariamente. "Como Churchill fez na Segunda Guerra Mundial, um gabinete que juntasse governo, oposição, empresários e grupos de peritos para unir povo numa situação dramática."
Para Bruno Bobone, "há dois temas distintos: um é o problema económico e as medidas do governo para lhe responder e outro, ainda mais urgente, tem que ver com a comunicação, que tem de ser muito mais estruturada e clara para não haver a angústia que hoje existe por falta de informação e dificuldades no acesso às soluções criadas".
O inquérito feito na última semana aos associados da CCIP revela as dificuldades no acesso às medidas de apoio do governo e como isso está a afetar gravemente as empresas. Para 66,1% das empresas que responderam ao inquérito, a maior dificuldade é a imprevisibilidade decorrente das sucessivas alterações às medidas. Por outro lado, a exigência da redução da faturação como critério de elegibilidade foi referida por 54,3% das empresas como um grande constrangimento e quase um quarto aponta ainda dificuldades no que se refere à obrigatoriedade de resultados de exploração positivos e à obrigatoriedade de ter a situação regularizada face à Autoridade Tributária e Segurança Social.
"As medidas são o que são e são menos do que seria desejável, mas todos sabemos que não haverá liquidez para o desejável e que teremos de apoiar-nos na banca", sublinha Bruno Bobone. No entanto, as condições podem melhorar, acredita o empresário e presidente da CCIP: "O que é necessário é o governo tirar as condições de acesso para todos poderem aceder às linhas, incluindo empresários em nome individual, desempregados, etc., para que a situação tenha solução de imediato", defende.
Bobone acredita que, numa fase posterior, de retoma da economia, o governo terá de continuar muito envolvido nas soluções para garantir que quem não caiu agora não cai a seguir, mas defende que as empresas também têm de se mexer. "Não podemos esperar que o governo ajude acima das suas possibilidades, mas sim que abra ao máximo as condições para as empresas poderem então tomar iniciativas."
E mais uma vez, a informação é essencial, repete. "Há por exemplo uma linha de crédito de 10 biliões que creio que ninguém conhece. E para os empresários em nome individual, estão a desenhar-se soluções semelhantes às dos profissionais liberais, coo os advogados ou os arquitetos."
Quanto aos sócios-gerentes, que têm vindo a lamentar não ser visados nas soluções criadas para combater os efeitos da pandemia, o empresário defende que devia distinguir-se entre os que têm determinada dimensão, "e que têm de ter uma capacidade mínima de reação", e os de microempresas, que são muitas vezes, na prática, mais um trabalhador e para os quais o governo devia olhar e desenhar soluções à medida.