Dinheiro
08 maio 2021 às 07h33

Famílias cada vez mais preocupadas com bomba-relógio das moratórias

As moratórias têm sido um balão de oxigénio. Mas este apoio está cada vez mais perto do fim. Os especialistas alertam para a necessidade de as famílias se prepararem para o embate que aí vem e deixam recomendações.

Sara Ribeiro

O fim das moratórias de crédito está aproximar-se a passos largos. E, apesar dos vários alertas que têm sido feitos para o potencial desta bomba-relógio que pode rebentar no final de setembro, ainda não é conhecida nenhuma solução concreta para ajudar a mitigar o eventual impacto do fim deste apoio, o que está a gerar manifestações de preocupação junto de muitos portugueses. Os especialistas contactados pelo Dinheiro Vivo alertam que as famílias, as empresas e os bancos devem começar a preparar-se para o embate que aí vem. E avançam com sugestões para ajudar os agregados familiares a encontrar soluções para ajudar a suster o impacto.

Olhando para os números, percebe-se a dimensão das eventuais consequências que podem surgir com o fim das moratórias de crédito. Até porque, Portugal foi um dos países onde mais se recorreu a esta medida de apoio tendo, assim, um maior problema em mãos para resolver. Os últimos dados divulgados pelo Banco de Portugal, relativos a final de março deste ano, revelavam que existiam perto de 323 mil particulares e quase 54 mil empresas a beneficiar de moratórias.

Já o montante global de empréstimos abrangidos por este instrumento era de 41,9 mil milhões de euros, menos 3,7 mil milhões do que em fevereiro. Esta variação é explicada, sobretudo, pelo decréscimo dos créditos à habitação devido ao término da moratória privada com efeitos em março, uma situação que já está a obrigar algumas famílias a fazer contas à vida, revelou ao Dinheiro Vivo João Calado. O coordenador do Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores (GOEC) e professor do ISEG observa que "infelizmente, já se sente alguma preocupação das famílias com esta realidade, mas acreditamos que o impacto só se começará a sentir de forma mais significativa com o processo de desconfinamento em curso".

À Deco, desde setembro de 2020, também têm chegado vários pedidos de ajuda da parte de famílias que começaram a ser confrontadas com o fim de algumas moratórias privadas e com a obrigação de retomar o pagamento das suas prestações. "Muitas destas famílias continuavam a ser confrontadas com situações de desemprego, com perda de rendimentos em geral impossibilitando-as de retomarem o pagamento das prestações", apontou Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira. "Esta é, aliás, uma das situações a que temos assistido com as moratórias privadas, onde as famílias que ainda não conseguiram recuperar os seus rendimentos, ao serem confrontadas com o fim das moratórias," são "levadas e entrar em incumprimento", lamentou.

Antecipar problemas para aguentar o embate
As famílias que aderirem às moratórias têm sentido um alívio orçamental que em breve poderá acabar. O fim deste apoio poderá ter "consequências graves, nomeadamente, levar ao incumprimento das prestações de crédito", avisa o coordenador do GEOC. Depois da moratória hipotecária privada ter chegado ao fim em março, no final do próximo mês irá acabar a moratória privada direcionada ao consumo. E para setembro está agendado o fim das moratórias públicas, que são as que abrangem o maior valor de crédito.

Para quem se encontre numa destas situações, os especialistas aconselham que "antecipe desde já as consequências do fim da moratórias". Como? Além da revisão do orçamento familiar, com vista ao corte de algumas despesas, e do reforço de um pé-de-meia caso seja possível para cobrir eventuais futuras necessidades, outra das sugestões dos especialistas passa por se prepararem para uma negociação com as instituições financeiras.

Mas na hora de conversar com os bancos há cuidados a ter em atenção: "Não vale apena renegociar se o resultado final for a impossibilidade de cumprir", aponta João Calado. Além disso, deixa o aviso que na negociação, o banco "não deverá agravar o spread cobrado". "As instituições financeiras devem adotar uma postura suficientemente flexível na procura de soluções para cada caso em particular", sublinha. Neste ponto, a Deco aconselha ainda que se o spread do empréstimo em causa for acima de 2%, poderá contactar o banco e renegociar este valor.

Outra alteração que pode permitir reduzir o valor da prestação do crédito hipotecário prende-se com o alargamento do prazo do empréstimo. No entanto, como Natália Nunes alerta, ao rever as condições é preciso olhar sempre para os dois lados da balança. Mais tempo para pagar o crédito significa uma prestação mensal mais reduzida, "mas no final a família tem um aumento dos juros a pagar". O mesmo se aplica à renegociação com vista à carência de capital: "um período de carência permite deixar de pagar o capital, continuando a suportar apenas os juros sobre o montante em dívida. Mas esta solução também vai levar no final ao aumento do total de juros suportados com o empréstimo".

Já Filipe Garcia, economista da IMF - Informação de Mercados Financeiros, relembra que muitas famílias poderão ter usado este apoio mais por precaução, mas também haverá um número elevado de casos em que houve perda de rendimentos devido à pandemia. E deixa o aviso: "Para setembro deverão partir do princípio de que não haverá mais um prolongamento das moratórias e devem preparar-se para o regresso à normalidade".

Sara Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo, a sua marca de economia

Tópicos: Economia