Desportos
15 novembro 2019 às 16h31

O pai campeão nacional e o filho que sonha com o título mundial

Surf. João Antunes foi campeão nacional na década de 90 e treina o filho, Afonso, que há dias conquistou a medalha de bronze no mundial júnior.

Isaura Almeida

Foi ainda na barriga da mãe Teresa que Afonso teve o primeiro contacto com o mar. Depois começou a gatinhar na areia enquanto o pai, João Antunes, se despedia do surf, após três títulos nacionais. Afonso, que recentemente foi medalha de bronze no Mundial de juniores, "tem uma vaga ideia" de como foram os primeiros tempos. "Ia todos os dias para a praia com o meu pai e com o meu irmão, que iam surfar, e eu ficava nas ondas pequeninas com uma prancha de bodyboard, daquelas de esferovite. Passava os dias dentro de água", contou ao DN, confessando que nessa altura "ainda nem tinha muito bem a noção do que eram ondas" quanto mais apanhar uma.

Assim que se começou "a pôr em pé em cima da prancha e a cortar a onda", disse logo ao pai que queria "ser campeão do mundo". Para Afonso, surfar é uma forma que encontra para se "expressar", é "uma arte". Se for um tubo melhor ainda. Houve uma altura em que o mar "metia medo", mas recorreu à ajuda do psicólogo José Seabra (manager de Tiago Pires durante 20 anos) e agora o mar só "impõe respeito".

E hoje, o que sente quando surfa? "Sinto-me feliz, não sei descrever...", respondeu antes de atirar que "é isto", leia-se surfar, que quer fazer para o resto da vida: "Desde os meus 7 anos que é isto que eu quero." Mas até onde pode ir? "Até à Liga mundial."

O objetivo é ambicioso. Até hoje só dois portugueses o conseguiram - Tiago Pires e Frederico Morais, os mais recentes embaixadores da modalidade no país. "Portugal tem um enorme potencial no surf mas falta ter mentalidade de emigrar e surfar mais lá fora, conhecer outras realidades e outras ondas", atira o jovem atleta, que já passa umas "boas semanas, senão meses" fora de Portugal, entre a Austrália e o Havai, por exemplo.

Já sonhou "ser melhor do que o Kelly Slater", agora só quer repetir os feitos de John John Florence, o havaiano campeão mundial, que neste ano não competiu por estar a recuperar de uma lesão grave.

Em idade escolar, optou pelo ensino à distância, que lhe permite ter aulas ao mesmo tempo que está fora ou precisa treinar-se: "Não gosto muito de estudar, mas tem de ser e gosto de línguas estrangeiras e geografia."

Na semana passada, Afonso conquistou a medalha de ouro no mundial júnior. O atleta do Ericeira Surf Clube, de 16 anos, obteve o melhor resultado entre os 12 selecionados para defenderem as cores portuguesas, igualando os feitos de Tiago Pires e Vasco Ribeiro, igualmente medalhados nesta competição em edições anteriores. "Fui com o objetivo de melhorar o sexto lugar do ano passado e consegui, mas foi uma semana muito intensa, todos os dias a acordar muito cedo e a ir para casa muito tarde. Mas estou superfeliz por ter conquistado a medalha de bronze. Eu quero sempre mais e queria a medalha de ouro, talvez para o ano, vou lá com o objetivo de melhorar o terceiro lugar", avisou o jovem surfista.

Em maio, Afonso tinha vencido o Rip Curl Grom Search, que reuniu os melhores surfistas de sub-16 do mundo na Costa Rica, conseguindo um feito inédito para Portugal e tornando-se o segundo europeu a consegui-lo, depois do italiano Leonardo Fioravanti. Depois de ter andado em "rodagem" pelas provas do Pro Junior australiano, destacou-se em várias provas de juniores. É o atual campeão nacional de sub-18, foi campeão nacional de sub-14 e de sub-16 em 2017 com apenas 13 anos, e de sub-17, e encontra-se na quinta posição do ranking europeu Pro Junior (sub-18). Estreou-se já neste ano no circuito de qualificação mundial da WSL e fê-lo logo com um 9.º lugar na etapa.

O potencial de um jovem surfista também se mede pelas marcas e patrocínios que tem e Afonso Antunes já é apoiado pela Quiksilver, Pyzel, Meo, creature of leisure e EQ.

Abrir caminho para a liga mundial

"Desde muito cedo" que o pai percebeu o talento do filho em cima de uma prancha. Começou pelo bodyboard e só depois passou para o surf. "Há coisas que nós surfistas notamos logo, coisas tão básicas como o stance, que é a posição natural, e o gosto pelo mar. São duas coisas que para se fazer um bom surfista são essenciais logo de início, e no caso do Afonso notou-se logo isso. Tinha uma posição natural incrível sobre a prancha e adorava o mar, queria passar horas e horas dentro de água", contou o pai. Até aos dez anos "a coisa foi mais na brincadeira", depois viu-se que "havia ali alguma coisa especial" e começaram a investir num futuro no surf.

Para João, ex-tricampeão nacional e um dos maiores destaques do surf nacional e europeu dos anos 1990, não se pode falar de um conflito de gerações, mas no tempo dele os surfistas não tinham estrutura por trás, "era cada um por si". "Há algumas diferenças, mas não é assim tão diferente, as regras do jogo continuam a ser as mesmas", disse, recordando que as pranchas sofreram algumas melhorias técnicas em termos de material. "A única diferença é que há muito mais profissionalismo hoje em dia, mais acompanhamento, as equipas são maiores. No meu tempo era mais cada um por si, não tínhamos treinadores... Como é um desporto muito individual há segredos e guardávamos muitos para nós, mas andávamos em grupos e apoiávamo-nos muito uns aos outros nos campeonatos", recordou João.

A transição de surfista para treinador de surfistas aconteceu naturalmente: "Quando o Afonso nasceu eu já estava em final de carreira e fui preparando a saída. Depois dediquei-me a ele e a treiná-lo." João já tinha outro filho mais velho, que também surfava, mas a partir de certa altura optou pela permacultura (um sistema de agricultura que assenta na sustentabilidade ecológica, humana e financeira).

O papel de pai-treinador é ambivalente e por vezes confundem-se porque "o surf entra em casa", não fosse uma família de surfistas. Mas, quando assim é, "é um surf paternal". "À vezes não é fácil, como também sei que não é fácil para ele fazer de filho e aluno. Às vezes passamos umas fases diferentes e estranhas, mas temos sabido lidar bem com isso, tem sido um ensinamento", confessou o treinador.

João e Afonso formam uma dupla que é novidade no panorama português, mas que é habitual entre os melhores do planeta. Gabriel Medina, campeão do mundo em 2014 e o padrasto Charles, Filipe Toledo e o pai Ricardo Toledo, ou a família Wright de várias gerações na modalidade...

Colegas uma vez por ano

Pelo menos uma vez por ano, João deixa o papel de pai de lado e passa a ser colega de profissão. Na condição de ex-campeão nacional, o pai de Afonso recebe sempre um wilcard para a prova da Figueira da Foz, que "tem umas ondas incríveis", no campeonato nacional. Afonso gostava que fosse assim em todas as provas. Ainda reconhece ao pai capacidades para competir. Aliás, costumam simular heats (competir um com o outro) e o pai "ainda leva quase sempre a melhor". Têm "um à-vontade natural" a competir um com o outro e o teenager está sempre a tentar derrotar o pai.

Afonso está na fase crucial da carreira. Para evoluir precisa de ser acompanhado por um preparador físico, algo que só vai acontecer agora. "Assim que ele começar a trabalhar a parte física vai-se notar uma evolução enorme, mas tem de ser acompanhado de forma correta, tem apenas 16 anos e o corpo ainda está em fase de formação. Vai ganhar flexibilidade e resistência", explicou o pai João.

E com essa evolução toda até onde pode chegar o Afonso? " Até onde quisermos", atirou o pai antes de revelar: "O sonho dele é estar entre a elite mundial e ser campeão do mundo várias vezes. Eu como pai e como ex-profissional do surf estou a traçar-lhe o caminho."