Desportos
17 janeiro 2019 às 19h24

Luta do Sporting por quatro campeonatos chega ao Parlamento

Petição foi assinada por 4470 pessoas e vai ser discutida nesta sexta-feira em plenário no Parlamento. Um assunto sensível que dividiu o Sporting e a Federação Portuguesa de Futebol na presidência de Bruno de Carvalho.

Isaura Almeida

A luta já é antiga, mas prepara-se para ganhar mais um capítulo. Nesta sexta-feira será discutida no Parlamento uma petição que pede o reconhecimento das 17 edições do Campeonato de Portugal, realizadas entre 1922 e 1938 e não declaradas pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Quatro desses títulos foram ganhos pelo Sporting (1922-23, 1933-34, 1935-36 e 1937-38), clube que deu origem à discussão em outubro de 2016. Os leões querem assim ver reconhecidos os quatro títulos de vencedor do Campeonato de Portugal, que, no seu entender, equivalem a quatro títulos de campeão nacional... que deviam somar aos 18 que já são reconhecidos oficialmente pela FPF.

O assunto agradou a Belenenses e demais campeões do Campeonato de Portugal entre 1922 e 1939, assim como causou polémica e atrito entre os leões (na era de Bruno Carvalho) e a FPF. Agora chega à Assembleia da República.

A petição chegou ao Parlamento no dia 28 de março, assinada por 4470 pessoas, por iniciativa de Paulo Almeida, antigo gestor de produto do Sporting e primeiro peticionário. "Não tenho a mínima dúvida do que estou a defender e isto não é uma luta do Sporting, ou não deveria ser, pois são sete os clubes prejudicados e 149 os atletas. Ocorreram episódios idênticos noutros países (Alemanha, Itália, Holanda e Brasil, por exemplo) e as federações demoraram a resolver o problema, mas os títulos já são reconhecidos. Em Portugal, este tema arrasta-se desde 1939", lamentou Paulo Almeida em conversa com os deputados.

O que diz o Diário de Notícias da altura

Criado em 1922, o Campeonato de Portugal foi a primeira competição oficial de futebol de carácter nacional. Os clubes apuravam-se a partir das competições distritais e disputavam depois o Campeonato de Portugal (em regime de eliminatórias), segundo os registos da altura. O Campeonato da I Divisão só foi criado em 1934-35 e teve como primeiro campeão o FC Porto. O Diário de Notícias do dia 21 de janeiro de 1935 dava conta do início dos "campeonatos das Ligas", "para o progresso do futebol português".

Esta competição disputou-se, a título experimental, em paralelo com o Campeonato de Portugal, que foi extinto em 1938, sendo substituído pela Taça de Portugal (usando o mesmo troféu bem como o mesmo sistema de eliminatórias). O campeonato experimental da I Divisão disputava-se já nos sistema de todos contra todos, como acontece ainda hoje na I Liga, enquanto, em paralelo, o campeonato de Portugal seguia os moldes originais das eliminatórias, que hoje se praticam na Taça de Portugal. Segundo os registos oficiais, a atual Taça de Portugal foi criada em 1938-39 e ganha pela Académica. Ora segundo o DN de 26 de julho de 1939, os estudantes bateram o Benfica por 4-3 "numa das mais emocionantes finais dos últimas anos", associando assim a Taça de Portugal ao antigo Campeonato de Portugal.

A Federação considera que a prova não pode ser equiparada ao campeonato atual e respetivo título nacional, mas sim o equivalente à atual Taça de Portugal, que se disputa por eliminatórias. O Sporting, o Belenenses e o Atlético (antigo Carcavelinhos) contestam. No entanto, analisando o Diário de Notícias da altura, há sempre referências ao Campeonato de Portugal como competição por eliminatórias, embora por vezes o jornal se refira ao vencedor como campeão nacional. Enquanto, em 1922-23, o jornal anuncia que o Sporting ganhou o Campeonato de Portugal e recebeu a respetiva taça, já em 1933, por exemplo, noticia que o Belenenses ganhou "a final do campeonato nacional de futebol" ao bater o Sporting, por 3-1.

"Não se pode reescrever a história"

Na petição, o ex-funcionário do Sporting argumenta que não é possível esquecer o passado e reescrever a história: "Em 2021-22 comemoram-se os cem campeonatos nacionais. Portanto, têm de existir cem campeões. O FC Porto foi o primeiro vencedor da prova e tem, na sua loja oficial, a réplica dessa camisola à venda. No entanto, conquistaram o título este ano e apresentaram o número 28, quando deveriam ter colocado o 31. Não percebo. Se foram tão fortes na mudança do seu ano de fundação, de 1906 para 1893, por que é não reconhecem os seus campeonatos, ganhos brilhantemente pelos antigos atletas? Desejo que, até ao centenário, a Federação resolva a questão."

Aliás, Paulo Almeida não entende tanta relutância da FPF. "As provas são evidentes. Existem atas da FPF, um livro do órgão, de 1989, que dá razão aos 17 vencedores do Campeonato de Portugal e, ainda, jornais da época. Não está no nosso poder passar uma borracha na história das primeiras 17 páginas do futebol português", concluiu.

Questionada sobre o grupo parlamentar, a Federação lembrou que foi criada uma comissão de especialistas, historiadores e pessoas de Direito das faculdades de Lisboa, Coimbra e Porto para analisar a questão e que ainda não há resultados dessa investigação. Mas, no entender do organismo que rege o futebol nacional, esses campeonatos de Portugal devem ser reconhecidos como Taças de Portugal.

"A Federação jamais recusou o reconhecimento das edições do Campeonato de Portugal, sendo certo também que não tomou nenhuma atitude suscetível de colocar em causa a história dos clubes e dos jogadores envolvidos na mencionada competição. Acontece, porém, que existem fundadas dúvidas acerca da natureza da competição em causa, levantando-se legitimamente a questão de saber se se deve qualificar tal prova como Campeonato Nacional ou como Taça de Portugal. Na dúvida, a Direção da FPF deliberou proceder à constituição de uma Comissão de Análise, constituída por investigadores das áreas do Direito e da História, pertencentes às Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, que irá propor que seja tomada uma decisão no sentido de reconhecer se a prova equivale a Taça, ao Campeonato ou a nenhum deles, de forma a ser submetida à Assembleia Geral da FPF, para que fique definitivamente esclarecido se os vencedores das diversas edições do Campeonato de Portugal devem ser considerados campeões nacionais ou vencedores da Taça de Portugal", lê-se no documento enviado pela FPF aos deputados.

O assunto é de tão difícil análise que, segundo Arons de Carvalho, a quem a comissão pediu um parecer sobre o assunto, vai "ser difícil deliberar" e até chegar a alguma conclusão.

A luta não é só do Sporting

A questão foi levantada por Bruno de Carvalho, ex-presidente dos leões, em outubro de 2016, durante uma visita ao Núcleo do Sporting em Braga: "Somos 22 vezes campeões nacionais. O Sporting não passa de 18 para 22 por milagre, passa porque fomos campeões quatro vezes nos anos 30. Nunca ninguém reclamou esses títulos, mas, sendo nossos, vamos parar com essa história dos 18", pediu o então líder leonino, que durante a sua presidência criou uma página própria na internet para explicar a luta leonina e revelar os seus argumentos.

Para Bruno de Carvalho, a verdade não pode ser adulterada: "Podem demorar o tempo que quiserem que a verdade não pode ser adulterada, ou seja, o Campeonato de Portugal (entre 1922 e 1938) era, como aliás está inscrito no site da Federação Portuguesa de Futebol e reconhecido pelos jornais da época, a competição que servia para apurar o campeão nacional de futebol."

A questão levantou polémica e não demorou a virar assunto nacional. O Belenenses e o Atlético (antigo Carcavelinhos) juntaram-se pouco depois ao grupo de clubes que lutam pelo reconhecimento de mais títulos de campeão nacional. Entre 1922 e 1939, além dos quatro títulos que os leões reclamam, há ainda a registar quatro para o FC Porto, três para o Benfica, três para o Belenenses e um para o Carcavelinhos, um para o Marítimo e um para o Olhanense.

No caso da equipa do Restelo, estão em causa as conquistas do Campeonato de Portugal em 1926-27, 1928-29 e 1932-33. "Entende o Clube de Futebol Os Belenenses que estes títulos, tendo sido conquistados na única prova de cariz nacional que se disputava no nosso país, devem ser justamente contabilizados e somados ao título de Campeão Nacional de 1945-46, confirmando-se desta forma o cariz único de um clube que sempre esteve ao nível dos maiores", justificou em comunicado do clube do Restelo.