"Cansei-me de entrar nas lojas e sentir dono à espera que eu vá roubar"

Eni Aluko nasceu em Lagos, na Nigéria, mas naturalizou-se por Inglaterra. Joga na Juventus desde a época passada, mas o racismo em Itália levou-a a deixar a Vecchia Signora

"Neste fim de semana, jogarei meu último jogo pela Juventus, encerrando um ano e meio de grande sucesso e muita aprendizagem. Cheguei no verão de 2018 atraída por um grande clube, ainda a dar os primeiros passos como equipa feminina, e por um grande projeto dentro e fora do campo do qual eu pude fazer parte. Em campo, conseguimos muito sucesso rapidamente: um título, uma taça e uma Supertaça italiana. Fora do campo, acho justo dizer que as coisas foram um pouco diferentes..." Foi assim que Eni Aluko anunciou que ia deixar os campeões italianos e regressar a Inglaterra, farta de viver situações incómodas de racismo.

A jogadora confessou, num artigo de opinião no jornal The Guardian , que "os últimos seis meses foram difíceis" e explica porquê. Quando chegou a Itália não sabia se iria adaptar-se ao estilo de jogo ou à cultura, idioma e cidade de Turim, mas aos poucos foi descobrindo o país. Eni aproveitava os dias de folgas para viajar por Itália, ir a eventos, galerias, lojas... e quase sempre vivia situações relativas à sua cor de pele que não lhe agradavam.

"Cansei-me de entrar nas lojas e sentir como se o dono esperasse que eu fosse roubar alguma coisa. Chegar ao aeroporto de Turim e pedirem que os cães farejadores te tratem como se fosses o Pablo Escobar [antigo narcotraficante colombiano]. Eu não fui vítima de racismo por parte dos fãs da Juventus ou na liga feminina, mas há um problema em Itália e no futebol italiano e é a resposta a isso que realmente me preocupa, da parte de proprietários e dos adeptos do futebol masculino que parecem ver o racismo como parte da cultura do adepto", confessou a jogadora inglesa.

Desejando que a Juventus se reforce para "competir com os melhores da Europa", Eni Aluko, espera ainda que Itália aposte na profissionalização do futebol feminino. Mas, segundo ela, se o clube quiser continuar a atrair o talento da Europa, é preciso "fazer com que os internacionais se sintam em casa e uma parte importante do projeto a longo prazo". Caso contrário, mesmo se a equipa estiver a jogar bem e a ganhar, "é uma questão de tempo" até que a jogadora pense: "Se é assim, vou para casa." Foi o que aconteceu com ela

O último jogo vai ser com a Fiorentina, vice-campeã da última temporada: "É um grande jogo na disputa pelo título, frente a um rival importante. Estou ansiosa para dizer adeus aos adeptos da Juventus, que me mostraram respeito e carinho. No domingo voo para casa."

O racismo no futebol italiano masculino tem sido notícia a nível mundial e são muitos os casos reportados. Em 2018, Cristiano Ronaldo saiu mesmo em defesa de um jogador do Nápoles que tinha sido insultado durante um jogo com o Inter.

O caso mais recente aconteceu com Mario Balotelli do Brescia num jogo com o Hellas Verona. O avançado de 29 anos reagiu aos insultos atirando a bola para a bancada. Depois saiu do relvado em direção às cabinas, mas os outros jogadores acabaram por demovê-lo e ele continuou em campo. Confrontado com este incidente, Matteo Salvini, líder do partido Liga Norte, de extrema-direita, respondeu: "Com 20 mil empregos em risco, Balotelli é a última das minhas preocupações. O racismo e o antissemitismo devem ser condenados sem 'mas', ou 'ses'. Contudo, um trabalhador da Ilva [empresa siderúrgica] vale 10 vezes mais do que Balotelli."

Entretanto os 20 clubes da Série A do Calcio comprometeram-se a combater o "grave problema" do futebol italiano com o racismo, porque não há mais "tempo a perder". Em comunicado os clubes explicaram porque "não podem mais ficar calados" face aos vários incidentes recentes: "É um problema que não fizemos o suficiente para combater ao longo dos anos."

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