Desde os tempos áureos de Joaquim Agostinho, na década de 70 do século passado, que Portugal não se habituava a ter um nome para apresentar na discussão dos pódios das grandes voltas do ciclismo internacional, até chegar João Almeida. Se o terceiro lugar no Giro de 2023 o colocou nesse patamar, a carreira consolidada desde então comprova que tem fibra de elite. Numa equipa (UAE Emirates) e numa era marcada por um talento geracional como Tadej Pogacar, no entanto, a margem de protagonismo de Almeida (e de quase todos os outros) é limitada às folgas de calendário do esloveno. Quando isso acontece, como é o caso da Volta a Espanha que este sábado começa, a expectativa ganha legitimidade: será esta a oportunidade para ver João Almeida fazer algo que nem Agostinho conseguiu e coroar-se numa das três grandes voltas internacionais?À ausência de Pogacar, o líder incontestado da UAE Emirates e figura maior do pelotão internacional atual, soma-se outra ausência de vulto de outro esloveno: Primoz Roglic, o homem que venceu quatro das últimas seis edições da prova e que este ano abdicou de se tentar isolar como o recordista de vitórias da Vuelta – reparte o feito com Roberto Heras, quatro conquistas cada um –, aumentado assim as hipóteses dos restantes contendores. Como João Almeida.Mas isso não faz desta Vuelta um passeio no parque, claro. Longe disso. Sobram dificuldades de monta pela frente. Seja no percurso, recheado de grande montanha ao longo das próximas três semanas, seja na coleção de rivais. A começar por um nome que se destaca dos demais: o do dinamarquês Jonas Vingegaard. Se Tadej Pogacar não tem nesta altura um palmarés ainda mais recheado no ciclismo internacional, muito se deve ao nórdico que lidera a Visma-Lease a Bike, que ganhou o Tour em 2022 e 2023 e já terminou no pódio em seis grandes voltas, incluindo um segundo lugar na Vuelta em 2023, ano em que, na verdade, “ofereceu” a vitória ao seu colega Sepp Kuss, para um pódio inteiramente dominado pela Visma.Este ano, Vingegaard regressa à Vuelta depois da frustração do Tour perdido para Pogacar e, mesmo se a sua forma é uma incógnita, não se tendo mostrado após o segundo lugar na Volta a França, o dinamarquês já garantiu que se apresenta “para ganhar”."Estou aqui pela vitória geral", afirmou ao site da equipa. "E com o apoio desta equipa, essa parece uma meta realista. Há muitas etapas em que as diferenças podem ser feitas, então é importante estar pronto desde o início. E eu estou pronto", assegurou.Com o apoio de uma equipa fortíssima, que inclui nomes como Sepp Kuss, Matteo Jorgenson e Victor Campenaerts, o dinamarquês é considerado o claro favorito à vitória. E, logo, o grande obstáculo a uma possível vitória de João Almeida, que, esta semana, assumiu já aqui no DN, em entrevista, que o pódio “é um objetivo realista”. “Se o Vingegaard não estivesse, eu poderia ter mais hipóteses de ganhar. Estamos a falar do segundo melhor voltista da atualidade”, reconheceu..João Almeida ao DN: "Pódio na Volta a Espanha é um objetivo realista".Mas há mais rivais a ter em conta, além do óbvio dinamarquês. Desde logo, na própria UAE Emirates, que mais uma vez apostou em repartir a liderança da equipa na prova entre Almeida e o jovem espanhol Ayuso, numa estratégia que já rendeu dissabores no passado. O português garante que estão ultrapassados os desentendimentos com o mais jovem de sempre num pódio da Vuelta (3.º em 2022, com 19 anos), mas essa gestão de protagonismo vai ser um dos maiores desafios.No restante pelotão, há outros nomes ainda capazes de lutar pelo pódio, como o do australiano Ben O’Connor, o único dos que subiram ao pódio em 2024 a estar presente este ano. Depois do segundo lugar surpreendente no ano passado, volta com nova equipa, a Jayco AIUla, onde estará rodeado de outros grandes trepadores, como Eddie Dunbar e Chris Harper. "Temos uma equipa forte, com Ben, Eddie e Chris", assumiu o diretor Steve Cummings. "Nove das etapas terminam em subida, por isso esperamos que consigam chegar lá nessas chegadas, e vamos tentar manter o O'Connor na disputa pela classificação geral”.A lista de outsiders inclui os ex-vencedores do Giro d'Italia Egan Bernal (Ineos Grenadiers) e Jai Hindley (Red Bull-Bora-Hansgrohe), assim como os italianos Giulio Ciccone (Lidl-Trek), Giulio Pellizzari (Red Bull-Bora-Hansgrohe) e Antonio Tiberi (Bahrain Victorious), ou o canadiano Derek Gee (IPT)..Três adversários na luta pelo pódio Jonas VingegaardEquipa: Visma-Lease a Bike Na ausência dos eslovenos Primoz Roglic e de Tadej Pogacar, o dinamarquês de 28 anos emerge como a grande figura da Vuelta, onde tentará ultrapassar a desilusão de mais um Tour perdido para Pogacar em julho e voltar a ganhar uma grande Volta, depois das conquistas de 2022 e 2023 em Paris. Juan AyusoEquipa: UAE Emirates Um dos perigos para João Almeida está na própria equipa, com a repetição da liderança bicéfala com o espanhol Juan Ayuso. Com 22 anos, é uma das grandes promessas do país vizinho e já acabou no pódio em 2022, aos 19 anos. Desistiu nas últimas duas grandes voltas (Tour24 e Giro25). Ben O’ConnorEquipa: Jayco Alula O australiano é o único dos que subiram ao pódio em 2024 a marcar presença na Vuelta deste ano. Terminou num inesperado segundo lugar no ano passado após um longo período de vermelho, apenas anulado por Roglic nos últimos dias, num ano em que também foi 4.º no Giro e 2.º no Mundial..Principais dificuldades Etapas 6 e 7 (28 e 29 de agosto)Primeiro contacto com a alta montanhaDuas etapas consecutivas nos Pirinéus a testar a forma dos favoritos, com a meta em exigentes subidas de primeira categoria: Pal (Andorra) e Cerler (Huesca). Etapa 9 (31 de agosto)Exigente final de primeira semanaEtapa bastante longa, de quase 200 km (195), com um difícil obstáculo antes do dia de descanso: a subida de primeira categoria à estância de esqui de Valdezcaray. Etapas 13 e 14 (5 e 6 de setembro)Angliru e Farrapona, os monstros das AstúriasDuas etapas duríssimas consecutivas, após as quais ficará bem definido o restrito lote de candidatos, se não mesmo já o vencedor. Primeiro, o monstruoso Angliru fecha uma etapa com três exigentes subidas nos últimos 50 km. No sábado, chegada ao alto de La Farrapona, nos Lagos de Someido. Etapa 18 (11 de setembro)O contrarrelógio individualA única luta individual contra o relógio nesta Vuelta chega perto do final, em Valladolid, com quase 30 km de extensão (28). Etapa 20 (13 de setembro)Última oportunidade: A Bola do MundoA etapa final de alta montanha apresenta duas ascensões nos últimos 50 km ao Puerto de Navacerrada. A última subida faz-se pelas exigentes rampas da Bola del Mundo, com partes de quase 20% de inclinação, até 2200 metros acima do mar.