Vicente Pereira
Vicente PereiraFoto: Gerardo Santos

Vicente Pereira. O supercampeão que não pode ir aos Jogos Paralímpicos

Natação adaptada. Jovem português, portador de Síndrome de Down, é considerado um dos maiores da natação mundial
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Já perdeu a conta às medalhas conquistadas. Esteve à conversa com o Diário de Notícias depois de ter levado para casa mais 11 medalhas de ouro (seis individuais e cinco por estafetas) nos últimos Campeonatos da Europa. Vicente Pereira acumula vários recordes mundiais: nos 50 e 100 metros livres e nos 50 e 100 metros mariposa. E o seu nome já está na história da Natação.

O seu principal objetivo é o de conseguir incluir provas de natação para atletas portadores de Síndrome de Down nos Jogos Paralímpicos. Mas as quotas atribuídas pelo Comité Olímpico Internacional ainda não permitem que o sonho de Vicente se concretize. Mesmo sem poder participar nos Jogos, o Comité Paralímpico de Portugal decidiu homenagear o jovem nadador.

Quem é o Vicente Pereira, para além de seres um campeão da natação?

Para além da natação, eu sou Vicente Pereira, tenho 20 anos e gosto de fazer outras coisas. Sou bem disposto e não me zango muito.

Lembras-te da primeira vez que entraste numa piscina?

Sim, lembro. Foi sensacional. Quando entrei numa piscina, eu senti que a água é o mundo onde quero estar. Senti essa paixão pela água, logo no início, e comecei a dar as minhas braçadas.

Mas não sabias nadar nessa altura? Não tiveste medo?

Não sabia nadar. Por isso, eu acho que tive medo, mas agora já passou. Adoro estar na piscina.

E quem é que te incentivou a nadar? Foi na escola, foi na família, foram amigos?

Bem, foi pelos amigos da escola. Comecei a treinar no Sporting e foi incrível. E treinava com eles.

E depois, percebeste que estavas a evoluir mais do que os outros teus colegas que nadavam contigo?

É verdade, eu já evoluí muito, já sou o melhor do mundo. Faço mais treinos por mim próprio. É dar o meu melhor nos treinos e assim já evoluí muito mais do que os meus colegas.

E até chegares até aqui? Tens algum momento especial que te lembres e que aches muito importante na tua vida de atleta?

Bem, depende. Tenho muitos momentos, eu acho. Fiquei muito feliz em Orlando, gostei muito de estar naquela piscina dos Estados Unidos, na Flórida. Acho que foi incrível estar lá, ganhei muitos medalhas, fiz recordes e gostei muito.

Nessa altura conquistaste sete medalhas de ouro e bateste oito recordes mundiais. Foi nos Campeonatos dos Estados Unidos. Quando entras numa competição vais já com o foco de "tenho de ganhar", ou as coisas acontecem naturalmente?

Acontecem naturalmente. Eu sempre me foco bem, antes de uma prova. É uma mentalidade de campeão. Em momentos, quando entro em provas, ouço alguma música para me motivar, falo com o meu treinador, o que é preciso fazer e eu acho que isso é uma ajuda. Eu gosto de ouvir músicas portuguesas, inglesas e gosto muito.

O que é que te passa pela cabeça quando estás no bloco antes de uma prova?

Quando olho para o bloco, é o momento em que vou arrancar e estou ao máximo. E vou ser o melhor. Não penso em mais nada. Só quero ser o melhor.

Como é que os teus colegas, os teus adversários te veem? Sentes pressão com isso ou não?

Não, não sinto muita pressão. Os meus amigos também me puxam, mas para os meus adversários é difícil. Mas eu acho que eu confio mais nos meus amigos do que nos adversários.

Como é que é um dia de treino para ti?

Eu treino todos os dias, e na quinta e sexta, também faço ginásio. Dentro da piscina são duas horas, duas horas e meia por dia.

Nunca te cansas de fazer sempre a mesma coisa?

Bem, ontem tive treino e pensei, ufa, estou muito cansado, não quero mais. Mas tenho de fazer. E depois isso sai da cabeça e vou em frente.

O que é mais difícil para ti? Acordar cedo, manter a disciplina?

Quando acordo, faço as minhas coisas, preparo-me para o treino. É o meu pai que me vai levar e buscar ao treino. A família é muito importante. É verdade.

O teu treinador, o Rui Gama, já trabalha contigo há muitos anos. Como é que é a relação dele contigo?

A relação dele comigo é incrível. Eu gosto do meu treinador. Ele é uma das pessoas mais incríveis da natação. Também é um grande mister e gosto muito dele. É um amigo mais do que um treinador.

E às vezes “puxa-te as orelhas”?

Bem, algumas vezes sim. Desde os quatro anos comecei a estar com o meu treinador. Eu acho que esse é o momento mais emocionante da minha história com ele.

Qual é o estilo de natação que achas mais difícil?

Bem, é a mariposa, claro.

Mas tens todos os recordes de mariposa... 50 e 100 metros.

Isso é verdade. Eu faço sempre recordes em mariposa. É mais rápida.

O que é que significa para ti veres a tua família aplaudir-te numa piscina?

Bem, isso é mais motivante para mim. A minha família puxa por mim, apoia-me. O meu pai sempre está comigo. Quando a minha família está a aplaudir, fico muito feliz por estar com os meus pais. A minha vitória é por eles. Dedico as provas todas para eles.

E em relação ao público, como é que vês o carinho do público também nas piscinas?

Também é muito fixe. Gosto muito do público. Sempre me apoiam e puxam por mim. Até os meus amigos. Porque geralmente quem vai à frente é que leva mais palmas.

Tu estudaste Culinária e Pastelaria. O que é que te atraiu nessa área?

Eu cozinho bem. Gosto muito de cozinhar, sim. E dou a experimentar aos amigos e à família. A minha receita favorita é a pasta bolonhesa. Gosto muito de comer. E também ajudo os meus pais a cozinhar.

E quem é que lava a loiça no fim?

O meu pai...

Quando não estás a treinar e não estás a cozinhar, o que é que gostas de fazer?

Gosto muito de falar com os meus amigos, ver televisão, Youtube e também jogo.

Sentes-te discriminado por não haver provas para nadadores com síndrome de Down nos Jogos Paralímpicos?

O meu sonho é ir aos Jogos Paralímpicos. Ainda sou muito novo, mas o meu grande sonho é lutar muito. Eu acho que é muito difícil, mas a federação ou o comité paralímpico estão a resolver tudo e a tentar. Eu acredito que isso vai para a frente.

Como te imaginas no futuro?

O meu sonho é ser um treinador. Gosto muito de ser treinador, tirar tempos, ajudar o meu treinador. O Rui motiva-me. Isso é muito bom.

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