26 junho 2018 às 00h17

Portugal não abdica de ser campeão do sofrimento

A trivela de Quaresma, o penálti falhado de Cristiano, a influência do videoárbitro e um susto de morte. Seleção na rota do Uruguai

Rui Frias

Não há volta a dar. Portugal parecia ter tudo encaminhado contra o Irão para, por fim, poder desfrutar de uma vitória tranquila e redentora. Quaresma apresentou a sua trivela à história dos campeonatos do mundo de futebol, ainda antes do intervalo, Cristiano Ronaldo teve nos pés um penálti para fazer o 2-0, logo na reentrada, Espanha emperrava com Marrocos no outro jogo do grupo... e o cenário era estranhamente plácido para a seleção portuguesa. Pura ilusão. A tormenta voltou em força para a parte final e Portugal acabou com o coração nas mãos, a suspirar de alívio após um remate de Mehdi Taremi, ao quinto minuto de compensação, ter ficado a centímetros de enviar o campeão europeu para casa.

O penálti desperdiçado por Cristiano Ronaldo, aos 53 minutos, acaba por ser a explicação mais óbvia para a radical alteração de cenário - foi o sexto castigo máximo desperdiçado pelo capitão da seleção em 14 tentativas com a camisola das quinas e, sobretudo, ficou como mancha mais visível do primeiro jogo infeliz de Ronaldo neste Mundial (marcado também por um cartão amarelo, após consulta do VAR, que deixou os iranianos irados). O 2-0 no início da segunda metade teria certamente provocado danos irreversíveis na estrutura e na crença férreas da seleção iraniana treinada por Carlos Queiroz, o homem que fazia pairar tanto passado sobre o relvado da Arena Mordóvia. Assim, teve o efeito contrário.

Para Portugal, que tinha visto uma primeira parte bem razoável pintada pela trivela mágica de Quaresma, o penálti falhado significou também o regresso dos fantasmas e inseguranças dos dois jogos anteriores: a incapacidade para segurar bola em construção, a ausência de dinâmica de jogo interior, as perdas de bola sucessivas e o convite involuntário para que o adversário cause dano em transições rápidas ou lançamentos em profundidade que expõem a defensiva nacional.

Foi assim que o Irão passou a colocar em alerta o último reduto de Portugal. Pepe ainda foi apagando vários focos de perigo com uma exibição que resgatou a sua melhor versão ao serviço da seleção, mas a agressividade crescente dos iranianos acabou premiada por uma decisão mais do que duvidosa do videoárbitro (VAR), aos 90+3", a conceder penálti num lance em que Amzoun cabeceia a bola contra o braço de Cédric. Ansarifard empatou o jogo, na mesma altura em que, também graças ao VAR, a Espanha salvava um ponto contra Marrocos (2-2). Portugal perdia o primeiro lugar do grupo e, dois minutos depois, via ainda Taremi ficar a centímetros de completar o desastre, com um remate isolado às malhas laterais.Um susto de morte.

Uma trivela mundial

Portugal apareceu com três alterações no onze: Adrien, Quaresma e André Silva. Se Adrien se pode explicar pela gripe que afetou João Moutinho, já as escolhas de Quaresma e André Silva eram nitidamente estratégicas face à apresentação habitual do Irão, uma equipa montada por Carlos Queiroz em blocos defensivos muito baixos, junto à sua área. Com André Silva, Portugal ganhava presença na área; com Quaresma, imprevisibilidade na forma de a bola lá chegar.

Os primeiros 20 minutos tiveram o figurino previsto: Portugal com muita largura de jogo, vários cruzamentos, alternância entre posse curta e passes longos. Uma entrada rápida que fez abanar o muro defensivo do Irão um par de vezes, sem cair (Cristiano Ronaldo voltou a ter oportunidade de "entrar a marcar", mas permitiu a defesa do guarda-redes, aos três minutos).

Numa altura em que o jogo começava a complicar-se para Portugal - que entretanto tinha visto o Irão optar por marcação individual a William Carvalho para secar a principal fonte do jogo português - Ricardo Quaresma resolveu justificar da melhor forma a aposta de Fernando Santos, em cima do intervalo, e apresentar a sua trivela ao Mundial. Um palco onde, recorde-se, o extremo português só agora se estreia, aos 34 anos.

Quaresma e a sua trivela mereciam que este jogo ficasse resolvido assim. Com um momento mágico que arrebatou os aplausos do mundo. Mas esta equipa de Portugal, já se sabe (e há um título europeu a comprová-lo), não vive do encantamento. Vive do sofrimento. E é assim que agora segue para um duelo de grande exigência, nos oitavos-de-final, frente ao Uruguai.