O reguila de Vidago a quem chamam Pote e que brilha no Sporting

Pedro Gonçalves tem 22 anos e um futuro brilhante pela frente, a avaliar pela época que fez no Sporting. 23 golos fizeram dele o melhor marcador do campeonato e uma das figuras de um leão campeão. Natural de Vidago, onde lhe chamam "Potinho", teve o primeiro contrato profissional no Valência aos 17 anos. De origens humildes sempre olhou para o futebol como forma de ajudar a família.
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"Pote. Que raio de apelido para um jogador. Não há cá Pote para ninguém, és o Pedro Gonçalves, e ponto final." Foi mais ou menos assim que Agostinho Oliveira tentou acabar (sem sucesso) com a alcunha que a estrela do Sporting pôs a si próprio. Reguila e resmungão (só em campo), Pedro fez-se jogador profissional e continuou a ser Pote. Quer dizer, em Vidago, onde nasceu a 28 de junho de 1998, é o "Potinho", apesar de já não ser o rechonchudinho fofinho e esfomeado de antigamente.

A pandemia roubou-lhe horas de elogios em conversas de café. A situação não está para grandes convívios, mas, por estes dias a mãe (Maria) não consegue sair de casa sem ser interpelada por alguém. Querem saber do Potinho que é capa de jornais e orgulho da aldeia, que se habituou a ver o miúdo passar com a bola debaixo do braço quando vinha da escola. Os emigrantes da terra inundam-lhe as redes sociais com mensagens de parabéns. Há benfiquistas e portistas a torcer por ele e dizem que só não querem que ele marque ao seu clube.

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Foi na histórica vila transmontana com pouco mais de mil habitantes, onde o sol aperta no verão e a geada faz enrugar o corpo no inverno, que Pedro nasceu para o futebol, com a ajuda de Jorge Pires, o vizinho que sonhava ser empresário de jogadores e que o representa desde os 10 anos. Foi no Vidago, onde o pai foi diretor e a mãe tratava da roupa, que Pedro Gonçalves começou a jogar em equipa. Antes eram as ruas e o campo da escola primária que o viam bater bola e dar toques.

Marcava golos que se fartava. O relato do talento do miúdo de Vidago rapidamente chegou ao Chaves, mas o maior clube da região estava em crise e em risco de fechar portas, e o empresário, que entretanto tinha ido estudar para a universidade em Braga e conhecia os dirigentes da formação bracarense, resolveu levá-lo ao clube minhoto. Para trás ficaram os recordes de número de golos da Associação de Futebol de Vila Real. Um deles ainda hoje está em vigor: 72 golos numa época (2008-09).

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Foi Luís Martins (ex-treinador do Sporting) que o recebeu no Sp. Braga - no primeiro teste fez uma finta e picou a bola por cima do guarda-redes -, mas foi Agostinho Oliveira quem melhor compreendeu o talento do reguila de Vidago. O ex-selecionador nacional foi talvez a pessoa mais importante na formação do agora jogador do Sporting e que se fartou de lhe dar na cabeça. Perdia muito tempo a conversar com ele e levou-o pelo bom caminho, "não que ele fosse miúdo de se meter por maus caminhos", mas porque precisava de levar os treinos e os jogos "com mais comprometimento".

"Dizia-lhe que não bastava ser talentoso, que há muitos miúdos com talento que não fazem carreira, que tinha de evoluir em todos dos aspetos do jogo. Eu criei algumas gírias como desembrulhar (fintar, ganhar a posse da bola e passar) ou estender (passar ao colega). Então dizia-lhe para desembrulhar, estender e pedir um café e uma água. Ou seja ficar a ver desenrolar aquilo que tinha começado. Tinha muita qualidade, fazia tudo bem feitinho, mas era essencial fazer que tivesse um envolvimento com o jogo", contou ao DN Agostinho Oliveira.

Tinha 11 anos quando foi sozinho para Braga. Foi o jogador mais jovem a ser contratado pelo clube minhoto. Vivia numa residencial. Foi duro, mas nem uma só vez o ouviram falar em desistir: "Ele era um puto respeitador, mas reguila, e acho que isso o ajudou a ser atrevido no jogo, descarado mesmo. Teve uma infância difícil e por vezes passava por momentos de revolta. Ele queria singrar e ser jogador, ganhar dinheiro para ajudar a família, e não teve essa oportunidade no Sp. Braga, mas soube ultrapassar isso."

Agostinho viria depois a deixar o Sp. Braga e o clube deixou de olhar para Pote com os mesmos olhos. Tinha 17 anos e ainda tinha contrato de formação, por isso quando o Valência de Espanha, então treinador por Nuno Espírito Santo, lhe ofereceu um contrato profissional, nem pensou duas vezes. Tudo em nome de uma crença (do empresário) e do desejo do jogador: ser profissional e ajudar a família.

De origens muito humildes, o jovem extremo leonino agarrou-se ao futebol como forma de sustento familiar. Mandava sempre dinheiro para a família. As opções de carreira foram feitas também a pensar na família. Com uma infância marcada pela morte do pai biológico, quando a mãe estava grávida, Pote cresceu consciente das dificuldades económicas da família. A mãe voltou a casar-se e Pedro encontrou em João (bombeiro, como o pai biológico) o pai que a vida lhe roubou. Mesmo sem grandes posses, fazia um esforço para o levar aos jogos quando o empresário não o podia fazer.

Humilde (até nos ídolos - Rúben Neves e João Moutinho) e sem grandes ilusões na vida, Pedro sabe que hoje está no auge, mas amanhã pode não estar. Por isso leva um dia e um objetivo de cada vez. Dono de uma personalidade forte, é também muito esquecido/distraído. Quando jogava em Valência perdeu o telemóvel, mas só deu conta depois de receber uma chamada em casa de uma senhora brasileira, que por acaso era mulher de um treinador da formação do clube che, a dizer que tinha o telemóvel dele.

Outra vez, também no aeroporto, perdeu a carteira. Pedro resolveu vir passar o Natal a Portugal, mas, quando estava no aeroporto, precisou de ir à casa de banho e esqueceu-se da carteira em cima da tampa do autoclismo. Ficou sem documentos em plena época natalícia e a precisar de regressar a Espanha cinco dias depois.

Depois de dois anos em Valência apareceu uma proposta do Wolverhampton (então na segunda liga inglesa), que era financeiramente melhor e o levou para Inglaterra. Jogou nos sub-21, sub-23 e 20 minutos num jogo da Taça da Liga pela equipa principal. Pouco para quem precisava de jogar para evoluir. Houve equipas do Championship a mostrar interesse nele, mas quando Miguel Ribeiro e João Pedro (que tinha estado na formação do Sp. Braga quando o Pote lá estava) o chamaram para ir para o Famalicão, ele foi.

Desconhecido entre os portugueses, deu logo nas vistas na equipa sensação da I Liga 2019-20. O Sporting teve olho para Pote e arrancou-lhe um sorriso e um "vamos a isso". Era um grande do futebol português a querer contratá-lo. Os leões pagaram 6,5 milhões de euros, mais objetivos por 50% do passe. Assinou até 2025 (cláusula de rescisão de 60 milhões de euros).

Convenceram-no com um projeto que passava por ser uma grande aposta e não mais um para jogar de vez em quando. Nesta altura desfruta do facto de jogar no Sporting e sem dar passos maiores do que a perna. Mas "claro" que sonhava ajudar o Sporting a ser campeão.

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Os elogios são aos potes. O apelido ganhou nova força no Sporting. "Pote de ouro", "Qualidade aos potes" ou "Potes de talento" são algumas das manchetes que já se fizeram com Pedro Gonçalves, o médio que está a fazer esquecer as saudades de Bruno Fernandes e que além de se ter sagrado campeão nacional pelo Sporting, tornou-se na quarta-feira o melhor marcador do campeonato, com 23 golos, um objetivo alcançado depois de na última jornada ter apontado três golos na goleada por 5-1 ao Marítimo, que lhe permitiram ultrapassar Seferovic. Mais do que isso, há 25 anos que o melhor marcador do campeonato não era português- o último tinha sido Domingos Paciência, na época 1995-96.

Esta noite Fernando Santos anuncia os 26 convocados para o Europeu. Estará o nome de Pedro Gonçalves na lista? Seria fechar com chave de ouro uma época em cheio.

Artigo originalmente publicado no dia 11 de novembro de 2020 e atualizado a 20 de maio de 2021.

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