Depois de dois anos nos Sacramento Kings, que o escolheram no draft de 2021 e fizeram dele o primeiro português a jogar na NBA, Neemias Queta seguiu para os Boston Celtics e conquistou, esta época, o mais importante Campeonato de Basquetebol do mundo. Está de férias em Portugal e, depois de um jogo entre amigos organizado pela Betclic, esta semana dá dicas a jovens basquetebolistas no Neemias Queta Training Camp..Como é ser Campeão da NBA pelos Boston Celtics? Não sei explicar, é top, é excelente. A equipa trabalhou imenso durante o ano inteiro e todos com o mesmo objetivo - e a forma como foi, a forma como delineámos, no início do ano, o que queríamos fazer e conseguimos fazer, foi excelente. E, para mim, foi muito importante ter este tipo de oportunidade. Tínhamos um grupo bastante unido e isso foi o que nos fez sobressair no fim de tudo. Para o adepto, a NBA é espetáculo, mas eu não estou lá para dar espetáculo, estou lá para ganhar. A época é dura. São três jogos por semana. Felizmente lido bem com as deslocações e tenho companheiros de viagens excelentes como o Payton Prit- chard, o Jaden Springer ou o Al Horford..Depois de ser campeão revelou que o seu pai morreu na véspera do jogo do título. Como está a ser o regresso a casa sem ele cá?Custa muito. Falta uma parte de mim, enfrento um dia de cada vez. Ele deve estar muito feliz por mim. Foi um misto de coisas boas e más, para o qual ninguém está preparado. Ele dizia que só queria que eu fosse alguém na vida e sei que alguns acham que cumpri esse desejo ao ser campeão, mas isso é debatível. Ele iria querer mais para mim. Era um pai exigente que, como qualquer pai, só quer o melhor para os filhos. Ele queria muito que eu estudasse, mas também queria que eu cumprisse o sonho de ser jogador de basquetebol. Um já cumpri. Ainda me falta um ano para terminar o curso, mas é uma questão de fazer as cadeiras por semestres. Tenho estado em pausa desde que fui escolhido no draft em 2021, mas é algo que está no topo da minha lista de prioridades, acabar o Curso de Jornalismo..O que ainda há desse menino do Vale da Amoreira que, em 2018, foi à procura do sonho nos EUA?Eu acho que sou a mesma pessoa. Os outros dirão se sentem o mesmo. Faço a minha vida um bocado na mesma, sou tranquilo, humilde, tento trabalhar todos os dias para poder ser uma pessoa melhor. Até agora foram cinco anos muito únicos, característicos, diria. Deu para viver um bocado de tudo e viver em muitos sítios diferentes. Isso ajudou-me imenso a tornar-me a pessoa que sou hoje, porque só com essas batalhas consegui superar-me. .Já não dá é para andar a passear na rua livremente...Ainda dá. Ainda agora passei uma tarde inteira com os miúdos no bairro, ali na rua mesmo, junto à churrasqueira. Deu para fazer um bocado do que fazia sempre desde criança. Consigo ter a humildade para perceber que as pessoas já olham para mim como alguém que venceu na vida, mas eu diria que acaba por ser sempre relativo. Acho que tenho vindo a criar um bocado de, não diria furor, mas atenção mediática e percebo que as pessoas fiquem contentes comigo e por mim. A visibilidade é boa se for bem apro- veitada. Dizer não é uma opção e eu já tive de dizer não algumas vezes..E o Neemias, está satisfeito consigo próprio? Tenho de estar, acima de tudo estou a fazer o que mais gosto, o que mais quero, o que sempre quis fazer na vida, jogar basquetebol e jogar basquetebol na NBA... então não posso nunca reclamar. O campo ainda é, claramente, o melhor sítio para se estar. Passei metade da minha vida num campo de basquetebol, é algo que faz parte de mim..Dá ideia de que o campo e a bola o desinibem...Tem de ser, não tenho escolha. O campo é algo que sinto ser o meu habitat, onde sou mais natural. Acho que sou um bocado mais desinibido, mais aberto, dentro de campo. Não diria que consigo expressar-me melhor, mas sou capaz de mostrar umas facetas da minha personalidade que no dia a dia não mostro. .Olhando para o início de tudo: o Campeonato Universitário deu-lhe as valências de que precisava para chegar à NBA?Sim, sem dúvida. Ter ido para a Universidade de Utah e jogar nos Aggies foi das melhores escolhas que fiz na vida. Não só em termos académicos, mas também pela forma como consegui potenciar-me lá... no país da NBA. Para os atletas estrangeiros é difícil chegar à NBA e, estando lá, facilitou-me imenso a vida. Obviamente, nem tudo foi fácil, e foi um processo gradual. Desde adolescente, ainda no tempo do Barreirense, já tinha a ideia de ir para os Estados Unidos e, a partir do momento em que fui à seleção, fortaleci o objetivo de investir no meu próprio futuro indo para o Campeonato Universitário norte-americano. E a partir do momento em que um dos meus treinadores me disse que eu tinha capacidades para fazer algo bonito no basquetebol, e até fazer vida disso, passei a levar a sério. Estudei a trajetória de outros jogadores que faziam um bocado o que eu fazia, a maneira como evoluíram com o tempo, e isso fez-me acreditar e trabalhar com o objetivo visível de chegar à NBA..Foi fácil acreditar que tinha um futuro ou duvidou de si mesmo? A dúvida sempre esteve lá, mas quando decidi trabalhar por objetivos de curto e longo prazo, em vez de lidar com incógnitas, facilitei imenso a minha vida. Objetivo por objetivo ficou claro para mim que era esse o caminho a seguir e tinha algo para me guiar..Disse numa entrevista que houve quem se riu do seu sonho. Não deve ter sido fácil de ouvir...Nada fácil, eu diria mesmo nada fácil, mas, acima de tudo, eu não quis deixar que fosse assim. Se as pessoas querem rir, problema delas. Não sou de vinganças, nem sou um homem rancoroso. Eu só tive de continuar a trabalhar e dar os passos certos para cumprir o sonho. Isso foi muito óbvio para mim, a partir do momento em que tive de viver sozinho e lidar com as responsabilidades adultas da vida e foi fundamental para a pessoa que sou hoje..Então, aquilo que para o basquetebol português foi um feito histórico, ser escolhido no draft 2021, para si foi "apenas mais um passo"?Sim. Foi isso. Fiquei feliz, obviamente, mas não me contentei em chegar à NBA. Sabia que era só o início da minha carreira, que ainda havia e há mesmo muito por se fazer. Tinha desistido de me propor ao draft de 2020 e muitos já pensavam que não voltaria a ter essa oportunidade, mas revelou-se uma decisão sábia. Acho que não fazia sentido nenhum estar a ir para a NBA quando eu não me sentia pronto. Portanto, assim foi um atrás, para depois dar dois em frente..E o próximo passo será...Ganhar de novo, continuar a evoluir, ser um jogador cada vez mais importante e ter um ano ainda melhor do que o ano passado..Quando foi dispensado pelos Kings sentiu que o sonho estava em causa?A partir do momento em que soube que já não ia ficar nos Kings, nem demorei muito a pensar nisso, se ia tentar ficar nos EUA ou aceitar propostas da Europa. Estava a fazer as malas para ir embora e regressar a Portugal quando Boston ligou. Foi muito rápido. A mala já estava feita [risos] e eu pronto para o próximo passo na carreira. Fiquei muito animado ao saber que uma equipa com tanta qualidade estava a interessar-se por mim. Perceber que tinham prazer em ter-me na equipa, e que eu podia contribuir, convenceu-me logo. Já nem me lembro bem da primeira conversa com o treinador [Joe Mazzulla], mas sei que disse que contava contigo e para aproveitar cada oportunidade que me iria dar. E deu. Ele sempre foi muito exigente comigo e a partir do momento em que consegui perceber o que queria de mim, e o quanto confiava em mim, foi uma questão de trabalhar muito e deu tudo certo até agora. .Jogou tanto quanto estava à espera?Tive de lidar com as minhas expectativas, claro. Eu estou sempre à espera de fazer tudo da melhor maneira possível e, se não correr como eu imaginava, que seja de uma maneira que termine com uma vitória. Uma boa época é sempre relativa. Podemos analisar minutos, pontos, ressaltos, mas se terminar com mais um anel de campeão, então, estará tudo bem..Depois de ser campeão, assinou um contrato plurianual para continuar nos Boston Celtics. Acabou a indefinição? Este contrato dá-me estabilidade. Não tenho de estar a fazer as malas todos os anos e além disso estou muito integrado na cidade. Sou uma pessoa de casa, tranquila. Às vezes não tenho leite em casa, tenho de ir ao supermercado e vou sem problemas. Faço as coisas normais e a comunidade portuguesa em Boston tem sido muito importante para mim. Vejo sempre bandeiras nos jogos e há sempre uma palavra em (bom) português. .Essa garantia de futuro financeiro é muito importante para um menino que veio do Vale da Moreira...Sim, mas eu ainda não estou a pensar na reforma [risos]. Estou a desfrutar de tudo. Acima de tudo sou um fã do desporto e vejo todos os jogos de basquetebol, futebol e futebol americano que consigo. Normalmente não me interessa quem está a jogar, estou a ver os jogos só porque sim. Quando era criança não conseguia ver os jogos às três da manhã, agora que estou lá aproveito..Tem noção de que há muitas mães que chateiam os filhos para ir dormir, porque há escola no dia a seguir e eles querem ficar acordados para ver os seus jogos?[Risos]. Desculpem lá mães, mas a culpa não é minha... Vejam em diferido..Mas consegue perceber o impacto que tem na vida destes jovens? Antes andavam com uma camisola do Michael Jordan, do Kobe Bryant e do LeBron James e agora andam na rua com camisolas a dizer Neemias... Além disso tem a sua cara estampada num prédio de oito andares...Sim, é um bocadinho surreal. Muita gente, quer sejam crianças ou adultos, mostra amor, apoio e isso é muito bom, dá-me força de vontade e energia para procurar mais e mais. .E o basquetebol português? Tem noção de que a prática da modalidade cresceu nos últimos anos para valores recorde de 30 mil federados em 2023.Sim, a Federação disse-me isso. Mas não, não é culpa minha. Eu diria que o basquetebol nacional está em boas mãos. A Liga Betclic tem vindo a fazer um grande trabalho aqui em Portugal, expandindo, quer em termos televisivos, quer em dar visibilidade às equipas e à formação, tanto no setor masculino como no feminino. Há muitos miúdos a quererem jogar lá fora e expandir o seu jogo, por isso acho que estamos num bom caminho. Também sei que muitos gostariam de me ver mais na seleção, mas é mais uma questão para a Federação e a equipa gerirem. Desde jovem que tenho representado a seleção e é sempre um sentimento indescritível. É um amor diferente, que não sei explicar bem..isaura.almeida@dn.pt