Neemias Queta está, pela segunda vez, posicionado para o draft da NBA. A 29 de julho ficará a saber se será o primeiro português a entrar na liga profissional americana de basquetebol, a maior e mais competitiva do mundo. Ser escolhido "é complicado", mas não tanto como se pensa. "Tudo depende de ter uma boa agência. Só talento não chega", avisa Jean-Jacques, a lenda do basquetebol angolano, que brilhou no Benfica e que agora ajuda outros basquetebolistas a chegar onde ele não quis entrar.."Quem controla o draft são as agências. Os jogadores assinam por uma agência devidamente licenciada para trabalhar com a NBA e depois é essa agência que escolhe as equipas onde eles vão fazer treinos de exibição e quando o fazem já sabem as necessidades das equipas. O lugar no draft também é controlado porque quanto mais acima estiver melhor contrato fazem e mais dinheiro dão a ganhar aos intervenientes no processo. Tem tudo a ver com dinheiro e interesses económicos", explicou ao DN o antigo jogador, que em 2019 ajudou Bruno Fernando a ser o primeiro basquetebolista angolano a entrar no mais famoso campeonato de basquetebol mundial..Neemias propôs-se ao draft - processo anual de escolha de jogadores. E agora? Vai continuar a treinar, vai assinar com um agente que tratará de todos os passos e burocracias, desde a escolha dos clubes a quem o treina. Os Toronto Raptors são apontados como os mais interessados no até agora número 23 dos Utah State Aggies, nomeado para melhor defesa do campeonato universitário. "Se ele vencer este prémio, haverá mais pessoas a querer saber quem é e a querer olhar para os números dele. Uma equipa que precise de um defesa pode optar por ele no draft claramente", explica Jean-Jacques..A nomeação não é por acaso. Os números do português esta temporada impressionam os especialistas, com médias de 14,9 pontos, 10,1 ressaltos, 3,3 desarmes, 2,9 assistências e 1,1 roubos de bola por jogo. Números poucas vezes vistos no campeonato universitário - a antecâmara da NBA -, onde ele conseguiu dois recordes: mais desarmes (97) e mais desarmes (nove) num jogo..O poste português de 22 anos está apontado ao top 20 das escolhas. Um bom indicador que não é garantia de nada. O antigo jogador lembrou o caso de Bruno Fernando, que era o 19.º colocado e só entrou na segunda ronda do draft. Bruno foi escolhido na 34.ª posição do draft de 2019 pelos Philadelphia 76ers, mas foi envolvido numa troca e acabou nos Atlanta Hawks. "Há muitas negociações pelo meio, mas o importante é entrar. Podes ser um bom jogador e não entrares na NBA e podes ser fraquinho, fraquinho e seres colocado entre os 10 primeiros do draft que quase garante a entrada e, mesmo sem potencial, fazem um contrato que lhes garante um futuro sem problemas financeiros", explicou..Isto porque jogar cinco épocas na maior e mais competitiva liga de basquetebol do mundo dá direito a reforma vitalícia, que pode representar 50 ou 60 % dos contratos que cada jogador faz. Essa vai ser a primeira luta de Neemias se entrar na NBA, garantir um contrato de quatro anos. Depois só precisa de mais um ano para receber valores astronómicos até ao fim da vida. Também aqui existem muitos jogos de poder e muito dinheiro envolvido. Muitas vezes os jogadores terminam os quatro anos de contrato e chegam a acordo com os clubes para ficar mais um ano mesmo sem receber nada porque isso lhes garante a reforma..O valor mínimo são cerca de três milhões de dólares por ano. "É muito dinheiro para uma pessoa que não faz nada", brinca Jean-Jacques, que não é empresário, mas gosta de ser "o padrinho", aquele que "abre algumas portas" e, em alguns casos, "ajuda a entrar"..Jean-Jacques não conhece pessoalmente o poste dos Utah State Aggies, nem teve nada a ver com a sua ida para os EUA, mas colabora com uma das maiores agências de recrutamento da NBA, onde alguns ex-colegas de equipa de quando jogou em França e Espanha, ocupam posições de peso, e já ajudou a colocar alguns atletas nos EUA, como Bruno Fernando. Por exemplo, Jaques Conceição - filho mais velho de Jean-Jacques - hoje com 31 anos e a jogar no Galitos, esteve quatro épocas nos William Paterson Pioneers, de New Jersey, mas não entrou na NBA. Agora é a vez do outro filho tentar: Sílvio de Sousa tem 22 anos, joga na equipa da Universidade de Kansas e vai propor-se ao draft 2022..Nome incontornável na história do basquetebol nacional e internacional, eleito melhor jogador africano de sempre e selecionado para o Hall Fame internacional, Jean-Jacques liderou o dream team do Benfica que encantou Portugal e a Europa na década de 1990. Foi quando jogava nos franceses do Limoges que teve a porta da NBA aberta: "Eu já era um jogador experiente, não era um jovem e queriam oferecer-me o ordenado mínimo, que naquela altura eram 150 mil dólares. Já não era jogador para ordenado mínimo e ganhava quase o dobro. Nessa altura, a NBA não era a loucura e espetáculo que é agora e não aceitei", recordou o angolano com casa em Massamá e que vive entre Portugal e Angola..Homem de fé, Jean-Jacques é pastor da igreja da Assembleia de Deus Pentecostal e conselheiro da direção do 1.º de Agosto, clube que o viu nascer para o basquetebol. Com um papel importante na formação e acompanhamento de jovens, diz que "há muito talento em Angola" e no próximo ano "se Deus quiser, vão seis atletas para os EUA"..Neemias Esdras Barbosa Queta nasceu em Lisboa a 13 de julho de 1999, mas foi viver com os pais para o Vale da Amoreira, bairro social na zona da Moita. Começou a jogar no Barreirense com dez anos "por diversão", desafiado a fazer uns lançamentos enquanto via os treinos da irmã mais velha. E só aos 17 começou a levar o basquetebol "mais a sério"..Aos 18 mudou-se para o Benfica, onde jogou até aparecer a oportunidade de ir para os EUA, já depois de dar nas vistas no Europeu sub-20, em 2018, ao ser considerado o melhor jogador na sua posição e o mais promissor basquetebolista da sua geração..Tinha propostas de Portugal e de Espanha, mas, com o sonho da NBA em mente, aceitou a proposta da Universidade de Utah State. Em 2019, depois de uma época estrondosa e uma final da March Madness (a NBA universitária) propôs-se ao draft e treinou nos Utah Jazz, mas desistiu. Optou por voltar ao universitário para ficar um jogador "mais completo" e poder voltar às escolhas em 2021 e cumprir o tal sonho, como contou em entrevista ao DN em 2019: "Gostava de ser um jogador com grande potencial na NBA e chegar ao Hall of Fame.".isaura.almeida@dn.pt