Mário Rui: "Sinceramente não tenho esperanças em estar no Mundial"

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Pedra basilar no apreciado Nápoles de Maurizio Sarri, Mário Rui é uma figura quase anónima no universo do futebol português. Para isso muito contribui o facto de estar há sete anos em Itália, os últimos dois passados em clubes de topo; primeiro a Roma e agora o já citado Nápoles, líder do campeonato italiano. Nesta entrevista ao DN, o defesa alentejano mostra muita compreensão com as escolhas de Fernando Santos mas no entanto não descarta totalmente a possibilidade de poder representar a Itália no futuro, pois está grato ao país que lhe deu projeção. Ao DN, Mário Rui conta como está a viver-se em Nápoles a atual época desportiva, aquela em que os adeptos sentem que podem quebrar o jejum de vitórias no campeonato e que data de 1990, numa altura em que o clube do Sul de Itália era capitaneado por um tal de Diego Armando Maradona.

Vamos começar pelo Mário Rui futebolista português, atualmente titular do Nápoles, líder do campeonato italiano. Sente que em Portugal a maior parte das pessoas não o conhece?

Isso se calhar é uma grande verdade, porque eu saí muito cedo de Portugal, mas sinceramente não perco muito tempo a pensar nisso. Concentro-me no que tenho de fazer no dia-a-dia e no campo, digamos assim. Saí muito cedo mas estou muito bem integrado em Itália. Estou muito contente pelo que tenho feito até agora, sei que ainda posso fazer mais e melhor, mas não penso muito no facto de em Portugal, provavelmente, não ser reconhecido.

É alentejano de Sines. Fez parte da formação no Sporting, saiu para o Valência, voltou a Portugal para os juniores do Benfica e depois do Mundial sub-20 em 2011 vai para Itália em definitivo. Está arrependido do caminho que tomou?

Não, aquilo que tem acontecido na minha carreira nos últimos anos não deixa espaço a qualquer arrependimento. Mas fiz algumas coisas quando era jovem e que não foram assim tão boas. Se fosse hoje não as faria...

Refere-se a alguns comportamentos que teve. Vi que uma vez referiu que no Sporting, onde esteve seis anos, foi sempre bem tratado mas que nem tudo correu bem por sua culpa.

Sim, quando somos mais jovens... ao fim ao cabo saí de casa para ir para a Academia muito cedo. No Sporting deram-me cama, mesa e roupa lavada. Foi lá também que, em parte, me educaram.

Parece ter um percurso semelhante ao de Bruno Fernandes, que agora está a brilhar no Sporting. Saíram ambos muito jovens de Portugal e singraram em Itália...

Sim, saímos muitos jovens, de divisões inferiores, conseguimos chegar à série A e demonstrámos que éramos jogadores de série A.

Têm uma relação próxima?

O contacto que tivemos foi quando jogámos um contra o outro e depois de nos termos conhecido quando nos defrontávamos ficávamos a conversar e cada um a contar as suas experiências.

Está com 26 anos, não tem pena de nunca ter atuado na I Liga portuguesa?

Sendo português, claro que jogar na I Liga é um objetivo, mas até hoje não tive contactos com qualquer equipa da I Liga, mas no futuro nunca se sabe.

Nestes anos nunca nenhuma equipa portuguesa demonstrou interesse nos seus serviços?

Que eu saiba não.

Se algum dia voltar tem preferência por algum dos três grandes?

Sinceramente não, estive no Sporting e no Benfica e ambos foram muito importantes no meu crescimento. Por mais estranho que possa parecer, porque são clubes rivais, tenho carinho pelos dois. Mas entre os três grandes, e apesar do que disse, o que pesaria mais seria sobretudo o projeto e o interesse demonstrado em mim, afinal não é todos os dias que um grande do futebol português revela interesse num jogador.

Em pequeno por que clube torcia?

Digamos que a minha cidade, Sines, era muito benfiquista e eu gostava de ir contra a corrente porque era do contra... só para chatear.

Portugal está com dificuldades em ter defesas-esquerdos em condições físicas ideais para o Mundial, pois Raphaël Guerreiro e Fábio Coentrão têm sido intermitentes devido a constantes lesões. Ainda tem esperança de estar no Mundial da Rússia?

Sinceramente não espero, porque até hoje nunca fiz parte do lote de jogadores mais vezes convocado, por isso penso que seja muito difícil numa altura destas. O Guerreiro já esteve, e bem, no Europeu, o Fábio Coentrão está a voltar aos níveis a que nos habituou, por isso a escolha deve passar por eles os dois. E nos últimos jogos também foi chamado o Antunes, que esteve muito bem. Penso que o lado esquerdo da defesa da seleção está bem preenchido.

Foi alguma vez pré-convocado?

Pré-convocado sim, no ano passado, na Roma, numa altura em que regressava de lesão e o lote era alargado, acima de 30 jogadores. Acabei por ficar de fora, mas foi uma decisão justa, pois eu estava a voltar de lesão.

Mas não se questiona por que razão não é chamado quando é titular do Nápoles, líder de uma das principais ligas europeias? Ainda por cima tem um passado de seleções, só lhe falta mesmo representar a seleção A.

Posso revelar que no ano passado ainda tive algumas conversas com o professor Ilídio Vale, mas neste ano... diretamente não me disseram nada e, pelo que sei, nunca mais fui pré-convocado. Mas é normal... a seleção também já tem o seu lote fechado e julgo que é complicado para alguém que nunca foi entrar agora.

Leva sete anos de Itália, se quiser pode tornar-se cidadão italiano...

Se pedir os documentos sim, posso ser italiano.

Visto que nunca foi internacional A português, aceitava se o convidassem para representar a Itália?

Sinceramente... não sei. Penso que só saberia se aceitava se fosse confrontado realmente com essa possibilidade, mas, ao fim ao cabo, tenho muito a agradecer à Itália, pois foi o país que me proporcionou poder jogar ao mais alto nível. Em Portugal fiz apenas uma época de II Liga e pouco mais. Para já, o meu pensamento, o meu sonho, é o de poder representar ao meu país que é Portugal. No futuro se verá, dependerá sempre de muitos fatores.

O Nápoles lidera o campeonato italiano e não o vence desde Maradona em 1990. Como está a viver-se no clube e na cidade a perspetiva de voltar a ganhar?

O entusiasmo é enorme, há muitos anos que não se ganha e claro que Maradona é lembrado e há muitas comparações porque este é o ano em que o Nápoles está mais perto de voltar a ser campeão desde 1990. Estamos em primeiro, a praticar bom futebol, a marcar muitos golos e a sofrer poucos. E isso cria entusiasmo nos adeptos... mas já me avisaram que o entusiasmo agora vivido não tem comparação com o que pode vir a ser se ganharmos o campeonato.

Os adeptos do Nápoles têm fama de serem muito fanáticos...

Daquilo que vi até agora são os mais fanáticos que já vi. São calorosos, fazem que todos os jogadores se sintam importantes, mesmo aqueles que jogam menos.

E também são assim quando a equipa não ganha?

Posso dizer-lhe que quando perdemos frente à Atalanta na Taça de Itália, que era uma prova que queríamos conquistar, no final do jogo aplaudiram-nos e perceberam a nossa frustração. Foram impecáveis com a equipa.

Já conheceu Maradona?

Não, ainda não tive esse privilégio. Os meus companheiros na época passada tiveram essa oportunidade porque ele esteve cá de visita à cidade e ao clube.

Pode ser que esteja para breve. Se o Nápoles for campeão é garantido.

Acho que sim, acho que sim [risos].

Grandes jogadores portugueses como Paulo Sousa, Figo, Rui Costa e Sérgio Conceição foram campeões italianos. Sente-se preparado para engrossar esta lista?

Não me posso colocar ao nível desses grandes jogadores, nem perto estou. Mas era bonito entrar nessa lista até pelos jogadores que referenciou. Seria uma bonita história para contar aos netos.

Se o Nápoles for campeão vai ser feriado em Sines?

Não sei [risos] . No dia em que eu voltar, sim, terei que organizar uma festa em condições.

Foi um choque a eliminação na Liga dos Campeões?

Digamos que sim. Não era um grupo muito fácil, mas tínhamos o objetivo claro de passar a fase de grupos porque seria importante para nós defrontar os melhores, porque éramos e somos vistos como uma das melhores equipas europeias. Infelizmente não foi possível, passaram o Manchester City e o Shakhtar do Paulo Fonseca, e nós concentrámo--nos noutros objetivos.

Gostava de defrontar o Sporting ou o Sporting de Braga na Liga Europa...

Vou confessar-lhe, antes do sorteio da Liga Europa estava a torcer para defrontar uma equipa portuguesa, gostava muito que isso acontecesse. E sem tirar o mérito ao Sp. Braga, preferia defrontar o Sporting.

Torce por uma final Nápoles-Sporting?

Seria magnífico. Nós agora temos um obstáculo muito complicado, o Leipzig, que defrontou o FC Porto na Liga dos Campeões. Se seguirmos em frente podemos começar a acreditar nesse cenário.

Neste ano está emprestado pela Roma mas há uma cláusula obrigatória de compra. Foi Maurizio Sarri, que já o tinha treinado no Empoli, que o convenceu a rumar ao Nápoles?

Tinha sido meu treinador e essa foi uma das razões, porque já o conhecia e também a maneira como ele treina. E vindo para aqui sabia que podia ganhar alguma coisa de importante. O empréstimo com obrigação de compra é um modelo muito usado em Itália e é por objetivos, que já foram alcançados. Penso que no futuro próximo continuarei por aqui.

Fala-se muito de que Grimaldo, defesa-esquerdo do Benfica, pode ser seu colega e concorrente na posição...

Não se fala aqui muito nisso. Se vier a concretizar-se será bem-vindo.

Que opinião tem sobre o Grimaldo?

Aqui em Itália vejo muito poucos jogos de Portugal, porque não tenho nenhum canal português. Sigo os jornais e percebo que é um futebolista de qualidade. Se vier será mais um para ajudar e isso será ótimo.

Maurizio Sarri nunca lhe falou de Grimaldo?

Nunca me disse nada.

Outro futebolista português que tem sido muito associado ao Nápoles é Rui Patrício... seu antigo colega na Academia de Alcochete, até porque Reina está em fim de contrato.

Nunca fomos colegas de equipa, mas vivemos ambos na Academia. Rui Patrício já demonstrou a toda a gente as suas qualidades. Não me compete falar de mercado e de transferências, mas se viesse seria uma grande ajuda.

Os responsáveis do Nápoles nunca lhe pediram opinião sobre Rui Patrício?

Diretamente nunca me perguntaram nada.

Era bom ter um português na equipa?

Sim, era muito bom, até porque desde que estou em Itália nunca tive um compatriota na mesma equipa.

Estamos a viver o ano de estreia do VAR. Aqui em Portugal tem sido muito polémico, em Itália está a ser bem aceite?

Estava à espera de que por ser novidade houvesse alguma dificuldade, mas na realidade está a ser muito bem aceite. Eu tinha algum receio em relação aos tempos mortos, mas as decisões têm sido tomadas com celeridade e, na atualidade, é muito difícil qualquer equipa vencer ou perder um jogo com um lance irregular. E isso é bom. Há aquela situação de que ao marcarmos um golo não sabemos se podemos festejar. Pode levar dois, três, quatro minutos. Ao início recordo-me de que demoravam mais tempo a decidir. As coisas estão melhores, mas há sempre espaço para melhorar.

Como lateral já enfrentou em Itália extremos de enorme qualidade. De todos qual foi aquele que lhe deu mais trabalho?

Mohamed Salah, que está atualmente no Liverpool. Tanto como adversário como colega de equipa, no ano passado na Roma.

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