Em três dias, Paulo Gonçalves perdeu tudo no Dakar - até a memória da queda que o atirou ontem para fora de prova. Herói na primeira semana de rali, o piloto da Honda passou a vítima de todos os imprevistos, na segunda. Após a avaria de terça-feira, e a forte penalização de quarta-feira, ontem uma aparatosa queda deixou Speedy Gonçalves inconsciente e com um traumatismo craniano moderado, obrigando-o a desistir..O piloto de Esposende foi vítima de uma grave queda na fase inicial - quilómetro 118 - da 11.ª etapa da mítica prova de todo-o-terreno, entre La Rioja e San Juan (centro da Argentina). Gonçalves ainda terá tentado continuar em competição, mas acabou por ser encontrado inconsciente - sendo assistido por uma equipa médica do rali e transportado de helicóptero para um hospital local. Após ter recuperado os sentidos, continuava a queixar-se de fortes dores de cabeça e foi-lhe diagnosticado um "traumatismo craniano moderado" - indicou a sua assessoria de imprensa, em comunicado..O impacto da queda foi tal que Paulo Gonçalves não se recorda como tudo aconteceu. "Terminei da pior forma este Dakar 2016. Ao que parece, tive uma queda forte. A verdade é que não me recordo do que se passou: disseram-me que consegui seguir com a mota até uma zona de público e ambulâncias [onde perdeu os sentidos e acabou por ser resgatado]", explicou o motociclista, de 36 anos, citado pela sua assessoria de imprensa. "É lamentável para mim e para a equipa. Merecíamos muito mais", acrescentou o piloto português, que até segunda-feira era apontado como o principal favorito à vitória no rali..[artigo:4980785].Sonho tornou-se pesadelo."A luta e a entrega serão totais. O resultado será fruto das circunstâncias. O Dakar é das corridas mais imprevisíveis", dizia Paulo Gonçalves, ao DN, a dias do arranque desta edição, sem sacudir a responsabilidade de ser o maior candidato ao triunfo - ao ostentar o n.º 2, na ausência do n.º 1 (Marc Coma, vencedor em 2014 e 2015, reformou-se). E assim foi: o piloto de Esposende entregou-se à corrida (com todo o fair-play) e lutou até onde conseguiu. Mas as circunstâncias - e os tradicionais imprevistos do Dakar - não o deixaram chegar ao fim..O sonho da primeira semana de prova converteu-se num pesadelo na segunda. O piloto da Honda ganhou uma etapa (a 4.ª, após Joan Barreda ser penalizado em cinco minutos); passou quatro dias (até ao início da 8.ª) na liderança da classificação; e ganhou o epíteto de "herói" ao parar dez minutos na 7.ª etapa para auxiliar o austríaco Matthias Walkner (KTM), que tinha sofrido uma queda e partido uma perna - a organização premiou o fair-play, devolvendo-lhe o tempo perdido. Porém, a partir de segunda-feira (8.ª etapa), o desejo de ser o primeiro português a vencer o Dakar começou a esfumar-se. Nesse dia, o homem da Honda perdeu o comando do rali para o australiano Toby Price (KTM). E desde então tudo se precipitou..Na terça-feira, o diretor da Honda, Martino Bianchi, anunciou a desistência do português: "Um arbusto entrou no radiador da sua moto e partiu-o. Toda a água saiu e poucos quilómetros depois o Paulo teve de parar com o motor partido." No entanto, como a direção de prova decidiu neutralizar a 9.ª etapa a partir do segundo posto de controlo (por motivos de segurança), Speedy Gonçalves ainda pôde retomar a corrida na quarta-feira, após passar a noite a reparar o motociclo, com a ajuda do compatriota Mário Patrão..Mas o esforço pareceu em vão, quando a direção da corrida decidiu penalizar Paulo Gonçalves em 39.56 minutos - para, de certa forma, compensar os adversários que reclamavam que os acertos na 9.ª etapa tinham beneficiado o português. O castigo atirou o piloto minhoto para o 8.º lugar da geral, já sem grandes chances de lutar pelo pódio. Mas a Honda ainda apresentou um protesto, que esperava ver respondido ontem. A queda de Speedy terminou com a polémica.."A competição é assim. Algo não estava a ir bem nos últimos dias. Termino da pior maneira, mas é preciso seguir em frente e em breve voltaremos a competir", afirmou ontem o português, na despedida. Com ele despediu-se o sonho português de conquistar uma vitória nas duas rodas, aproveitando a ausência dos crónicos campeões das últimas dez edições (Cyril Despres virou-se para os automóveis e Marc Coma tornou-se diretor da corrida). Os únicos pódios de motars nacionais no Dakar continuam a ser os segundos lugares de Ruben Faria em 2013 e Paulo Gonçalves em 2015 e os terceiros de Hélder Rodrigues nas edições de 2011 e de 2012..[artigo:4979919].Faria e Sousa: o mesmo destino.Com a desistência de Paulo Gonçalves, resistem quatro portugueses no Dakar 2016: os motards Hélder Rodrigues, Mário Patrão e Pedro Bianchi Prata e o navegador Filipe Palmeiro, como copiloto do chileno Boris Garafulic. Antes do piloto da Honda, já Carlos Sousa e Ruben Faria tinham visto a mítica prova de todo-o-terreno terminar, para eles, de forma abrupta. .Carlos Sousa despistou-se na 5.ª etapa, numa altura em que chovia intensamente e o vidro ficou embaciado. "O carro junto a um precipício, pendurado em duas pedras", explicou o piloto da Mitsubishi, ao desistir. Um dia depois - há exatamente uma semana -, também Ruben Faria (Husqvarna) foi obrigado a abandonar, depois de ter fraturado um pulso, devido a uma queda na 6.ª etapa. E, ontem, surgiu o mais rude golpe para as ambições nacionais, com o adeus de Paulo Gonçalves. Afinal, parece que o Dakar 2016 não estava destinado aos portugueses.