Juary. O herói do Prater ensina a arte aos miúdos do Santos
Juary Santos Filho marcou uma era no FC Porto, onde toda a gente o recorda como um dos heróis do Prater, que em 1987 conquistaram a primeira Taça dos Campeões Europeus dos dragões frente ao Bayern Munique.
Aos 57 anos, este antigo avançado brasileiro nem quer ouvir falar de reforma e continua a fazer do futebol a sua vida e a sua paixão. Voltou ao Santos, o clube onde começou aos 14 anos - "sou da casa!" - para se tornar estrela do futebol, e depois de ter sido olheiro do clube paulista é, desde há dois anos, treinador da equipa de sub-13 do Peixe, nome pelo qual é conhecido o emblema onde Pelé se tornou rei.
"Sempre gostei de trabalhar com as categorias de base. Quando deixei de jogar voltei para Itália onde treinei a formação do Avellino, Potenza, Nápoles e fui ainda campeão regional de seniores com o Sestri Levante, perto de Génova", revela Juary ao DN, depois de explicar que foi em Itália que tirou o curso de treinador da UEFA.
A vida de emigrante já ia longa demais quando há seis anos resolveu voltar para Santos, onde surgiu a oportunidade de trabalhar num dos clubes do seu coração. Apesar de estar do outro lado do oceano Atlântico, Portugal é um país que não lhe sai do pensamento. "Foi aí que vivi os melhores tempos da minha vida", faz questão de dizer, lembrando que desde o primeiro dia sentiu que iria ser feliz no FC Porto. "Não esqueço a conquista da Taça dos Campeões e a Intercontinental, mas o melhor momento que vivi foi o dia em que cheguei, o carinho que recebi de todos. Cheguei ao FC Porto depois de uma fase muito difícil da minha carreira no campeonato italiano e senti-me logo em casa, foi um momento marcante na minha vida", recorda.
Orgulha-se de ter feito "muitos amigos" nos quatro anos que viveu na cidade do Porto e foi à distância que soube da partida de um dos seus grandes amigos, em 1990. "Senti muito a morte do Zé Beto [guarda-redes dos dragões] e não esqueço Pinto da Costa, Reinaldo Teles, Teles Roxo... e aquela equipa em que os jogadores eram como irmãos", recorda com evidente saudade e emoção, destacando que "há cinco ou seis anos" esteve em Portugal e conseguiu rever alguns dos seus companheiros da altura.
Juary quis esclarecer uma dúvida: "O Fernando Gomes é o presidente da Federação portuguesa?" Quando lhe dizemos que não se trata do bibota, solta uma frase espontânea: "Se fosse, iria fazer-lhe uma visitinha." Fica no entanto "feliz" por o antigo ponta-de-lança fazer parte da estrutura do FC Porto. "Ainda bem que o Gomes está no clube. Isso é muito bom porque cria maior identidade com os mais novos. Aqui no Santos, que tem a melhor formação de jogadores do mundo, essa prática é normal e ainda bem que o FC Porto faz o mesmo. Da última vez que estive aí, estive com o André, Rui Barros, Bandeirinha, Lima Pereira e todos eles estão no clube... é esse o caminho", frisou.
Raiva foi segredo contra o Bayern
A final da Taça dos Campeões com o Bayern no Estádio do Prater, em Viena, teria de ser, obrigatoriamente, tema de conversa com Juary, que entrou ao intervalo para marcar o golo da vitória por 2-1 perante os superfavoritos alemães.
"Você não imagina, mas nós criámos uma raiva tão grande ao Bayern nos quinze dias que antecederam a final...", revelou. "Porquê? O que nós ouvíamos do Artur Jorge e do Octávio Machado, sempre a dizerem que eles eram muito fortes, que íamos ser goleados e já seria bom perdermos por poucos. Quando chegámos a Viena, ligámos a televisão para descontrair e só passavam imagens do Bayern. Quando entrámos em campo tínhamos raiva deles!", conta.
A verdade é que ao intervalo o Bayern vencia por 1-0 e muitos pensariam na altura que a taça estava entregue. É aqui que entra o dedo de Artur Jorge que Juary considera "um dos melhores treinadores" que teve na carreira. "No balneário ele perguntou a cada um de nós qual a nossa idade e depois disse-nos que tínhamos de entrar para a segunda parte para jogarmos o que sabíamos, para jogarmos à Porto e que aquela era a nossa grande oportunidade", revela, acrescentando uma frase de Artur Jorge que não esqueceu: "Vocês já viram que o bicho não é tão feito como eu vos disse que era."
Aos 77 e 79 minutos, Madjer e Juary deram a volta ao resultado e o FC Porto conseguia um feito histórico: era campeão europeu. "Se virem as fotos da altura, eu não apareço na volta olímpica ao relvado. Fui direto para o balneário. Queria tomar banho e regressar ao Porto. É daquelas atitudes que não se explicam", conta, revelando o momento em que teve a consciência do que tinha acontecido: "Quando entrei no avião é que me caiu a ficha. Espera aí... somos campeões europeus, cara! Foi aí que toquei na taça pela primeira vez."
Juary considera que as conquistas que aquela equipa teve só foram possíveis graças ao espírito de grupo que reinava. "Tínhamos génios, como o Futre ou o Madjer, mas o segredo era o conjunto. Havia uma grande amizade e respeito entre todos que cresceu nos almoços que fazíamos todas as sextas--feiras", assume, destacando uma figura muito importante: Fernando Gomes. "Era um grande capitão, aprendi muito com ele. Logo no primeiro ano fui passar o Natal a casa dele e ficámos com uma ligação muito forte", recorda.