Jorge Fonseca: "Saboroso, mas queria mais"
Jorge Fonseca conquistou esta quinta-feira a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio ao bater por waza-ari o canadiano Shady Elnahas."Foi saboroso, mas queria mais. Trabalhei para o ouro, trabalhei bastante, mas consegui o bronze. Agora é trabalhar para o próximo", afirmou à RTP. É a 25.ª medalha Olímpica de Portugal em 100 anos, a terceira do judo, depois de Nuno Delgado (Sidnei 2000) e Telma Monteiro (Rio 2016) e a primeira de Portugal em Tóquio 2020.
"Queria tanto esta medalha e não sabia o que fazer, estava desesperado. Vou trabalhar para ir buscar o dedo a Paris", acrescentou, assumindo que nas meias-finais sentiu cãibras, algo que lhe acontece quando está nervoso. "Sou bicampeão do mundo, eu trabalho para o ouro, não para o bronze. Vou trabalhar para o ouro em Paris", reiterou, tendo dedicado a medalha à Adidas e à Puma, que terão rejeitado patrocinar o judoca: "Que estatuto preciso para ser patrocinado por eles?"
Fonseca já tinha mostrada ambição e confiança antes de Tóquio 2020, em conversa com o DN. "Estou num momento épico e espero chegar aos Jogos no meu melhor e o meu melhor é estar no pódio e se não for no lugar mais alto vou ficar desiludido. Quero o ouro e vou trabalhar para isso", disse o judoca.
Não foi épico como ele queria e ficou-se pelo bronze, mas quando foi ao pódio receber a medalha ainda protagonizou um momento hilariante ao tentar colocar a si mesmo o ouro. Os atletas recebem as medalhas numa bandeja para evitar contatos e foi nessa altura que o português simulou que ia pegar no ouro. Uma brincadeira que revela o lado divertido do gigante do judo português, que não conseguiu conter as lágrimas no pódio.
O ouro é do japonês Aaron Wolf, que na final da categoria de -100Kg vingou o português e venceu o sul-coreano Guham Cho.
Isento na primeira ronda da categoria de -100 kg, o judoca entrou esta quinta-feira confiante no tatami do Nippon Budokan, onde já tinha sido feliz em 2019, ao conseguir então o primeiro título mundial para o judo português, a toda a velocidade.
Toma Nikiforov não estava preparado para o que aconteceu no primeiro combate do português, que resolveu o assunto em 17 segundos. Primeiro, um tímido ataque, numa tentativa de pega, de Nikiforov, e, depois, Jorge Fonseca, seguro e eficaz, no seu primeiro ataque, projetou para ippon, terminando de imediato o combate, ainda a 3.43 do fim.
Nos quartos-de-final, o português reencontrou o russo Niiaz Iliasov, num combate de resistência e paciência. Chegaram empatados ao golden score, prolongamento do combate após os quatro minutos iniciais -, e ambos com um shido (castigo), após o primeiro minuto, por falta de combatividade, mas Fonseca levou a melhor.
Na terceira ronda, o bicampeão mundial e segundo do ranking mundial, foi derrotado por waza-ari pelo sul-coreano Cho Guham, a 15 segundos do fim, e relegado para a discussão do bronze. Durante a luta, Jorge Fonseca sentiu alguns problemas na mão esquerda, que não o impediram de conquistar um lugar no pódio.
No combate pelo pódio, o treinador Pedro Soares teve uma importância vital. O ex-judoca não pode dar indicações com os combates a decorrer, mas fê-lo mais de uma vez, sendo por isso expulso da cadeira junto ao tatami. O treinador sentiu que Jorge estava a precisar de um incentivo e sabe que tem uma influência muito grande sobre o judoca e por isso arriscou. Foi já do lado de fora que viu a conquista do seu pupilo, por waza-ri, frente ao canadiano Shady Elnahas.
"Teve de ser o meu treinador a motivar-me. Disse-me que tinha de ir buscar o bronze, fez-me acreditar que era possível. Fui buscar o que era meu, o bronze, mas eu quero mais, quero mais. O ouro em Paris", prometeu Jorge Fonseca.
Nascido em São Tomé e Príncipe a 30 de outubro de 1992, Jorge Fonseca chegou a Portugal com 11 anos. Ainda jogou à bola com os outros miúdos na rua, "mas não tinha jeito nenhum" e começou a praticar judo numa escola na Damaia seduzido pelos combates de Pedro Soares. Queria fazer judo, mas não tinha dinheiro e isso emocionou e sensibilizou o ex-judoca, que o ajudou e ainda hoje é seu treinador no Sporting.
Demorou pouco a impor-se no tatami e em 2013 deu mostras de poder fazer carreira no judo. E quando a glória ameaçava chegar a vida trocou-lhe as voltas. Aos 17 anos foi pai e as prioridades mudaram. Pouco depois o judoca descobriu que tinha um tumor na perna (linfoma) e só com a ajuda do sorriso do filho conseguiu ter forças para voltar ao judo. Foi uma vitória pessoal, mas poucos sabiam disso quando se apresentou nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, meses depois de acabar a quimioterapia. Saiu do tatami brasileiro em lágrimas depois de eliminado na primeira ronda e terminou em 17.º lugar. Depois foi sempre a subir.
Em 2019 conquistou o seu primeiro título mundial, feito que repetiu há dois meses, num ano, que também ficará marcado pela conquista de uma medalha olímpica no Japão, o país preferido do jodoca e onde já esteve 15 vezes!
Jorge é uma força da natureza e torna possível o impossível. Foi assim com a mudança de São Tomé e Príncipe para Portugal aos 11 anos, o linfoma que lhe ameaçou a carreira em 2015, a infeção por covid-19 sofrida junho de 2020 e a desvalorização profissional que sentiu na pele após ser campeão mundial em 2019. "Se um é sorte, dois é o quê?", atirou na reportagem do DN antes da viagem para Tóquio, onde contou como entrou "em modo monstro" para conquistar o segundo título mundial.
E nem o sonho (falhado para já) de ser polícia o vai travar. Ele garante que não se arrependeu de dizer que queria ser polícia, e depois de vencer o bronze e de bandeira nacional nas costas voltou a referi-lo, mas prefere não falar sobre isso. Primeiro não entrou por não ter o 12.ª ano (agora já tem), depois pela idade (limite é de 27 anos e ele já fez 28).
Será que a medalha Olímpica vai mudar alguma coisa?