O mar é o seu mundo e, mesmo depois do ponto final no alto rendimento, não consegue desligar-se das pranchas. João Rodrigues é o atleta português com mais participações olímpicas. Esteve em oito edições de Jogos, sendo que sete como atleta e uma na função de adido da Missão portuguesa.Dedicou-se a ensinar os mais novos, mas continua a competir. Numa outra classe do Windsurf, a Raceboard, mas com a mesma energia de quando se sagrou pela primeira vez campeão mundial em 1995. Por isso, não admira que tantos anos depois tenha de novo subido ao pódio num Campeonato do Mundo e com o ouro ao peito. Entre quase 90 atletas foi o primeiro em Mandelieu, no sul de França. Venceu em termos absolutos e também na categoria GrandMaster.. O velejador luso tem 54 anos e não se considera com muita idade para continuar a investir na competição. Até deu uma gargalhada quendo questionado pelo DN sobre a idade. “Sobre o facto de me chamarem veterano, talvez no bilhete de identidade. Na minha cabeça continuo a ser uma criança. Uma pessoa a querer ir ao mar e que adora fazer o que faz. O Raceboard tem uma particularidade: abrange todos os escalões etários. O mais novo pode ter 15 anos e o mais velho 70. Até aos sub23 os atletas juntam-se às mulheres e competem juntos. A partir dessa idade competem todos os restantes. Alguns dos meus colegas olímpicos competem agora no Raceboard. Neste Mundial que venci, não me lembrava de fazer uma regata com 90 participantes na minha categoria há muito tempo, o que é um espetáculo”, referiu.A classe Raceboard é reconhecida oficialmente pela World Sailing e distingue-se pela utilização de pranchas equipadas com bolina, permitindo competir com vento fraco e desenvolver competências fundamentais da vela e do windsurf. João Rodrigues fala desta nova etapa na sua vida com muito entusiasmo: “Tenho com o Raceboard uma verdadeira história de amor. Esta classe existe há 50 anos e expressa a origem do Windsurf. É uma prancha clássica, mas que foi evoluindo – mantém as dimensões (3,80m), mas as velas mudaram (agora chegam aos 9,5 metros) e não é monotipo. A classe olímpica é monotipo (todos competem com pranchas exatamente iguais). Quando acabei o Alto Rendimento, dediquei-me mais ao Raceboard e fomos desenvolvendo velas, porque se podia melhorar. A empresa que estava a trabalhar connosco enviava os protótipos, nós testávamos antes de lançarem no mercado. Começámos em 2017. Há pouco tempo testei a vela dessa época, que pesa mais 2 Kg do que as atuais, e achei que já não era nada bom”.Com uma forte componente formativa e custos mais acessíveis, a Raceboard tem sido também, recentemente, uma porta de entrada para jovens atletas e um pilar essencial na formação de velejadores que mais tarde atingem o patamar olímpico.“Esta classe tem sido muito popular para pessoas que competiram ao mais alto nível, com classes olímpicas. Agora está a rejuvenescer. As pessoas encontram na Raceboard o espírito da vela”, confirmou. Em 2026 Portugal vai receber o Campeonato da Europa. Será em Monsaraz, no Alqueva. João Rodrigues admite que não é uma zona com muito vento, mas, ao contrário do que se pensa habitualmente, tem as melhores condições para a prática da modalidade, como o olímpico explica: “Esta classe precisa de muito pouco vento – com 2 nós já fazemos uma regata. A prancha desliza com qualquer brisa e o Alqueva tem sempre alguma brisa. Muitos dos miúdos da Madeira vão competir porque acharam muito divertido. E já fizemos lá algumas provas que correram muito bem”.A maior parte destes jovens treinam precisamente na Madeira e no mesmo clube que João Rodrigues sempre representou - Centro de Treino Mar (CTM). E onde fundou a escola com o seu nome.Recorda a carreira com muito orgulho - foi Campeão do Mundo, da Europa, venceu as principais provas internacionais de Vela é recordista em presenças em Jogos Olímpicos, mas os momentos que mais o marcaram na sua longa carreira e que considera muito especiais foram “o primeiro Campeonato Nacional que ganhei em 1988, tinha 16 anos, e a minha última participação olímpica no Rio de Janeiro. Foram os últimos Jogos e ainda para mais tive o imenso privilégio de ser o porta-estandarte. E aos 44 anos sabia que ainda tinha um elevado nível competitivo para participar. Mas ia parar por ali”. E acrescentou: “Depois dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro cheguei à conclusão que sentia que já não precisava de mais nada. Tinha tido uma vida tão intensa durante 30 anos, mas achei que podia transmitir aos mais novos a minha experiência. E tenho uma certeza: vou competir até morrer. Acho fascinante ser competitivo aos 54 anos. Não treino como treinava com o ritmo de antigamente. Agora vou para a água porque está um dia bonito e porque me apetece”. João Rodrigues faz questão de dizer que é importante dar melhor apoio aos velejadores mais novos. Admite que gosta muito mais de competir do que de ser treinador: no entanto continua a fazer tudo para poder proporcionar aos jovens condições iguais ou melhores do que as que teve. “Gostava imenso que os velejadores lusos pudessem expressar todo o seu potencial. Temos tantos jovens com um talento incrível, uma linha de costa com o mar sempre aberto, 365 dias por ano para treinar e um país que praticamente não tem inverno. Entre ser treinador e ser velejador gosto muito mais de competir, mas fi-lo porque senti que era quase uma obrigação moral. E também porque não tinha significado para a minha vida se começasse a trabalhar para outros países, onde tive inúmeros convites para trabalhar. Se o fizesse, perdia o significado de ser treinador”, concluiu.Já registou os seus feitos em livro e está sempre disponível para conversar, sendo o desporto o tema que acaba por dominar. Agora, a dedicação maior é a Raceboard que desempenha um papel crucial na formação de novos talentos no desporto. E que aglutina os mais velhos velejadores que já não podem competir no alto rendimento, mas que têm no mar a sua grande paixão.