Festa nos arredores do Canindé, estádio da Portuguesa, no dia de assinatura da venda do clube.
Festa nos arredores do Canindé, estádio da Portuguesa, no dia de assinatura da venda do clube. PORTUGUESA

Inspirada em clubes europeus, Portuguesa tenta ressurgir no Brasil

Ao DN, o gestor Alex Bourgeois, presidente da SAF, fala sobre a nova era da “Lusa”, o objetivo de criar um hub para a comunidade portuguesa no Brasil e os exemplos de negócio em clubes europeus.
Publicado a
Atualizado a

Embora a trajetória em 2025 tenha começado com uma derrota por 2- 0 com o Palmeiras no Paulistão na quarta-feira, a sensação dos adeptos da Portuguesa de Desportos, clube fundado por imigrantes portugueses em 1920 e um dos mais tradicionais do Brasil, é de que o primeiro resultado do ano é mero detalhe perante a nova era de sucesso que aí vem.

“Os adeptos estão animados, pois sabem que nós vamos competir. Eles queriam uma equipa, e agora têm. Acho que é uma expectativa que acaba se criando quando um clube vira SAF”, destaca o novo Presidente da Sociedade Anónima do Futebol (SAF) da Portuguesa, o francês Alex Bourgeois, que recebeu o DN no escritório da sua empresa Tauá Partners, no nobre bairro do Itaim Bibi, em São Paulo.

Presente no futebol brasileiro desde 2010, quando fez parte de um grupo de investimentos que financiou transações de atletas do Santos - que à época tinha Neymar no plantel -, Bourgeois posteriormente teve passagens como CEO de clubes como Figueirense e São Paulo. Depois de trabalhar no departamento desportivo de clubes de outros países, como Colômbia e Itália, regressou à sua terra natal em 2021, onde geriu um dos mais surpreendentes projetos do futebol europeu nos últimos anos. No Lens, levou o clube da II divisão francesa ao vice-campeonato da Ligue 1 na temporada 22/23.

Alex Bourgeois (esq) com o treinador Cauan de Almeida. Futebol "Heavy Metal", segundo o gestor: "Tem o estilo do Klopp", diz.
Alex Bourgeois (esq) com o treinador Cauan de Almeida. Futebol "Heavy Metal", segundo o gestor: "Tem o estilo do Klopp", diz.PORTUGUESA

“É uma história fantástica, um pequeno clube de França, de uma cidade pobre que, através de uma boa gestão que se traduziu numa equipa com competitividade, conseguiu ser vice-campeão. Quando você não tem o dinheiro dos outros, tem de ser criativo. Isso foi muito bem implementado lá”, relembra o francês que, em 2024, virou os olhos para o Brasil.

Bourgeois conta ter iniciado o “namoro” com a Portuguesa, antigo gigante do futebol brasileiro, em abril do ano passado. Protagonista nos anos 1990, a Lusa, como é carinhosamente chamada, entrou num marasmo mais de uma década, quando, após a utilização irregular de um atleta (o médio Héverton), foi despromovida à Serie B, segunda divisão brasileira.

Depois disso, o clube afundou com quedas atrás de quedas dentro de campo e políticas conturbadas nos bastidores que o levaram a ficar sem divisão em 2017. Após uma demorada reestruturação que finalmente levou a Lusa de volta ao Paulistão e à Série D (quarta divisão), o conselho deliberativo do emblema mais português do Brasil decidiu, por unanimidade, em novembro do ano passado, pela venda da Portuguesa. Foi no dia 30 daquele mês que Alex Bourgeois, responsável pela empresa Tauá Partners, foi anunciado como o novo “homem do leme”, numa negociação para a compra do clube que ultrapassou os mil milhões de reais (161 milhões de euros na atual cotação).

A ambição para levar o clube ao topo é grande: “O objetivo neste ano é subir à Série C e a médio prazo é estar na Série A. Quando chegarmos lá, queremos competir. Histórias como as do Lens, que ficam acima de clubes muito ricos, mostram que é possível chegar lá.”

Além de ter o sucesso do clube francês como um dos exemplos, o novo gestor da Portuguesa vê no Brighton, de Inglaterra, um outro exemplo de negócio a ser seguido, procurando novos talentos na América do Sul e revendendo para grandes do futebol brasileiro ou do exterior. Para isso, a nova gestão da Lusa conta com um foco especial tanto nas categorias de base, como no departamento de scouting, sempre alinhado com uma das principais paixões e inclusive área de especialidade de Bourgeois: a matemática.

Ao longo da carreira, foram mais de 20 anos a trabalhar no mercado financeiro, mas o francês, apaixonado por futebol, nunca deixou de pensar nos números como tradutores do sucesso dentro de campo.

“O Brighton conseguiu tornar-se no clube que mais vende jogadores para outros na Premier League. Fizeram isso com uso de tecnologia, de análise de dados, análise estatística, algoritmos, etc. É um modelo em que eu acredito há mais de 10 anos, e é o que me inspira. Se conseguirmos tornar-nos, nos próximos anos, no principal vendedor de jogadores para os clubes brasileiros, já seria algo muito grande”, destaca.

Fora de campo, um dos principais projetos da nova gestão é a reforma do estádio da Portuguesa, o histórico Canindé. Sem condições de segurança para receber grandes eventos, o estádio iniciará as obras durante 2025 - a previsão é que esteja pronto em 2028. No sábado (18), equipa e adeptos despedem-se ou dão um “até logo” ao estádio na primeira e última partida a ser disputada naquele recinto este ano, sendo a casa da Lusa nos próximos tempos o Pacaembu, estádio que pertence ao município. A promessa é de que o Canindé se torne numa das “arenas mais modernas do Brasil”, algo que, para os adeptos, é mais do que bem recebido.

“Eles estão felizes com as mudanças, a Portuguesa estava sem perspetivas nos últimos anos e agora como SAF a expectativa aumenta. Transformar o estádio em arena é parte de um novo modelo de negócio de que, hoje, não se faz dinheiro só com bilheteira, tem que haver outras atividades. Mas o nosso projeto é um projeto de futebol”, assinala Bourgeois.

Tentativa por Nani e projeto além do futebol

A expetativa dos adeptos poderia ser ainda maior caso um dos planos da nova SAF da Portuguesa se tivesse concretizado. Pensando não só no campo, mas também no simbolismo e no marketing, Bourgeois revela ter entrado em contacto com Paulo Lopo, presidente da SAD do Estrela da Amadora, para saber as condições para contratar Nani, que não avançou.

“Infelizmente para nós, o Nani resolveu reformar-se. Uma pena, seria bonito um português despedir-se do futebol na Portuguesa, resgataria muito o orgulho da comunidade portuguesa no Brasil”, lamenta o gestor que não descarta parcerias com clubes portugueses em breve e afirma que, no Brasil, as portas têm estado cada vez mais abertas aos craques europeus.

“Vemos o Payet no Vasco, o Memphis no Corinthians, jogadores de altíssimo nível. Sabemos que cada vez mais os jogadores europeus também olham para o Brasil. Nani teria sido uma boa possibilidade de manter essa ponte, mas ficamos de olho em outros jogadores”, refere.

Por falar em ponte, superar as fronteiras futebolísticas e tornar o clube num ponto de encontro para a comunidade lusitana no Brasil é outro desejo ambicioso da nova gestão da Tauá Partners na Portuguesa.

Segundo Bourgeois, um dos pontos estratégicos do planeamento da SAF é ter atenção às mais de 25 milhões de pessoas residentes no Brasil que podem ter passaporte português. “É um número muito expressivo, são duas vezes e meia a população de Portugal. Queremos criar essa conexão, e não só com futebol, mas algo que possa incluir também vinícolas, hotelaria, negócios na praia. Ser realmente um hub entre Portugal e a comunidade portuguesa no Brasil. É um dos nossos grandes objetivos”, finaliza o francês.

nuno.tibirica@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt