Imane Khelif
Imane KhelifMOHD RASFAN / AFP

Imane Khelif, a pugilista argelina reprovada num teste de género que levantou polémica e uma onda de desinformação

Presidente da Federação Internacional de Boxe confirma que argelina possui cromossomas XY, a combinação nos homens. Comité Olímpico Internacional garante que Khelif é mulher. Mudanças de identidade são proíbidas na Argélia.
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Está a causar polémica a presença de Imane Khelif nos Jogos Olímpicos de Paris. A pugilista argelina passou à próxima eliminatória na categoria -66 kg após a italiana Angela Carini ter desistido aos 46 segundos de combate, ao sofrer um golpe de direita no rosto, depois de ter sido reprovada num teste de género que a desclassificou do Mundial do ano passado.

Carini, mostrando sinais de dor física, ignorou mesmo as tentativas de Khelif para lhe apertar a mão, tendo caído no meio do ringue a chorar compulsivamente. “Estou com muitas dores no nariz e disse que queria parar. É melhor evitar continuar. O meu nariz começou a pingar (sangue) desde a primeira pancada”, afirmou, tendo sido defendida pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que disse que as pugilistas “não estavam em pé de igualdade”. 

Horas antes da sua estreia em Paris, o Comité Olímpico Argelino (COA) saiu em defesa de Khelif, de 25 anos e competidora em torneios mundiais de boxe desde 2018, criticando os “ataques pouco éticos” contra a sua atleta, apelidando de “mentirosas” e “totalmente injustas” todas as acusações de que a pugilista tem sido alvo. “Estamos todos contigo, Imane. O país apoia-te”, acrescentou. Após a vitória sobre Carini e a onda de indignação, o COA condenou “veemente o ataque antiético e a difamação” de que Khelif foi alvo por parte “de certos meios de comunicação estrangeiros”.

Imane Khelif em criança

Na mesma situação está Yu Ting, do Taiwan, igualmente desclassificada do Mundial do ano passado, em Nova Deli, organizado pela Federação Internacional de Boxe (IBA), por reprovar no teste de género. Na altura, a IBA disse que ambas não cumpriam “os critérios de elegibilidade para participar na competição feminina”. “As atletas não foram submetidas a um exame de testosterona, mas foram submetidas a um teste separado e reconhecido, cujos detalhes permanecem confidenciais”, acrescentou na altura. 

Apesar da confidencialidade, o presidente da IBA, Umar Kremlev, revelou que os testes de ADN “provaram a existência de cromossomas XY”, o que levou à exclusão de ambas. XY é a combinação de cromossomas nos homens, enquanto XX é a combinação nas mulheres.

 A diferença é que quem organiza o torneio de boxe nos Jogos Olímpicos é o Comité Olímpico Internacional (COI), que teve um critério diferente da Federação Internacional de Boxe. “Todas as que competem na categoria feminina estão a cumprir as regras de elegibilidade para a competição. São mulheres nos seus passaportes e está lá escrito que são mulheres”, afirmou o porta-voz do COI, Mark Adams. 

“Estas atletas já competiram muitas vezes durante muitos anos, não só chegaram, como competiram nos Jogos de Tóquio. A testosterona não é um teste perfeito. Muitas mulheres podem ter testosterona, que está no que seria chamado de ‘níveis masculino’, e ainda assim serem mulheres e competirem como mulheres. Esta ideia de que de repente se faz um teste de testosterona e se resolve tudo não é real. Espero que todos concordemos que não estamos a pedir que as pessoas regressem aos velhos tempos dos testes sexuais, o que era uma coisa terrível de se fazer”, prosseguiu, desmentindo ainda os rumores de que Khelif seria transgénero

Refira-se também que a comunidade LGBTIQ+ é amplamente reprimida na Argélia, um país muçulmano. A mudança de identidade não é permitida e a homossexualidade é punida socialmente, sendo que as autoridades argelinas têm até o poder de aplicar castigos corporais. 

O COI acusou ainda a IBA de mudar as regras de género a meio dos Mundiais de 2023: “A agressão a estas duas atletas baseia-se inteiramente nesta decisão arbitrária, que foi tomada sem qualquer procedimento adequado – especialmente tendo em conta que estas atletas competem em competições de alto nível há muitos anos. Esta abordagem é contrária à boa governação.”

Quem não concordou com esta visão foi Giorgia Meloni: “Acho que as atletas com características masculinas não devem ser admitidas em competições femininas”. 

Já Reem Alsalem, relatora especial da ONU para a violência contra mulheres e raparigas, escreveu na rede social X que Carini “e outras atletas femininas não deveriam ter sido expostas a esta violência física e psicológica baseada no seu sexo”.

Khelif passou ao lado da polémica e disse continuar “focada” no objetivo de ganhar uma medalha. “Eu sei porque vim aqui, quero ganhar uma medalha, por isso não me importo com nada. Não estou assustada”, afirmou a argelina, que neste sábado vai defrontar a húngara Anna Luca Hamori, que por sua vez não se mostra intimidada: “Irei para o ringue e conseguirei a minha vitória. Confio nos meus treinadores e em mim própria.”

O caso de Imane Khelif, campeã africana e vice-campeã mundial em 2022,  é o mais recente de um longo debate sobre a participação desportiva de atletas hiperandróginas, mulheres que apresentam níveis naturais elevados de testosterona e que levam as entidades desportivas a estabelecer regras que devem encontrar equilíbrios complexos entre ciência, equidade e direitos.

A atleta sul-africana Caster Semenya, bicampeã olímpica dos 800m, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos depois de ter sido privada de competir durante vários anos porque se recusou a tomar medicação para reduzir o seu nível de testosterona.

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