"Ganhámos ao Benfica e empatámos com o FC Porto e não vi mala nenhuma"

José Couceiro, um dos cinco treinadores que se mantém no cargo desde o início da época, critica as análises à forma como o Vitória de Setúbal jogou no Dragão. Comenta ainda os prémios e as apostas no futebol.
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Vamos começar pela pergunta que todos lhe querem fazer. Como é que o Vitória de Setúbal em quatro jogos não perde um único contra Benfica e FC Porto e elimina o Sporting da Taça da Liga?

Não há um segredo, há alguns fatores que têm de correr bem. Os jogadores têm de estar predispostos a cumprir uma estratégia, há a qualidade deles e o acreditar num determinado processo e, depois, há um terceiro ponto quando defrontamos equipas em que existe esta grande diferença: é ter a pontinha de sorte. Não me lembro de uma equipa da segunda metade da tabela que não tenha perdido pelo menos um jogo para os dois primeiros. Nós fazemos quatro jogos contra os dois da frente e toda a gente nos acusa de termos sido beneficiados sempre. Nesta última campanha do anti-jogo... e se eu lhe disser que nesses quatro jogos o Vitória fez menos faltas que o seu adversário? Ninguém valoriza isso. Empatámos na Luz a fazer 14 faltas, empatámos no Dragão a fazer 15 faltas. E no Bonfim contra Benfica e FC Porto também fizemos menos. Nós levámos foi mais cartões amarelos do que eles.

Por que razão o Vitória é mais amarelado apesar de fazer menos faltas?

Há razões que não sou eu que as vou dizer. Estou só a dar factos. Houve um ou outro jogador que perdeu mais tempo, é verdade. Coisas que os grandes nunca fizeram. E o que lamento é que os comentadores vão atrás disso. Quem marca a agenda são os diretores de comunicação dos clubes. Houve três penáltis contra o V. Setúbal, toda a gente vai ver os penáltis e já não vê o jogo.

Mas houve três penáltis?

Não, não houve. O que estou a dizer é que não são os comentadores a levar os temas para cima da mesa. Quem faz a análise dos jogos não faz a análise dos jogos, porque se fizesse perguntava como é que o Vitória consegue estes resultados sem ser uma equipa faltosa. Basta ver no site da Liga, isto não é treta. Isto demonstra que o Vitória tem como foco o jogo e isso não foi enaltecido por ninguém. E depois as nossas transições são todas mortas mas isso é outra história.

Mas está a dizer que os comentadores são manipulados pelos diretores de comunicação?

Não disse isso. Digo é que vão pelo mais fácil porque é o que está em causa para ser discutido. Mal acabou o jogo o que circulava era o antijogo do V. Setúbal e os três penáltis. E eu pergunto: alguém lançou outro dado novo? O V. Setúbal não tem peso na comunicação social. Gostava que explicassem como é que paramos o jogo, somos faltosos e nos quatro jogos com Benfica e FC Porto fizemos menos faltas. Não explicam porque não veem os jogos. Os grandes têm uma capacidade nos seus departamentos de comunicação que os outros não têm. Não vou dizer que não há perdas de tempo. O que digo é que há mais do que isso. Analisem o jogo pelo todo. Também já disse que em faltas idênticas às nossas se têm dado amarelo nenhum deles acabava com onze. A próxima jornada é Benfica-FC Porto e nós fomos metidos no assunto. Tivemos o mesmo comportamento com um e com outro. Uma nota interessante: o Benfica e o FC Porto connosco tiveram o mesmo árbitro em casa e fora também tiveram o mesmo árbitro.

O que acha que isso quer dizer?

Para eles é simpático não poderem queixar-se de que tinham árbitros diferentes. Pode ser uma coincidência... mas o Conselho de Arbitragem é que tem de dizer. Nem vou discutir isso.

Sentiu-se magoado quando a comunicação do FC Porto apelidou de "vigarice" o que o V. Setúbal fez no Dragão?

Senti, porque houve de facto queimas de tempo mas... o Sporting para a Taça de Portugal não acabou o jogo no Bonfim a queimar tempo? Ouviram-me dizer alguma coisa? Não gosto que o jogo esteja parado, mas quando há determinado tipo de faltas que os árbitros não marcam, permitem que os jogadores dos grandes tenham determinado tipo de entradas mas não nos permitem o mesmo a nós. Querem que os jogadores sejam o quê? Que sejam estúpidos?

Como é que o balneário reagiu a esta polémica toda?

Reage mal, desiludido porque não se sentem valorizados. Somos a equipa mais barata da I Liga.

Qual é o orçamento do Vitória?

À volta de três milhões de euros.

É verdade que teve uma troca de impressões ao intervalo com o presidente do FC Porto, Pinto da Costa?

Não quero valorizar isso.

Até onde o Vitória podia chegar se se exibisse sempre da mesma forma que tem jogado contra os grandes.

São jogos diferentes. O Vitória tem 25 golos marcados, sei onde estão alguns dos nossos problemas. É unânime que não somos uma equipa fechada, que procura o golo mas temos de ser mais concretizadores. Sei perfeitamente que o que se passou com Benfica e FC Porto é algo anormal. É um marco, ninguém se vai esquecer desta época e será muito difícil repetir. O Sporting de Braga e o Boavista fizeram isto mas estavam num patamar acima.

O agora comentador Paulo Futre disse ter a certeza que houve mala para o Paços de Ferreira e para o Vitória. Confirma?

Não. Nós ganhámos ao Benfica e não vi mala nenhuma, empatámos com o FC Porto e não vi mala nenhuma, vencemos o Sporting e não vi mala nenhuma. Não sei onde o Futre quer chegar mas se ele tem informações acho que as deve apresentar.

É apologista de que se deviam legalizar incentivos de terceiros para vencer?

Para vencer acho que sim. Estamos num processo complicado com as apostas. E os prémios para vencer são sempre bem-vindos. Na Rússia os prémios são muito altos e isso limita a hipótese de haver situações de dúvida.

Mas esses prémios de que fala são dados pelos clubes aos seus jogadores. Eu estava a falar de incentivos de terceiros, da denominada "mala".

Os próprios clubes dão os prémios mas calculo que terceiros possam dar dinheiro aos clubes para eles depois premiarem os seus jogadores. Neste momento não é legal em Portugal, mas com este quadro das apostas, prémios para ganhar quanto mais claros forem melhor, porque vão anular os prémios para perder. Tenho a experiência de um futebolista meu na Rússia ter feito uma rosca e metido a bola ao ângulo na sua baliza. E eu fui pressionado a tirar um miúdo com 20 anos. Não o tirei porque era impossível ele ter feito aquilo intencionalmente. O clima de suspeição é tão grande que se criou a onda que ele não foi sério. Prémios para ganhar, todos. Mas digo uma coisa, ninguém ganha só por ter um prémio, porque qualquer prémio de uma equipa para ser campeã é superior aos prémios das equipas pequenas todas.

Como treinador já esteve nalgum jogo em que tivesse tido suspeitas?

Em Portugal não. Mas aqui em Portugal, num jogo em que não estive presente, houve um processo que correu os trâmites da investigação da Polícia Judiciária. Esse jogo influenciou os resultados de terceiros. Não vou dizer qual foi o jogo. A minha equipa não tinha que ver com esse jogo mas quiseram saber se sabíamos de alguma coisa.

Só para terminar este tema. A Setúbal não chegou nenhuma mala?

Não, desde que estou no Vitória até ao dia em que dou esta entrevista não tenho conhecimento de nenhuma mala que tivesse chegado a Setúbal. E quero acrescentar mais uma coisa: não tenho offshores, nunca recebi por offshores, recusei-me a receber por offshores , recebi tudo por dentro, as minhas contas estão abertas e podem vê-las à vontade.

João Carvalho é o nome que está aí na berra. O que prevê para este jogador se ele continuar a evoluir? Podemos ter um caso similar ao de João Mário?

O João Carvalho é um jogador de enorme potencial. Não devem colocar-lhe demasiada pressão em cima porque está a crescer. Disse no outro dia a brincar uma verdade; ainda não ganhámos nenhum jogo com o João. Tem um potencial fantástico, vai ser jogador de top mas tem de fazer o seu percurso.

É parecido com algum futebolista que todos identifiquem?

O João tem características muito próprias, talvez seja mais parecido com o Aimar, mas o João joga nos corredores de forma mais eficaz. É um miúdo introvertido e que tem tudo para lá chegar. No fim do jogo estava contente, marcou pela primeira vez e logo a um guarda-redes histórico.

O Bruno Varela foi agora chamado à seleção A. O que o levou a apostar num guarda-redes que passou uma época no banco do Valladolid?

Acreditava que ele era bom guarda-redes. Falei com o Brassard e com o Rui Jorge e confirmei o que já sabia. Foi pena ele no ano passado ter feito apenas um jogo. E isto vem levantar a questão de que os jogadores não podem ser emprestados para qualquer lado.

Ficou surpreso com a chamada à seleção A para render o Anthony Lopes?

Não estava à espera porque ele ia para os Sub-21. Ele mandou-me uma mensagem a agradecer. Tanto ele como o João são putos fantásticos.

Vê no Bruno Varela qualidades para ser guarda-redes de seleção A?

Pode chegar a esse nível mas precisa de muitos jogos, deixem-no crescer.

Tem mais um ano de contrato com o Vitória?

Vou aguardar pelos resultados das eleições [realizadas anteontem]. Durante a época tive convites, não pretendi sair. E estou contente, porque do 5.º lugar para baixo sou o único treinador que se mantém desde o início da época.

Só os três grandes e os dois Vitórias ainda não mudaram de treinador...

Mas ninguém mudou de dirigentes. Os treinadores estão cada vez mais expostos, é cada vez mais fácil despedir um treinador para que se salvaguarde a posição dos dirigentes que parece que não têm culpa na escolha do treinador. Claro que têm, mas ninguém assume essa responsabilidade.

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