"Ele está de licença sem vencimento, se quiser voltar..."

Fernando Santos foi diretor de manutenção durante 16 anos. Saiu em 1998 e deixou amigos para a vida. Paulo, Luís, José e Nuno ainda lá estão e contam ao DN como era...
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Paulo (Castela), Luís (Freire), José (Raposo) e Nuno (Santos) só assistem ao Euro2016 pela televisão se quiserem. São amigos de Fernando Santos, desde os anos 80, altura em que trabalhavam sob as ordens do engenheiro no Hotel Palácio, no Estoril. "Vai para 36 anos", recordaram ao DN. Foram convidados a assistir aos jogos de Portugal e prometeram ir a Paris à final, mas Paulo Castela já foi a Lyon ver o jogo com a Áustria (0-0).

E viu de perto o penálti falhado por Ronaldo. "Ele só não controla a bola no poste, mas tirando isso a seleção tem o homem certo no lugar certo", defendeu o afilhado de casamento do selecionador nacional, antes de fazer uma revelação surpreendente: "Ele está pouco ralado com o fim do contrato (termina hoje). Desempregado não fica! O engenheiro não se chegou a despedir quando saiu daqui... pediu licença sem vencimento para se dedicar ao futebol, mas nunca conseguiu desligar. Até hoje. Vem cá muitas vezes e ainda tem a secretária no lugar dele. Se ele quiser voltar..."

O amigos do Palácio encontram semelhanças entre o papel de selecionador e o de diretor, que desempenhou no hotel até 1998. "Geria umas 40 pessoas, com várias funcionalidades. Na seleção já utilizou 20 dos 23 e isso quer dizer que ele confia no grupo e não só em 11. E vai utilizar quem for melhor para levar a água ao moinho dele", atirou Luís Freire "Tá visto", marceneiro do hotel. Uma ideia complementada por Paulo Castela, hoje diretor de Front Office do hotel: "É um grande condutor de homens e tem feito uma gestão excelente. Não deve ser fácil lidar com jogadores que ganham milhões num balneário de muitos egos."

Quando Santos apontou ao título europeu, muitos portugueses podem ter pensado "ele está maluco!". Mas não eles. "Quem o conhece sabe que ele não diz as coisas por dizer. Ele acredita. E se ele o diz... a gente acredita. É marcar a viagem que o bilhete está garantido", defendeu o "Tá visto".

Dar dicas ao mister é que não! "Não faz sentido. Às vezes numa conversa ou outra dizemos o que achamos, mas sem nunca entrar no "devias ter metido este ou aquele"", disse Paulo. E já sabe que "quando ele se vira a meio das discussões e atira "então quem é que querias que eu metesse?!... é uma pergunta retórica!".

O mistério da garrafa escondida

José Raposo (estofador) recordou a boa liderança do técnico no hotel."Mostrou ser um gestor de homens. Quando chegou era um engenheiro recém licenciado, sem experiência, a comandar um grupo enorme de trabalhadores, alguns com mais de 50 anos de trabalho e alguns vícios. Os eletricistas não se davam com os pintores, os pintores não se davam com os marceneiros e ele acabou com os grupos", revelou o estofador, que lhe chegou a pregar algumas partidas. "Estávamos a reformar uma zona do hotel e era preciso decidir o estilo dos sofás. Virei-me e perguntei se queria em estilo inglês ou capitonné... mesmo para o lixar, e ele respondeu "quero é que me mostres o que é, para ver se gosto ou não"", contou.

Dessa saiu-se bem. Mas houve outras: "Uma vez passei ao pé do BMW dele, tinha a mala aberta e meti lá uma sanita partida em pedaços... ele andou um mês a reclamar de um barulho estranho, dizia que ouvia toc, toc, toc, toc e não sabia o que era (risos).Ele nunca soube que fui eu, mas agora vai saber!" Outra vez arranjou umas tiras de mármore e colocou-as na mala de mão do engenheiro, e ele andou a passear o mármore durante dias...

No dia a dia Santos lidava com todo o tipo de problemas. E "arranjava soluções", lembrou o "Tá visto" para explicar que foi o engenheiro que liderou as obras de requalificação do hotel. "Se trabalhávamos até às 4 da manhã ele também o fazia", elogiou Raposo, sem esquecer que "foi o único diretor a sentar-se a comer com eles no refeitório".

Quando o grupo dos cinco - Fernando, Paulo, Luís, José e Nuno (não estava a trabalhar ontem) - se encontra, falam de tudo, mas principalmente do hotel e das histórias por que passaram juntos. " Por exemplo, tínhamos dois colegas que depois de almoço já andavam aos ziguezagues e ele interrogava-se como era possível se não os via beber ou levar bebidas "lá para cima" (zona de descanso). Até que um dia foi lá, revirou tudo, mas não encontrou nada. Depois veio a saber que a garrafa estava escondida no autoclismo, eles estavam sempre a puxar a água para a pinga estar fresquinha", contou Raposo a sorrir...

Bridge, caracóis e pesca...

A conversa decorreu numa sala que o amigo marceneiro fez com devida ajuda/supervisão do "mister", como lhe chama. Foi decorada com imagens de cartas e deram-lhe o nome de sala do bridge, o jogo preferido do selecionador. "Ele é homem de cartas. Connosco joga à sueca, mas ele adora jogar bridge e tem um grupo de amigos do bridge e tudo", revelou o Luís "Tá visto".

De resto, caracóis e marisco são as duas perdições gastronómicas do selecionador. "Já comemos muito marisco à custa dele", lembrou Raposo, antes de Paulo recordar que já o conseguiram enganar "uma ou duas vezes" para pagarem a conta antes dele.

Segundo eles, o coração de Fernando Santos é enorme e humilde. Não foi uma nem duas vezes que ajudou pessoas do hotel ou familiares, mesmo depois de sair de lá.

Quando comprou uma quinta em Pavia (no Alentejo) pediu a ajuda dos amigos do Palácio para recuperar a propriedade. "No fim, perguntámos, "está bem ou não?" E ele responde sempre o mesmo: "Obrigada, fui eu que vos ensinei!.."", confidenciou Luís Freire, revelando que o selecionador deu o nome das profissões dos amigos aos quartos. Ele tem o quarto do marceneiro.

A propriedade é atravessada por um rio onde "ele adora pescar" e todos os anos a empresta aos amigos para uma semana de férias. Certa vez, Santos ligou ao "Tá visto" a dizer que podia ir à arca que tinha lá uns peixinhos para fazer uma fritada. "Eu perguntei, "onde é que compraste isto?". E ele, todo furioso, respondeu: "fui eu que pesquei pá, então estás a brincar ou quê"".

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