Enquanto a maioria dos campeonatos europeus está nas jornadas iniciais, a liga sueca está à beira do fim e poderá já haver campeão na próxima ronda. Com os históricos Malmö, AIK, Gotemburgo ou Djurgarden já arredados da luta pelo título, é o Mjallby, sediado numa vila piscatória com cerca de 1500 habitantes, que está em vias de festejar.A quatro jornadas do fim, o emblema de Hällevik tem onze pontos de vantagem sobre o Hammarby, pelo que só uma hecatombe impedirá a conquista do primeiro campeonato da história do clube.Já apelidado de Leicester sueco, o Mjallby nunca participou nas competições europeias e chegou a estar a um passo da falência em 2016, quando estava na terceira divisão em vias de ser… despromovido, mas superou os problemas financeiros e construiu, com um orçamento apertado, uma equipa que tudo indica que ficará para a história, com uma média de idade de 24 anos.Este crescimento orgânico foi impulsionado pelo presidente Magnus Emeus, que reduziu os custos operacionais, tornou a operação do clube mais eficiente e concentrou o projeto desportivo em desenvolver jovens jogadores e vendê-los. “Por cada coroa sueca que sai deste clube, perguntamo-nos: será que isto nos torna melhores?”, contou o diretor executivo do Mjallby Jacob Lennartsson à BBC.Situado numa zona costeira intimamente ligada à pesca e à agricultura, o Mjallby tem um modesto estádio com capacidade para 6500 pessoas, mas uma assistência média três vezes superior à da população local. O entusiasmo também é crescente nas ruas, decoradas com as cores amarelas e pretas do clube, a medida que o sonho se vai tornando cada vez mais real. Após o quinto lugar no ano passado, a melhor classificação de sempre até então, a equipa de Hällevik poderá até festejar no sofá, caso o Hammarby não vença, no dia 19, na receção ao AIK. Treinador foi militar, professor e tem leucemiaTal como no conto de fadas dos ingleses do Leicester de Claudio Ranieri em 2016 (campeões ingleses contra todas as previsões), o obreiro do (eventual) título é um treinador experiente, Anders Torstensson, de 59 anos, que em virtude dos poderes que concentra é denominado de manager. Torstensson é um antigo jogador das camadas jovens do Mjallby, foi militar durante dez anos e depois tornou-se professor enquanto começava uma carreira de treinador que julgava que não passaria de clubes locais. Em 2007 regressou ao clube como adjunto, tendo assumido o comando da equipa principal durante curtos períodos em 2013 e 2021 antes de iniciar a presente passagem em janeiro de 2023.Em agosto do ano passado foi diagnosticado com leucemia linfocítica crónica, mas não corre risco de vida. “Dizem que não se morre por causa disto, mas que se morre com isto”, afirmou ao The Guardian. Um doutorado em… perceção visual no futebol de eliteOutros dos protagonistas da equipa técnica é Karl Marius Aksum, a viver, desde janeiro do ano passado, a sua primeira aventura no futebol sénior. Este norueguês de 35 anos é o treinador de campo num staff supervisionado por Torstensson, desempenhando funções similares à de Carlos Queiroz quando estava na equipa técnica de Alex Ferguson no Manchester United.É doutorado em perceção visual no futebol de elite e conquistou Torstensson através do trabalho académico e das suas ideias, partilhando-as regularmente nas redes sociais. Aksum tem um foco particular no scanning, os movimentos que os jogadores fazem com a cabeça antes de receber a bola para recolher informações do ambiente. “É uma habilidade crucial no futebol moderno porque os movimentos dos jogadores são mais rápidos e a pressão é melhor, por isso é preciso atualizar o ambiente o tempo todo. É especialmente importante para os jogadores no meio-campo, porque podem ter informações importantes a 360º à sua volta”, afirmou em julho à BBC.O norueguês diz que o trabalho no scanning tem tornado os jogadores “melhores passadores” e globalmente “melhores tanto ofensivamente como defensivamente”, tendo ainda disposto de liberdade para implementar outros princípios que revolucionaram o jogo ofensivo da equipa, que antes dependia muito dos cruzamentos e das bolas paradas e agora usufrui da posse de bola desde trás e avança no campo como um todo.Aksum privilegia exercícios de treino “específicos para o jogo” em vez de práticas como os rondós - vulgarmente designados em Portugal como jogo da rabia -, que se focam numa habilidade em particular, mas não recriam as condições reais de uma partida de futebol. “Damos aos jogadores princípios, mas nunca as soluções exatas. Eles precisam de tomar as decisões”, acrescentou o norueguês.