Os remates de Matateu na década de 1950 renderam 13 golos à seleção nacional e mais de 200 ao Belenenses, mas é nos ringues que a neta, Cláudia Bradstone - o nome real é Cláudia Freitas -, vai pontapeando… quem se mete no seu caminho..Desde os 15 anos que pratica wrestling e, tal como avô, já se internacionalizou: atua com alguma regularidade no Reino Unido e em Espanha, já lutou nos Estados Unidos e fez testes para a World Wrestling Entertainment (WWE) na Alemanha..Depois de o pai lhe ter passado o bichinho, tornou-se uma fã acérrima quando os episódios semanais do Raw e do Smack- Down passaram a ser transmitidos em Portugal, a meio da década de 2000. “Quando era pequena, gostava muito dos Power Rangers, e aquilo fazia-me lembrar os Power Rangers: as personagens larger than life, o atleticismo, as histórias. Na altura não sabia que era propriamente um teatro e quando o meu pai me contou eu não acreditei, mas fui pesquisar e vi que ele dizia a verdade. Mas nada mudou, continuei fã”, contou ao DN..Depois de perceber que uma promotora nacional [Wrestling Portugal] organizava treinos quase ao lado de sua casa, em Queluz, teve a espinhosa missão de convencer os pais a deixá-la experimentar. Demorou um ano, mas conseguiu. “Diziam que era maluca, que me ia partir toda”, lembrou a wrestler, agora com 31 anos..As primeiras quedas custaram-lhe, mas depois habituou-se. O pior que lhe aconteceu foi deslocar um ombro e já lá vão mais de 15 anos. Entre os principais apoiantes está o tio-avô Vicente Lucas, também ele uma glória do Belenenses, famoso por anular Pelé num jogo entre Portugal e Brasil no Mundial 1966..“Sabe que eu pratico e gosta bastante. Gostava que ele me viesse ver, mas não é fácil [tem 89 anos e usa cadeira de rodas]. Ele diz que gosta do que faço e encoraja-me. É radical, como a minha mãe. A minha mãe só ofereceu resistência quando lhe disse que queria treinar, mas a partir daí deu-me apoio total”, afirmou..Não esquece o sorriso do avô.Quem já não foi a tempo de a ver nos ringues foi o avô Matateu, que morreu em janeiro de 2000, quando Cláudia tinha 7 anos. .“Ele vivia no Canadá, não passava aqui muito tempo. Chegou a vir cá e uma das minhas principais recordações foi quando recebeu um prémio no relvado do Restelo, antes de um jogo. Eu tinha uns 2 anos e essa é uma das primeiras memórias que tenho dele. Lembro-me de ele agradecer às pessoas e de eu correr atrás dele, ele rir-se e pegar-me ao colo. Tinha um grande sorriso, dava-me conforto. Até estou emocionada por falar dele”, contou com a voz embargada..E se no wrestling há um golpe chamado Pelé Kick, uma espécie de pontapé de bicicleta na cabeça do adversário, Cláudia já pensou em batizar um pontapé com o nome de “pontapé célebre”, em homenagem a um remate acrobático do avô na Covilhã eternizado numa fotografia. Mas ainda não levou a ideia avante..“Nunca me quis aproveitar da identidade dele. Algumas pessoas até me chamam Matateu na brincadeira e agora levo na ‘descontra’, mas de início não queria que soubessem que eu era neta dele”, confessou..Fúria que se solta em ringue.Sem entrar em detalhes, Cláudia assume que vive com alguns traumas e que é uma pessoa bastante emocional que guarda toda a fúria que sente para a soltar quando está a desempenhar a personagem que exibe nos ringues. .“A Cláudia Bradstone está dentro de mim. Não posso ser a Cláudia Bradstone 100% do meu dia, senão ia ser presa. Sou muito emocional, muito justiceira e corajosa, mas na minha vida pessoal tenho de meter isso de parte”, afirmou a jovem, que trabalha numa agência, num regime de liberdade horária, o que lhe permite estar presente em espetáculos no estrangeiro com alguma regularidade..“Lutar todos os sábados e domingos com um estatuto médio já dá para conseguir sobreviver, pagar contas, mas não para ter um nível de vida confortável. É uma atividade muito extra-laboral. Estando no Reino Unido consigo fazer combates todos os fins de semana e estou a pensar emigrar”, revelou a lutadora, que em novembro de 2018 esteve a um passo da WWE..Quando recebeu um convite para fazer testes pela promotora norte-americana em Colónia chegou a pensar tratar-se de gozo ou até de uma tentativa de rapto, mas sossegou quando aterrou em solo alemão..“Foi incrível. Ainda hoje não consigo explicar o quão bom foi. Não fui contratada, mas aprendi imenso e disseram-me que tinha uma boa base a nível técnico”, recordou a portuguesa, que tem como principais inspirações Chris Jericho e Lita, que seria a sua adversária de sonho..david.pereira@dn.pt