De regresso a Portugal, após dez anos na NBA, Carlos Barroca confessa-se um “viciado” em trabalho com saudades da adrenalina de “fazer coisas”. Como embaixador do NBA Basketball School, pareceu-lhe lógico acrescentar o nome de Portugal à lista de mais de 20 países que já recriam o “produto”, criado por ele em 2016, quando era vice-presidente da NBA e tinha a pasta do desenvolvimento do basquetebol na zona asiática. .Em dezembro, durante três dias, em Lisboa, cerca de 50 miúdos dos 8 aos 18 anos, incluindo uma rapariga dinamarquesa, outra inglesa e outra americana que estava de férias em Portugal, e vários miúdos de Angola e Moçambique, tiveram a oportunidade de reforçar os seus conhecimentos e paixão pelo jogo segundo as diretrizes de treino da maior liga de basquetebol mundial. Alguns terão a sorte de ir a Paris participar num campo mundial e assistir a um jogo da NBA entre os San Antonio Spurs e os Indiana Pacers..Foto: Leonardo Negrão.No verão passado, o campo de treinos foi apadrinhado por Neemias Queta, o português dos Boston Celtics. Sem esconder que lhe “dá um gozo tremendo ver crianças com camisolas do Neemias em vez de Kobe Bryant ou Michael Jordan”, Barroca recordou uma pergunta a que o basquetebolista dos Celtics deu resposta. .“Quando era comentador da RTP e mais tarde da SportTV, a pergunta que eu mais vezes ouvi durante 25 anos foi: ‘quando é que vamos ter um jogador português da NBA?’ Portanto, ter o Neemias na NBA é a resposta para todas essas perguntas. Neemias mostrou que é possível. Eu próprio foi um exemplo. Fui vice-presidente da NBA durante 10 anos e sou português. O que é que eu tenho de especial? Nada. Vontade, determinação, algumas qualidades com certeza , mas se foi possível para mim, se foi possível para o Neemias é possível para outros”, garantiu..Foto: Leonardo Negrão. “Um privilégio” que Barroca espera repetir no verão de 2025. O basquetebolista português não tem jogado tanto como gostaria, mas para o dirigente é preciso valorizar que ele está a jogar na melhor equipa da NBA: “Foi campeão. É incrível. Lembro-me de falar com ele quando ainda jogava no Benfica, muito calmo, simples, mas decidido naquilo que era o caminho para chegar à NBA. Houve muita gente que lhe disse ‘esquece lá isso da NBA, vai mas é para Espanha ganhar dinheiro, para ajudar a sua família’. Ainda bem que ele acreditou, mostrou humildade, resiliência e uma determinação que só os grandes têm. Porque na desgraça ou no sucesso, ele é que tem que lidar com as suas decisões”, elogiou o antigo técnico da Portugal Telecom, Imortal, FC Porto, Barreirense, Algés e Atlético..Identificar outros Neemias através do “saber estar, partilhar, perceber que o basquetebol não é um jogo do eu” é uma tarefa hercúlea, mesmo para quem anda nisto há uns anos. Segundo Barroca, é preciso que todos tenham noção que “alguns dos atletas que têm talento nunca vão chegar ao topo”, leia-se NBA. “A partir dos 14/15 anos percebe-se quem está disposto a pagar o preço e quem só tem talento. Esses, começam a ser ultrapassados por aqueles que têm mais determinação, mais capacidade de ultrapassar todo e qualquer obstáculo. Os que se motivam na dificuldade e encontram soluções é que são os verdadeiros talentos”..A importância da formação.Impressionado com a evolução da prática desportiva feminina em Portugal, garante que se nota o “efeito Neemias” na revitalização do basquetebol português ao nível de praticantes federados, que desde a pandemia ganha em média 2000 atletas por ano. Mas lamenta a tristeza dos pavilhões vazios, mesmo na Liga BetClic, e a cultura da vitória ao nível da formação. .“Existe uma doença grave no desporto, a doença da vitória acima de qualquer preço e a todo custo. E esse não é o caminho certo, porque estamos a vitimizar muitas crianças, os que têm menos capacidades, não jogam porque muitos treinadores só estão interessados na evolução e rendimento dos que lhes garantem vitórias”, lamentou, lembrando que durante o seu trabalho na Ásia criou uma campanha para combater isso, sob o lema: “Coach, Please Let Me Play and Have Fun”..Foto: Leonardo Negrão.Ganhar jogos não devia ser o papel principal de um técnico da formação, na opinião de Carlos Barroca: “É uma batalha eterna, tentar que os treinadores sejam cada vez mais gente que ensina, que baseia o seu trabalho na evolução da performance, individual e do coletivo, mas sem penalizar ninguém. Esse é o caminho difícil porque o mais fácil é pensar nas vitórias, que, para alguns, é a única via.” .Barroca trabalhou em 42 países no desenvolvimento do basquetebol, “que nunca foi tão popular mundialmente como é hoje” - cresceu de 450 milhões de praticantes para mais de 600 milhões. Em colaboração com 130 mil professores/treinadores influenciou cerca de 50 milhões de miúdos no continente asiático e africano e conseguiu integrar o basquetebol nos currículo de Educação Física de seis países. .isaura.almeida@dn.pt