"Cada operação torna-me mais forte e mais confiante"

Seis meses depois de conquistar a medalha de bronze em judo, nos Jogos do Rio 2016, Telma Monteiro fala em entrevista sobre a conquista e a atual lesão

Telma Monteiro chega ao Estádio da Luz de táxi, à hora marcada. Traz o braço esquerdo imobilizado devido à operação a que foi sujeita e que vai obrigá-la a parar, pelo menos, quatro meses. No Benfica desde 2007 e com contrato até 2021, a judoca é já um símbolo das modalidades das águias. No caminho até às bancadas do estádio vai distribuindo beijos e cumprimentos à medida que se cruza com funcionários do clube. Escolhe sentar-se no topo sul, ao sol, para fazer o balanço destes seis meses que passaram desde que no Rio de Janeiro conquistou a tão desejada medalha olímpica.

No dia 8 passam seis meses desde que ganhou a medalha de bronze nos Jogos do Rio de Janeiro. A sua vida mudou muito desde então?

Não muito. Se na altura, antes da medalha, já era bastante reconhecida, agora ainda o sou mais. Mas isso era algo a que já estava habituada, por isso não sinto muito a diferença. Relativamente à minha pessoa sinto que estou igual, apenas consegui cumprir um objetivo. Obviamente, 2016 foi um ano que exigiu muito de mim, física e psicologicamente. Foi bastante exigente, até devido à lesão que sofri [foi operada ao joelho esquerdo seis meses antes dos Jogos]. Além disso, lancei um livro [Na Vida com Garra] e concluí a minha pós-graduação [Gestão e Marketing Desportivo]. Mas, no final, felizmente, sinto que continuo a ser a mesma pessoa e isso é o mais importante. Tudo o que mudou à volta é tudo aquilo que não podemos controlar.

No que mudou em seu redor, sente que aumentou o reconhecimento desportivo da Telma Monteiro atleta?

De certa forma sim, porque muitas vezes as pessoas questionavam-se porque é que eu ganhava tantas medalhas em Europeus e Mundiais e depois não as conseguia ganhar em Jogos Olímpicos. Isso deixava a sensação de que eu não estava ao nível de uma competição tão forte como os Jogos Olímpicos, o que não era verdade pois nas outras provas eu lutava contra as mesmas atletas que depois encontrava nos Jogos. Essa dúvida que existia acabou. E assim creio que consegui consolidar o reconhecimento que as pessoas tinham por mim enquanto atleta.

E fora dos tatamis, uma medalha abre portas?

Sim, abre portas, as pessoas também nos veem de outra forma. Mas fecha outras. O sucesso às vezes... [pausa].

... tem um reverso.

Isso, tem um reverso. Acima de tudo o que me importa é manter-me fiel aos meus valores, até porque nem todas as portas que se abrem são para entrar e nem todas as portas que se fecham são um pesadelo. É assim que eu tenho encarado as coisas. Tenho sempre sido fiel aos meus valores. E, assim, têm sido mais as portas que se abriram.

Depois de todas as emoções no Rio, como é que foi o regresso a casa?

Eu ganhei a medalha no dia 8 e fiquei no Rio até os Jogos terminarem [21 de agosto], o que me permitiu assimilar melhor as coisas. Mas quando cheguei a Portugal foi como se estivesse a reviver tudo outra vez através das emoções das pessoas com quem ainda não tinha estado. Foi um regresso atribulado, com muitas coisas para fazer, muitas entrevistas para dar, sempre com os dias ocupados. Mas, depois, tudo começou a estabilizar. E estar estável é muito importante para mim.

Consegue identificar o momento em que realmente tudo acalmou e tomou consciência, de forma serena, do feito que tinha alcançado?

O dia da medalha e os seguintes foram muito felizes. Depois seguiu-se tanta coisa, e de uma forma tão rápida, que esse momento concreto em que realmente absorvi tudo ficou por acontecer. De um modo geral sinto-me muito feliz por ter atingido esse objetivo, mas cheguei à conclusão de que é uma fase que termina e que vou continuar a querer sempre mais, pessoal e desportivamente, porque a vida continua e devemos procurar sempre algo que nos preencha.

Onde é que guarda a medalha?

Está em minha casa, em cima de um móvel, dentro da caixa.

Revê muitas vezes o seu combate decisivo e a cerimónia do pódio?

As imagens ainda não estão disponíveis. O pouco que vi foi em alguma reportagem que apareceu, caso contrário já tinha visto muitas vezes de certeza. Mas revejo mentalmente. Realmente, quando subi ao pódio olímpico foi uma sensação indescritível, que não posso comparar com cerimónias de outras provas, para mais tendo em conta o meu percurso, o facto de me ter lesionado no combate da medalha e não ter desistido. Fiz um esforço enorme para conquistar a medalha. Subir ao pódio fez--me sentir recompensada e que tudo tinha valido a pena.

Voltou a cruzar-se com a romena Corina Caprioriu depois do combate?

Sim. Houve uma festa no final dos Jogos em que estavam presentes muitos atletas. Quando ela passou por mim, tocou-me no ombro e sorriu, como quem diz "parabéns". Foi uma forma de suavizar as coisas, até porque durante o combate houve algum descontrolo emocional da parte dela. Mas no judo e no desporto tem de ser assim: quando o combate acaba as diferenças que existam entre nós devem ser ultrapassadas. Não precisamos de ser amigas, mas não devemos estimular nenhum sentimento negativo porque quando entramos em competição estamos ali para eliminar o nosso adversário.

A Telma conquistou a medalha na quarta participação olímpica. Sente que se tivesse mudado alguma coisa na sua carreira podia ter alcançado esse objetivo mais cedo?

Hoje é fácil identificar o que correu mal. Mas na altura, com toda a informação e experiência que eu tinha, tomei sempre as decisões que me pareciam mais acertadas. Fiz tudo o que me parecia mais correto. Mas agora, olhando para trás, o que posso dizer é que teria prestado maior atenção aos detalhes de cada combate.

Há pouco falava de portas que se abriam e fechavam. Uma das que se abriram e que a Telma fechou foi a hipótese de assinar pelo Sporting. O que a levou a escolher continuar no Benfica?

Não vou falar muito em relação a isso. A única coisa que vou dizer é que sempre quis ficar no Benfica e estou muito feliz por estar aqui há já dez anos. O Benfica é o meu presente e o meu futuro.

Foi de novo sujeita a uma operação, mas já disse que irá regressar mais forte. O que é que alimenta essa convicção?

É uma certeza que eu tenho. Consigo pôr-me no lugar de quem olha para mim e pensa que já tenho 31 anos, fui de novo operada e que, nesta fase, recuperar já não será tão fácil. Eu compreendo e respeito quem pensa assim. Mas, dentro de mim, tenho a certeza de que irei ganhar mais medalhas em Mundiais e Europeus neste ciclo olímpico. Confio nas minhas capacidade e no meu trabalho. Uma lesão significa um tempo de paragem, que depois requer um esforço maior no regresso, como se fosse uma pré-época mais exigente, mas quando atingir a minha forma voltarei a ganhar outra vez. É assim. Tenho a certeza.

Este problema no ombro limita-a mais do que aquele que teve no joelho antes dos Jogos?

Não. Não tenho sentido dores. Agora fui operada e parece que tenho um problema, mas a verdade é que esse problema existia antes, quando tinha a lesão e estava a treinar e percebi que não ia atingir o nível que precisava. Por outro lado, quando penso nesta lesão penso nos Jogos Olímpicos. No meu caso ter esta lesão significa também que tive a medalha. Nesse sentido nem olho para isto como algo negativo, mas sim como uma consequência. E arriscaria dizer, porque já passei por isso, que qualquer atleta preferia ter uma lesão e uma medalha do que não ter lesão nem medalha.

Vai aproveitar este tempo de paragem para tratar a sua vida pessoal?

Eu vou estar quatro meses sem poder treinar judo, mas durante esse tempo vou fazer todo o treino físico que puder. Foi o que fiz quando fui operada ao joelho. Ainda estava de muletas e já ia para o ginásio. Vou entrar naturalmente na minha rotina. Como o ano passado foi superexigente, em que eu estava envolvida em várias coisas que aconteceram quase por acaso, desta vez gostava de ter um ano mais tranquilo, mais virado para a recuperação da lesão. Tenho dado algumas palestras e essa é uma área que me interessa bastante. Posso ir visitar uma escola ou outra porque acho importante esse tipo de iniciativas e agora até tenho mais tempo. Mas vou ficar por aí. Acima de tudo quero estar focada a cem por cento na minha recuperação e integração nos treinos.

O judoca Célio Dias, seu amigo de infância do Bairro Branco do Monte de Caparica, admite que o judo o ajudou a canalizar a agressividade que tinha para algo mais positivo. Foi também o seu caso?

Nunca fui muito agressiva. O que se passava comigo é que, emocionalmente, era alguém que guardava tudo para mim e só as dizia quando o copo transbordava. Hoje tenho facilidade em comunicar às pessoas o que não gosto e o que gosto. Essa foi a minha grande transformação pessoal, que me deu a estabilidade emocional que precisava para competir melhor.

Ganhou essa ferramenta com o trabalho psicológico que fez antes dos Jogos?

Sem dúvida. Desafiei-me nesse aspeto, para perceber como podia melhorar os meus desempenhos. Acabou também por ser um processo de autorreflexão e construção pessoal, para saber como é que eu queria estar comigo própria e com os outros. Esse trabalho chega depois ao nosso dia-a-dia e com ele chega a estabilidade emocional. Para mim é o mais importante.

Olha para as cicatrizes das suas operações também como medalhas, uma vez que cada cicatriz também tem inerente um período de recuperação e superação de uma dificuldade?

Sim. É interessante. Se me dissessem há uns anos que seria operada quatro vezes eu diria que à quarta desistia. Mas, agora, é engraçado perceber que cada operação torna-me mais forte e mais confiante. É sempre desagradável passar por esse processo, mas tendo a capacidade de o superar sentimo-nos invencíveis. E, quando ganhar a próxima medalha, ainda me sentirei melhor.

Concluiu uma pós-graduação em Gestão e Marketing Desportivo. No futuro vê-se ligada a essa área profissional ou preferia estar mais dedicada, por exemplo, ao treino e a passar os seus conhecimentos?

Gostava de ficar ligada a ambas. Tenho muito para ensinar, dada a minha experiência, mas por outro lado também gostava de estar numa posição em que posso tentar criar melhores condições para os atletas e coordenar esses aspetos. Eu fiz aquilo que me competia, que foi estudar. Se tiver tempo e disponibilidade mental gostaria ainda de tirar um mestrado de treino de alto rendimento. Isso tudo, aliado à minha experiência e à minha maneira de ser, faz-me acreditar que no final da carreira vão abrir-se muitas portas. Como costumo dizer, o mais importante é a preparação e eu estou a preparar-me em todos os sentidos. Mas para já o meu foco é a carreira desportiva.

Depois da medalha, uma das coisas que disse ir fazer era tatuar a data da sua conquista por baixo dos anéis olímpicos que tem no antebraço esquerdo. Já o fez?

Não [risos]. Entretanto fiquei com dúvidas sobre o que devia fazer. Se a data ou outra coisa que representasse a minha tenacidade. Está em stand by mas vou tatuar alguma coisa.

Independentemente da sua escolha, vai deixar em aberto um espaço a pensar em Tóquio 2020 ou vai dar a tatuagem por concluída?

Não vou dar por concluída. Estar nos Jogos de Tóquio é um objetivo. Não tenho a certeza, mas se conseguir lá chegar... [pausa]. Não é se, é quando conseguir lá chegar serei a única judoca do mundo a marcar presença em cinco Jogos, o que será um marco espetacular. Mas, para além disso, terei os meus objetivos. Neste momento passam por voltar a tentar estar no pódio, sem dúvida, mas daqui por quatro anos poderei reformular essas metas, conforme me sentir. Para já, sinto energia positiva e confiança em como ainda estão para acontecer muitas coisas positivas na minha carreira.

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