Agora que já passaram estes momentos de euforia, de grande festa, já pensou bem no impacto que este resultado pode também ter na sua vida pessoal e profissional?Sim, vou pensando. Eu acho que só daqui a uns anos é que nós vamos ter mesmo a noção da dimensão do feito, porque a nossa história diz-nos que não há muitos treinadores a vencerem estas competições, inclusive em Portugal. Há 34 anos que não se ganhava nada do género isso já diz muito da dificuldade que é. Sim, começo a ter a noção do feito. Em termos de impacto na minha carreira, na minha vida, não vai ter com certeza, porque eu sou uma pessoa muito pragmática, eu gosto muito de ter vencido, gosto muito de que os meus jogadores tenham passado por esta situação, porque foram dois anos e meio de grande trabalho, de grande crescimento e acho que era merecido por tudo que fomos passando, por tudo que lhes fui corrigindo. Mas espero que tenha algum impacto na minha vida profissional, é para isso que nós trabalhamos, é para isso que nós nos dedicamos tanto, para podermos também crescer na nossa profissão.. E qual é esse impacto? Ir para um grande clube mundial, ser selecionador nacional daqui a uns tempos, de Portugal ou de outro país?Pois. Eu tenho as portas muito abertas nesse sentido. Termino o contrato este ano com a Federação, mas estou muito satisfeito de lá estar. Quando representamos Portugal tem de ser com paixão, com dedicação, eu sinto esse orgulho de representar Portugal. Agora não sabemos o que o futuro nos reserve, eu estou completamente aberto, quer a nível de seleções, quer a nível de clubes, entretanto o que surgir, se surgir alguma coisa, estarei aqui para poder estudar e perceber o que é melhor para a minha carreira.Mas está também disposto a renovar com a federação?Claro. Sobre isso eu não tenho dúvidas nenhumas, porque se eu quando digo que estou aqui com grande prazer no que estou a fazer, as portas estão abertas para tudo, desde que haja interesse nessa renovação, perceber o que é que há, perceber o que é que se vai passar e depois aí tomarmos a melhor decisão, sim. A relação com os Jogadores . Neste processo todo, até à vitória no Mundial, qual foi o momento que considera crucial para depois terem chegado onde chegaram?Foi quando passámos o jogo do Japão porque perdemos. Ao segundo jogo já estávamos qualificados para a fase seguinte, a fase a eliminar, mas tropeçamos contra o Japão e esse jogo acabou por ter um impacto nos nossos jogadores que eu não estava à espera. Depois veio o jogo com a Bélgica, porque já era a eliminar e nós já não podíamos falhar, a forma como eles se uniram, a forma como eles falaram, a forma como deram o grito, porque nós damos o grito antes de entrarmos em campo todos de mãos dadas, eu percebi que tinha a equipa de volta e que estávamos num bom caminho e esse foi um momento interessante.O que é que é preciso fazer agora, vamos imaginar no próximo ano, acompanhar para que estes jovens não se deslumbrem com um título europeu e um título mundial?Eu tive o cuidado de falar com eles. O facto de terem ganho agora dois títulos não lhes vai dar nada em termos do futuro se não continuarem a trabalhar, se não se continuarem a dedicar, a ouvir, a querer crescer.. Mas sentiu-os deslumbrados?Não, senti-os muito contentes. Eles ouvem tantas vezes falar em humildade, em colocar os pés no chão, em continuarmos a trabalhar, porque todas as equipas agora nos querem ganhar e quero que esse orgulho esteja sempre presente.Impõem-lhes resultados nos estudos ou nem por isso?Não impomos resultados, mas impomos que eles estudem. Aliás, neste mês e seis dias que estivemos fora, veio um professor connosco. Eles tiveram aulas online praticamente todos os dias, à exceção. dos dias dos jogos. “Tenho de perceber que os miúdos têm ambições” . Que ensinamentos é que, enquanto jogador, tirou para a sua carreira como treinador?É uma vantagem eu ter sido jogador de futebol. Porque consigo perfeitamente perceber o estado de ânimo que eles têm. A insatisfação de quando não jogam. Por muita disciplina que eu queira implementar, tenho de perceber que, do outro lado, há um miúdo com ambições, há um miúdo que, no seu processo de crescimento, vai ter muita irreverência, que eu também tive.Que recordações tem do Mundial de Sub-16 de 1989, onde o Bino esteve? Lembrou-se desses momentos agora, quando estava neste Campeonato do Mundo?Lembrei-me, porque quase me obrigaram a lembrar, como foram falando sobre isso. Eu tinha sido campeão da Europa antes e depois fomos à meia-final do Campeonato do Mundo e acabamos por perder. Lembro-me do jogo, como aconteceu, de alguma injustiça que nós achamos na altura do que aconteceu também.O que é que aprendeu com esta geração de jogadores? O que é que eles lhe transmitem a si? O que é que eles lhe ensinam e ensinaram até agora?A reflexão que eu vou fazendo deste tempo todo que nós temos nestas idades muita irreverência e temos de lidar com ela. Costumo dizer que é a idade da parvalheira, porque é a altura que eles estão a descobrir muitas situações, começam a assinar contratos, começam a namorar, enfim. Há um mundo todo pela frente que eles começam a ter: a emancipação, o quererem ser autónomos. Mas depois, com o passar do processo, nós vamos percebendo a maturidade que eles vão adquirindo. Percebemos que temos ali miúdos muito conscientes, que me vão, de facto, ensinando muito.. “É legítimo daqui a uns anos pensar na seleção principal. Mas não está no horizonte” . Mudaria alguma coisa no modelo de relacionamento entre a Federação e os clubes? Acha que há coisas para aperfeiçoar?Eventualmente haverá, mas aí serão os coordenadores da federação juntos com os clubes. Naquilo que é o relacionamento que nós temos tem sido impecável. Não tenho nada a apontar. Pelo contrário, tenho de agradecer e valorizar essa disponibilidade.Já lhe aconteceu querer muito um jogador numa seleção sua e o treinador do escalão acima vir buscá-lo?Ainda não me aconteceu, mas vai acontecer a partir de agora. Porque o meu escalão este ano é de sub-18 e há campeonato de Europa de sub-19. Eventualmente o Emílio Peixe, que é o treinador dos sub-19, vem aqui tirar algum jogador.Estaria disponível para assumir, por exemplo, um lugar de coordenador de todas as seleções jovens?Nunca pensei sobre isso.Mas gostava?É a primeira vez que me perguntam isso. Pois, não sei, nunca ponderei muito bem essa situação, até porque gosto muito de ser treinador. Gosto muito deste processo que estou a passar agora também. Mas prometo que vou ponderar e um dia mais tarde posso falar-lhe sobre isso.E a seleção A?Não, primeiro, acho que está muito bem entregue.Estou a dizer daqui a uns anos.Gostava, como é lógico. É legítimo. A paixão de estarmos aqui, o representar Portugal, para mim, é o ponto mais alto de uma carreira, isto já diz muito daquilo que é a resposta. Eu acho que sim, que gostaria no futuro, não sendo uma coisa que no momento esteja no horizonte. .Por falar em seleção A, Portugal vai estar no campeonato do mundo no próximo ano, nas Américas. Nós entramos sempre em euforia, que vamos ganhar tudo, mas depois Portugal perde e já não ganhamos nada. Realisticamente, o que é que acha que Portugal pode fazer no Mundial?As pessoas devem ter noção do que nós já fizemos nos Mundiais todos, e se já ganhámos algum. Isto diz muito da dificuldade que é. Eu acho que esse é o ponto primordial.Depois, termos a ambição de poder lutar pelo campeonato, eu acho que temos de ter sempre, porque isto é o que nos leva a superar e a querer mais. Sabemos que temos jogadores a jogar nas grandes equipas europeias e mundiais, isso também é um facto. Agora, há seleções de enorme valor, e um bocadinho à semelhança do que eu acho que se passou connosco, quer no Europeu, quer no Mundial, é preciso ter aquela estrelinha e estarem as coisas muito alinhadas para que se possa vencer. “Jogar Padel é um vício” . O Bino é uma pessoa que parece muito séria. Sorri, mas não dá gargalhadas. Pelo menos é a ideia que nós temos de si. No balneário, nos estágios, ou depois dos jogos também é assim?Não, eu depois dos Jogos faço questão em festejar.E grita?E grito também, e danço. Na minha vida, sou uma pessoa mais alegre, mais extrovertida, e no meu seio familiar e de amizade, sou muito mais aberto. No trabalho sou muito mais controlado, mas é uma coisa que faço naturalmente, não é um controlo imposto, é uma situação natural.. Qual foi o treinador português ou estrangeiro que mais o influenciou na sua carreira?Não tenho um especificamente, tenho alguns.E quer dizer quais?Preferia não dizer, mas tenho alguns com os quais aprendi coisas positivas e outras coisas que eu não quero para mim, e isso é o caminho que nós vamos trilhando.Se tivesse de escolher um jogo na história da sua carreira, para mostrar aos jogadores e que servisse de exemplo para eles, qual seria esse jogo?Tive alguns que foram interessantes. Na minha estreia no Futebol Clube do Porto contra a Académica, marquei dois golos e pensei que a partir daí estava tudo feito e que eu iria ser o melhor jogador. As coisas não funcionaram assim.Qual foi a melhor conversa de balneário que já teve até agora?Tive um ensinamento para a vida de um treinador que um dia, eu era ainda muito novito, que disse: quando tu jogas não me venhas perguntar porque é que jogas, quando não jogas não me venhas perguntar porque é que também não jogas. Foi uma mensagem forte que eu trouxe para a vida.O que é que diria hoje, hoje com a sua idade e com a sua experiência, ao Bino com 17 anos?Eu hoje sou muito mais controlado. É verdade que temos um tempo para tudo, não é? Eu acho que essa é a grande verdade e nessa altura a irreverência também é natural e foi cometendo aqui ali um ou outro erro, mas foi tudo crescimento.Sente que é o Carlos Queiroz do século XXI?Nunca pensei nisso, não. O Carlos Queiroz é um caso raro e muito singular e todo o mérito do mundo para o que ele fez. Acho que dificilmente encontraremos alguém com a inteligência da altura, com o nível que nós já tínhamos nessa altura, que não era nada normal para o nível de treino, ou seja, o Carlos Queiroz foi um inovador na nossa formação. Não, não tenho sequer a veleidade de pensar isso. Sei que vou fazer parte da história, mas não mais do que isso. Isso chega-me, sim.Para além do futebol, o que é que gosta mais de fazer?Gosto muito de jogar Padel, é um vício agora. Gosto muito de dançar, gosto muito…E não pisar os pés a ninguém?Não, não, acho que tem algum jeito. Gosto muito de estar com os meus amigos, gosto muito de estar comigo mesmo em muitos momentos também.Isola-se muito?Às vezes, sim, e sinto essa necessidade também de estar comigo mesmo, mas ao mesmo tempo gosto muito de brincar, de estar com os meus amigos, de palhaçadas, enfim. Eu tenho amizades de ligações familiares e essas são aquelas que me enchem naturalmente. Mas tenho muita gente que sei que gosta de mim, muita gente que tem estado comigo, quer nos bons, quer nos maus momentos, e sou muito feliz com as amizades que tenho, com a família que tenho. .O que é que se veria a fazer daqui a 15, 20 anos?Não sei, mas gostaria muito de estar tranquilo com a minha esposa e com os meus filhos e poder desfrutar da vida, porque isto passa tão rápido. A nossa profissão, para além de ser solitária, no meio de muita gente, é de facto muito intensa, porque os resultados ditam muito daquilo que nós somos, e por isso também quero descansar. E quando quiser descansar, quero ter ainda a energia para poder desfrutar..Portugal vence a Áustria e sagra-se campeão mundial de sub-17 (veja o golo)