Um homem simples há 48 anos a servir o Benfica

Toni, Veloso, Gaspar Ramos e Quim não poupam nas palavras elogiosas ao até este sábado diretor técnico das águias, que alcançou 46 troféus ao serviço dos encarnados. Conheça a história de Shéu neste perfil publicado em maio de 2017
Publicado a
Atualizado a

Foram 48 anos ao serviço do Benfica e, segundo Gaspar Ramos, o homem responsável por este período duradouro - Shéu Han - é "um achado".

Este elemento da estrutura do Benfica, como team manager, que assumiu as funções de secretário técnico em 1989, logo quando deixou de jogar, pouco ou nada costuma dar nas vistas. A discrição é, passe o paradoxo, a sua característica mais visível, mas poucos se esquecem da maneira como festejou com Luisão no relvado da Luz após a obtenção do inédito tetracampeonato - "sinal da cumplicidade e do respeito do plantel personificado no capitão Luisão", explica Toni. Ganhar não é uma palavra vã para Shéu, que, como jogador e elemento da estrutura, tem no currículo 17 campeonatos, onze Taças de Portugal, onze Supertaças e sete Taças da Liga, para não falar de cinco finais europeias, tendo apontado um golo diante do Anderlecht na final perdida para os belgas em 1983.

Pois bem, o antigo médio, nascido em Moçambique, mal chegou a Portugal, em 1970, cumpriu o que restava da sua formação e na Luz teve colegas ilustres como Eusébio, Simões, Toni, Vítor Baptista, entre outros. Quem o viu jogar lembra-se dos seus pés de veludo, da ordem que dava ao jogo da sua equipa e do sentido prático em cada intervenção. Com o seu rigor e profissionalismo chegou a capitão e quando se preparava para fazer a transição de jogador para treinador... foi surpreendido.

Queria ser treinador

"Foi o senhor Gaspar Ramos que o convidou, porque o conhecia e sabia que a sua personalidade refletia o que ele era como jogador: eficiência e rigor", diz ao DN Toni, que foi colega de Shéu e depois ainda trabalhou com o agora operacional na condição de treinador.

"Ele era o capitão, um moço muito qualificado, e eu precisava de um secretário que fosse conhecedor e me ajudasse. Ele ficou surpreendido porque tinha a ideia de ser treinador, porque era um pensador, com um nível cultural acima da média na sua classe. E teria sido um bom treinador, mas ele pesou a estabilidade familiar e também não tinha uma ambição desmedida. Disse-me que ia pensar e depois aceitou. Foi uma ajuda espetacular no relacionamento com os jogadores, no controlo da cabina. Resolvia tudo, ninguém tinha de se preocupar quando as coisas estavam entregues ao Shéu, que nas situações mais complicadas fazia as pontes necessárias ao reequilíbrio da cabina. O Shéu foi um achado e, no dia em que sair, o Benfica terá não uma grande, mas uma enorme perda. Nenhum clube tem uma pessoa como o Shéu", realça Gaspar Ramos.

De um ano para o outro, Shéu deixava de ser colega para fazer parte de um organigrama em que estava acima hierarquicamente dos seus antigos companheiros. Mas isso não foi um problema.

"Lembro-me bem da mudança e ele manteve a sua forma de ser. Olhávamos para ele com a mesma confiança, mas olhávamos noutra perspetiva e sem brincarmos tanto, e acho que ele apreciava isso", refere Veloso, que tem uma frase curiosa para ilustrar o seu antigo colega. "O Shéu deve ser o único jogador de que não tenho histórias para contar porque ele sempre foi uma pessoa reservada. Não falava muito e estava sempre com muita atenção. Às vezes brincávamos e dizíamos "hoje há aqui uma pessoa que ainda não falou", e ele ria-se. Mas quando era necessário falava, e bem. Nas brincadeiras de balneário ele não entrava, estava sempre alheio, mas chamava a atenção quando achava que ultrapassávamos um limite. O Shéu é fantástico e com os títulos todos que ganhou até merecia uma estátua", sustenta Veloso.

Se Veloso conheceu as duas facetas de Shéu, o guarda-redes Quim, que esteve seis anos no Benfica, recorda o "senhor Shéu". Os anos de intervalo são bastantes, mas os elogios não diferem muito.

"Ele fala pouco, mas quando fala todos se calam. As pessoas não fazem ideia, mas a importância da palavra dele é essencial para o rendimento do jogador. Os ensinamentos, a mística que nos transmite através das histórias e de dificuldades que passou. As pessoas veem-no como secretário técnico que só aparece quando vai ao quarto árbitro na altura da substituição, mas ninguém imagina a pessoa fabulosa que ele é, a sua importância, o respeito que os treinadores lhe têm devido ao seu passado. A simplicidade é o seu ponto mais forte", descreve o guardião, ainda ao serviço do Desportivo das Aves.

Aliás, o desafio do DN foi perguntar aos quatro interlocutores se alguma vez tinham visto Shéu zangado e todos responderam negativamente mas com algumas ressalvas. "O Shéu para se zangar é preciso as coisas chegarem ao extremo. Para lá do jogador há o homem, e ele quando não está de acordo vinca as suas ideias até porque a paciência de chinês também se esgota", salienta Toni, numa ideia complementada por Veloso: "Quando ele se zangava notava-se na expressão." Já Gaspar Ramos, que o convenceu em 1980 a permanecer na Luz apesar de ter um convite do Sporting, é mais eloquente: "Aquilo que diz vem do coração, ele não tem inimigos, pessoas como o Shéu já não existem."

A exceção Artur Jorge

Para o antigo dirigente, Shéu Han foi sempre um "aliado" dos treinadores, quer antes como jogador quer depois como membro da estrutura. Mas Gaspar Ramos recorda que houve alguém com quem Shéu não teve uma empatia especial. "Ele teve um bom relacionamento com todos os treinadores, então com o Toni eram como irmãos, mas houve aquele período do Artur Jorge [1994-96]. Ele nunca transmitiu animosidade e até tentou ajudar o Artur Jorge, mas sentia-se no Shéu algum incómodo com a situação." Não há bela sem senão.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt