Benfica
10 dezembro 2016 às 00h34

O miúdo do campo que jogou sempre nos escalões acima

Gonçalo Guedes nasceu em Benavente, onde ganhou o gosto pelo futebol. No primeiro torneio em que participou marcou cinco golos

Carlos Nogueira

Irreverente, espontâneo e emotivo. Estes são alguns dos adjetivos usados por Helena Costa para caracterizar Gonçalo Guedes, o menino que a treinadora descobriu quando trabalhava nas escolas de futebol da Geração Benfica - durante um torneio em Benavente, a vila ribatejana onde nasceu, a 29 de novembro de 1996, e cresceu, sempre com a bola como companhia indispensável.

Antes desse momento que mudou a vida do agora menino querido dos benfiquistas, o pequeno Gonçalo andava pelas ruas da vila, com o irmão João Maria Guedes, a jogar futebol com os amigos. "Ele tinha 6 ou 7 anos e era o mais novo de todos. Esse grupo que costumava jogar tinha vários escalões etários, até aos 20 anos, e o meu irmão era o mais pequeno... a bola até era bem maior do que os pés dele!", conta o irmão, dois anos mais velho, que até recorda que um dia "a bola foi-lhe passada com tanta força que ele, com o impacto, caiu no chão".

Mas o talento do número 20 do Benfica já se fazia notar. De tal forma que aos 8 anos integrou com o irmão a equipa de infantis do Benavente. "Ele não podia jogar porque tinha menos dois anos do que os outros, por isso treinava e apenas jogava em particulares ou em torneios", revela João Maria. No final dessa primeira época, chegou finalmente a oportunidade. "O meu pai [Rogério Guedes] era o delegado da nossa equipa e organizou um torneio para o qual convidou as escolas da Geração Benfica e no jogo contra eles o Gonçalo impressionou e foi logo convidado para ir para o Benfica", conta João Maria, que era guarda-redes e um ano depois também rumou à Luz.

Helena Costa lembra-se bem do dia em que descobriu Gonçalo Guedes nesse torneio. "Ele sobressaiu dos demais e no final do jogo fui logo falar com os pais e levámo-lo para as nossas escolas. Na altura, treinávamos nos Olivais e o Gonçalo integrou logo a equipa. No primeiro torneio que fez, em Lourel, ganhámos a final por 5-0 e ele marcou os cinco golos", conta a treinadora, atualmente comentadora na SportTV.

O miúdo de Benavente deixava a sua marca numa história construída em todos os escalões de formação do clube da Luz. "Foi um período que exigiu muito da nossa família. O meu pai levava-nos todos os dias aos treinos. Fazíamos o trajeto Benavente-Lisboa. Acabou por ser um investimento familiar que está agora a dar frutos com o meu irmão", assume João Maria, que vislumbrou em Gonçalo um futuro craque quando "começou a dar nas vistas e a jogar em escalões acima da idade dele", algo que se tornou natural ao longo da sua carreira nas camadas jovens dos encarnados.

Vinte olhos para vigiar Gonçalo

O Benfica tirou-lhe os fins de semana em família e, aos poucos, os pais foram autenticamente substituídos pelos treinadores. Helena Costa recorda-se bem desses momentos. "Ao contrário dos outros miúdos, o Gonçalo vinha de um meio rural e isso dava-lhe outro tipo de destreza que marcava o seu comportamento. Era preciso ter 20 olhos em cima dele", lembra, ao mesmo tempo que recorda alguns episódios que revelam bem a sua personalidade. "Recordo-me de que, num daqueles torneios que costumávamos fazer, as equipas almoçavam todas numa escola, e após uma refeição eles pediram--me para irem jogar às escondidas no pátio. Disse que sim, afinal estavam todos debaixo de olho. Quando chegou a hora de irmos embora, ninguém sabia onde estava o Gonçalo. Não podia estar longe... Fomos todos à procura dele e, de repente, vimos uma mancha vermelha no cimo de uma árvore bem alta... era o Gonçalo", conta Helena Costa, que destaca a apetência que o jogador tinha para subir às árvores e aos sinais de trânsito.

Neste período de crescimento e desenvolvimento futebolístico, havia uma batalha que era preciso travar constantemente com o miúdo de Benavente. "Ele fazia birra porque não queria comer a fruta no final das refeições. Uma vez, andou um dia inteiro com uma pera na mão e os colegas obrigaram-no a comer porque senão não jogava", conta Helena Costa, que faz questão de enaltecer o lado humano de Gonçalo Guedes: "Quando estive a trabalhar no Qatar recebi uma mensagem dele através do Facebook, já não falávamos há algum tempo, dizia que tinha uma coisa para me dar. Era a camisola da sua primeira internacionalização pelos sub-16. Isso demonstra bem o grande ser humano que é."

João Maria faz questão de dizer que Gonçalo Guedes mantém ainda hoje os amigos de infância, em Benavente. "Nascemos num ambiente rural onde se constroem ligações para a vida", assume, revelando que em casa "não há conversas sobre futebol". "A melhor forma de o ajudar é criar condições para ele se descontrair e desligar-se do futebol, um meio em que se está sempre sob pressão", sublinha, revelando que ainda mantêm algumas brincadeiras: "Costumamos jogar FIFA [na PlayStation], pingue--pongue e cartas... estamos sempre a competir um contra o outro."

Helena Costa enaltece ainda a forma "regrada" com que Gonçalo Guedes encara a profissão de futebolista e destaca o bom relacionamento do jogador com os colegas de equipa. "Não sei se é um dos animadores do atual balneário do Benfica, mas sei que é daqueles que encaixam bem uma piada que façam sobre ele", revela.